SENEFELDER, INVENTOR DA LITOGRAFIA
Para imprimir suas proprias obras descobre novo processo
de impressão
Senefelder ou Schmidt? - Mais uma vez o acaso só favorece
os espiritos preparados
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Publicado
na Folha da Manhã, domingo, 4 de abril de 1954
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Não há muito, ao tratar-se aqui da revolucionaria foto-impressora
"Photon", tivemos oportunidade de relembrar a figura de
Senefelder, o inventor da litografia. Sua historia é cheia
de humano interesse e mostra como as dificuldades surgidas no caminho
de um homem podem levá-lo a fazer descobertas fundamentais
em setores totalmente diversos. No caso em apreço, o que interessava
a Senefelder era, fundamentalmente, publicar suas obras literarias,
desprovidas aliás de valor. E para vencer as resistencias,
fez-se impressor de seus proprios escritos, não, porem, um
impressor comum, que usasse os processos classicos da tipografia -
não possuia dinheiro para tanto - mas um impressor revolucionario,
que desse modo fundou a litografia. Vamos recordar essa historia?
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Vocação
contrariada |
Nasceu Johann Aloys Senefelder em Praga, a 6 de novembro de 1771.
Filho mais velho de um ator que trabalhava no Teatro da Corte, em
Munique, habituou-se a amar a vida artistica e não foi sem
relutancia que, aos 15 anos, se encaminhou para a Universidade de
Ingolstadt, para estudar Direito. Por aí já se vê
que o pai desejava para o filho uma carreira bem diversa da sua. Morto
o genitor, entretanto, Johann Aloys não perdeu tempo e abandonou
os estudos universitarios, dedicando-se a escrever peças para
o teatro. Este era, na verdade, o seu pendor e já havia feito
algumas tentativas nesse sentido. Em 1789 conseguiu exito com uma
banalissima peça chamada "O Conhecedor de Mulheres",
na qual tambem desempenhava um papel, e concluiu que seu destino não
podia ser outro senão esse. Não conseguiu todavia obter
emprego no Teatro da Corte, de Munique, e teve de levar existencia
de ator ambulante. Em vez da gloria por ele sonhada, só encontrou
humilhações na carreira abraçada. Resolveu abandonar
o teatro e dedicar-se apenas à literatura. Para isso era preciso
tornar-se conhecido, e para ser conhecido era preciso publicar as
peças que já escrevera e que dormiam nas suas gavetas.
Com muita dificuldade conseguiu afinal um impressor, que lhe prometeu
determinada soma pelos seus livros, mas isto - era a condição
imposta pelo editor - se a obra ficasse pronta a tempo de ser apresentada
na Feira do Livro de Leipzig. Para garantir sua promessa, Senefelder
procurou o impressor e propôs-se a ajudá-lo, trabalhando
ele mesmo na impressão. Apesar de toda sua deligencia, porem,
a obra não ficou pronta no prazo combinado, mas somente 15
dias após. Com isso perdeu Senefelder praticamente todo o seu
esforço, pois do editor apenas recebeu uma infima quantia,
que mal pagava as despesas da impressão.
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Para
imprimir a propria obra |
Meditando sobre sua infelicidade, chegou Senefelder a conclusão
de que só poderia editar suas proprias obras se possuisse uma
tipografia propria. Coisa pequena, sem duvida, pois modestos eram
seus propositos. Surgiu todavia a maior das dificuldades a esse objetivo:
onde achar o dinheiro necessario? Reunindo tudo o que possuia, verificou
que nem de longe poderia adquirir a modestissima tipografia a que
aspirava. Essa impossibilidade, dizem os seus biografos, foi a causa
direta, e portanto, bendita da descoberta do processo litografico.
Pôs-se Senefelder a fazer experiencias com o fim de encontrar
um meio qualquer de imprimir sem os custosos tipos. Começou
tentando uma especie de placa de estereotipia; fez uma pasta mole
de argila, areia fina, farinha e carvão em pó e sobre
ela comprimia letras e linhas inteiras, na esperança de reproduzir
algo de semelhante às linhas que a tipografia compunha. Da
chapa assim grosseiramente obtida procurou tirar um molde com lacre,
obtendo uma superfície na qual as letras apareciam em relevo.
Quando passou, entretanto, à operação de imprimir,
verificou, desapontado, que a chapa era quebradiça e se fazia
em cacos à menor pressão. Não ha duvida, porem,
que a idéia de Senefelder era verdadeiramente genial, pois
é certo que ele nunca vira, antes, uma placa de estereotipia,
nem tinha ouvido falar de tal coisa.
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Do
cobre à pedra |
Não desanimou. Deixando de lado esse processo, arranjou chapas
de cobre e tentou escrever sobre elas, de trás para diante,
depois de haver coberto com cera ou outro material mole, à
semelhança do que se faz na pratica das aguas-fortes. As dificuldades
logo apareceram. Em primeiro lugar, não era facil escrever
de trás para diante. Em segundo lugar, o cobre era muito caro.
E ainda por cima, e como se não bastasse, não havia
meios de corrigir os erros acaso cometidos na escrita, e que não
haviam de ser raros, dada a dificuldade mesma da tarefa. Experimentou
diversos outros materiais o pobre Senefelder, mas nada saia a contento.
