A INFLUENCIA DE ALLAN POE NA ARTE UNIVERSAL


Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 7 de fevereiro de 1973

"Poe, poeta, poesia"... Baudelaire venerava Edgar Allan Poe como um santo, e em fins do século passado Ruben Dario escreveu: "A influência de Poe na arte universal foi suficientemente profunda e transcendente para que seu nome e sua obra sejam lembrados para sempre". A poesia simbólica e o movimento modernista, a literatura de ficção cientifica, o romance policial moderno, o romance psicológico, considerado freudiano, e os cultores de cada uma destas formas literárias seguiam, consciente ou inconscientemente, os passos de Edgar Allan Poe. Um poeta nicaraguense disse que Poe, "como um espírito feito homem, parecia ter passado sua vida sob a influência de um estranho mistério".
Não há necessidade de uma análise muito profunda dos fatos familiares da vida de Poe a partir da morte de sua mãe, uma artista ambulante, vitimada pela tuberculose, quando ele ainda não completara três anos de idade. Sua morte fixou-se no subconsciente e na imaginação de Poe e viria surgir, persistentemente, ao longo de sua obra, sob a forma de mulheres ávidas, de olhos luminosos: Eleanora, Annabel Lee, Ulalume e muitas outras belas mulheres cujas mortes foram para ele motivo de "temas poéticos incomparáveis"; e em sua vida real, na mãe de uma amiga de infância, que o incentivou como poeta e lhe inspirou uma de suas mais sensíveis odes, "A Helena"; em sua mãe adotiva, cujo marido lhe roubou todo o afeto e o deixou sem um centavo, aos 20 anos, após sua morte e, finalmente, em sua prima e jovem esposa Virginia Clemn, a quem viu morrer, tuberculosa, aos 18 anos de idade, no patético chalé de Fordham, Nova York, que Poe descreveu com tanto lirismo em "Landor's Cottage".
Poe não lhe sobreviveu por muito tempo. Em outubro de 1849 foi encontrado semi-inconsciente na rua, falecendo pouco depois em um hospital de Baltimore, onde hoje se ergue uma estátua em memória do poeta, estátua esta que foi custeada com centavos doados pelas crianças das escolas da cidade.
A beleza, a sabedoria e a excelência técnica deste "fenômeno literário e mental sem imitadores nem antecedentes", segundo as palavras do crítico francês do Século XIX, Camile Mauclair, em sua obra "A Arte em Silêncio", são ainda mais misteriosas, se nos lembramos que Poe não teve qualquer instrução acadêmica propriamente dita, exceto uma malograda carreira militar e um ano de estudos na Jefferson University, do Estado de Virginia. Não teve sequer a oportunidade de tornar-se autodidata ou de ler o pouco de valor que se publicava à época. "Não obstante, o mais paradoxal", segundo seu biógrafo, Joseph Wood Krutch, "é que conseguiu produzir uma obra em prosa e verso que, embora não tenha sido suficiente para dar-lhe o sustento diário, grangeou-lhe uma reputação póstuma como um dos cinco ou seis escritores norte-americanos a merecer um direito incontestável ou a ocupar um lugar permanente na literatura universal".
É mais que provável que Julio Verne tenha sido um leitor assiduo das "Histórias Fantásticas"(Stories of the Fantastic) de Poe, os primeiros exemplos do que hoje chamamos de literatura de ficção cientifica. É natural que alguns desses relatos, hoje, nos pareçam antiquados, mas um deles, "A Subida do Grande Balão"( The Great Balloon Ascencion), um relato sobre uma viagem de balão sobre o Atlântico, causou à época em que foi escrito, uma comoção semelhante à famosa radiotransmissão, por Orson Welles, de uma suposta invasão do Estado de Nova Jersey por habitantes de Marte, um século depois.
Poe se vangloriava, com razão, de sua capacidade de raciocínio, e certa vez ofereceu um prêmio de 25 dólares a qualquer leitor que propusesse um criptograma que não conseguisse decifrar. Ninguém conquistou o prêmio.

Influência

Se se propusesse elaborar uma lista dos escritores contemporâneos cuja prosa encerra traços do estilo e dos métodos de Poe, esta incluiria os mais eminentes nomes da literatura americana e européia. Assim é interessante descobrir-se um moderno matiz na aura de Carlos Fuentes ou surpreender-se com a semelhança na tônica das histórias mais metafísicas de Borges e Guimarães Rosa e alguns dos contos "científicos" de Poe. William Faulkner, com suas incessantes explorações das negras raízes das motivações humanas, é um legitimo herdeiro de Poe.
Em sua introdução ao "The Oxford Book of American Verse", F. O. Matthiesen afirma que "no sentido mais elevado, a maioria de nossos últimos poetas pode considerar-se descendente de Whitman ou de Poe" mas reconhece que a influência de Poe foi mais indireta porque, por "uma dessa raras veleidades da história da literatura, Poe ingressou na poesia norte-americana em grande parte devido ao acolhimento que teve sua obra na França".
A definição de poesia dada por Poe - "a criação ritmica da beleza"- e o equilibrio meticuloso da rima, métrica e musicalidade, foram logo aceitos como dogmas pelos poetas simbolistas franceses, a partir de Baudelaire.
Depois de Baudelaire, seguiram-se Rimbaud, Mallarmé, Laforque e Valery e por intermédio destes poetas e também de tradução espanholas de alguns de seus poemas, que circularam depois de sua morte, a influência de Poe se fez sentir nos versos de várias gerações de poetas modernistas, parnasianos e pós-modernistas da América Latina e posteriormente, da Espanha. Podem ser citados, como exemplos, o colombiano José Asunción Silva, o brasileiro Augusto dos Anjos e o uruguaio Julio Herrera Reissig.

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