Havia chegado quase ao desespero, quando lhe ocorreu a idéia
de experimentar as pedras de Kehlheim, que se encontravam abundantemente
nas redondezas. Essa pedra é muito branca e pode ser polida
com facilidade. Além disso, era muito barata, o que para a
condição de Senefelder era o que mais contava. Continuando
suas experiencias, Senefelder preparou um verniz composto de cera,
sabão e essencia de terebintina. Espalhou-o sobre a pedra,
como antes fizera sobre as chapas metalicas. Riscou a superficie de
verniz com um estilete, como tambem fizera antes, e com acido corroeu
a pedra que ficava por baixo. Depois conseguiu provas, aplicando uma
tinta feita de oleo negro de Francforte e oleo de tartaro. Limpou
o excesso de tinta com agua alcalinizada.
As provas que obteve com esse processo foram a principio muito grosseiras,
em parte pela inabilidade de Senefelder como gravador, e em parte
pela porosidade das pedras, que retinha a tinta onde ela não
deveria permanecer. Esses trabalhos de "impressão em pedra",
como ele mesmo chamava, duraram de 1791 a 1796, e foram realizados
em meio da mais extrema pobreza.
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O
acaso |
Agora é a vez de entrar em cena o famoso acaso, que no dizer
de Pasteur só favorece os espiritos preparados. Um dia - julho
de 1796 - a mãe de Senefelder pediu-lhe que fizesse o rol da
roupa. Não possuia ele papel algum à mão, pois
todo o de que dispunha havia sido gasto em suas provas. Na pressa
de escrever o rol, tomou uma de suas pedras polidas e escreveu sobre
ela com a sua tinta de sabão, cera e carvão, o rol que
deveria ser copiado mais tarde. Mas Senefelder tinha mesmo a bossa
do pesquisador. E antes de apagar o curioso rol, lembrou-se de ver
o que acontecia se cobrisse com acido a pedra escrita. Esperava que
as letras, protegidas pela tinta, fossem poupadas e permanecessem
em relevo. Teve exito na experiencia e nasceu desse modo a litografia.
A escrita obtida estava longe de perfeita, mas era sem duvida a primeira
realização do processo litografico, que naqueles tempos
recebeu o nome de impressão quimica.
Tão promissor lhe pareceu o processo, que resolveu dedicar-se
exclusivamente a ele. Como estivesse inteiramente sem recursos, tentou
obter 200 florins, substituindo no quartel um amigo seu. Mas as autoridades
militares o rejeitaram, pois na Baviera ele era estrangeiro. Desesperado,
vai de fracasso em fracasso, conhecendo tremendas desilusões,
porem jamais abandonando sua ideia litografica, até que entrou
em contacto com Gleissener, compositor e membro da banda do Eleitor
da Saxonia. O compositor, assim que viu as provas apresentadas por
Senefelder, ofereceu-lhe parceria, assim nascendo a primeira oficina
litografica do mundo, em 1796. A litografia passou da fase puramente
experimental para a industrial, como processo de reprodução.
E nasceu, é bom lembrar, para imprimir musica. Pela primeira
vez depois de sua insignificante peça "O Conhecedor de
Mulheres", conhecia exito o pobre Senefelder. Dedicou-se então
a ampliar o negocio, criando uma prensa maior do que a até
então usada. Encontrou enormes dificuldades, mas acabou vencendo-as,
depois de longas e pacientes experiencias.
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O
desencanto e a gloria |
Só faltaria, para aumentar as amarguras de Senefelder, que
alguem lhe viesse contestar a originalidade de sua descoberta. Pois
esse alguem apareceu. Quase ao mesmo tempo que ele um inglês,
Schmidt, professor do Colegio Militar Real, fazia experiencias de
gravação em relevo sobre pedra. E reclamou para si a
patente, que logicamente cabia ao infeliz Aloys. Sua reclamação,
sabe-se hoje, era inteiramente infundada e a gloria da descoberta
da litografia deve ir, integral, para Senefelder, que encontrou, nessa
altura dos acontecimentos, um bom patrono, o reverendo Steiner, que
tinha importante função oficial. Prosseguindo suas atividades,
Senefelder, cuja escrita não era muito boa, contratou uma especie
de letrista, para fazer, em papel, a escrita a ser impressa. Essa
escrita era então transferida do papel para a pedra, descobrindo-se
desse modo a litografia de transferencia ou autografia, uma das mais
interessantes descobertas desse homem de genio.
O fim da vida de Senefelder é bem diverso do começo.
Não lhe faltou o reconhecimento de seus contemporaneos, assim
como não lhe faltaram honrarias e retribuições.
Foi nesse ponto mais feliz que Guttenberg. Se tivesse habitos de economia,
poderia ter deixado grande fortuna. À sua memoria levantou-se
um mausoléu, e este por mera coincidencia, foi feito de pedra
de Kehlheim.
Em 1818 Senefelder publicou um manual de litografia, no qual passava
aos outros os conhecimentos que tão duramente obtivera. Esse
livro foi dedicado ao rei Maximiliano da Baviera. Morreu em 26 de
fevereiro de 1834, em Munique, há cento e vinte anos, pois.
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