Olhe dona Nugent, eu disse, e fiquei de quatro no chão. Fiz
com que parte de mim ficasse do lado de dentro do vestíbulo
para ela não tentar fechar a porta na minha cara e depois estiquei
a cabeça para a frente e franzi o focinho quer dizer o nariz
e diminuí meus olhos o quanto pude depois dei um grunhido enorme.
Achei que isso a alegraria. Olhei para ela de novo. Oinc. Depois caí
na risada. O que acha dona Nooge? Foi muito engraçado. Quanto
mais eu fazia oinc, mais eu ria achei que era de fato a melhor risada
que já tive especialmente quando Philip apareceu com sua cara
de o que está acontecendo aqui. Detetive Inspetor Philip Nooge
da Yard chegou!
Primeiro Philip não sabia o que fazer não é todo
dia que se sai da cozinha e se vê um porco vestido de paletó
e calças se arrastando na sua porta da frente. Ficou parado
com seu lápis atrás da orelha. Sabia de uma piada mas
não contei. Você ouviu aquela do professor com prisão
de ventre? Ele desentupiu com o lápis. Estava muito ocupado
olhando para Philip tentando imaginar um plano de mestre. Oinc! E
depois olhava para Philip. Olhei direto nos seus olhos. Um jogo de
futebol. Você e eu contra o resto Philip o que me diz? Depois
dei um outro oinc e o coitado do Philip não sabia se ia ou
vinha. Oinc. E comecei a rir de novo. Então o que ele faz agora
não é que tenta me empurrar para fora do vestíbulo?
Epa, Philip, eu disse, está enfiando seus dedos nos meus olhos.
Podia ouvir seu coração batendo de onde eu estava. Empurrou-me
no ombro com sua bota. Epa eu disse tire suas botas enormes de cima
de mim, isso dói Philip! Depois ha ha de novo. Você é
muito grosseiro não vou mais brincar com você! Estou
só brincando. Dona Nugent ficava dizendo Philip Philip não
sei se ela sabia o que queria dizer. Quem você acha que é
melhor Philip, eu perguntei. Denis Law ou Tommy Taylor (3)? Philip
estava de cócoras tentando me empurrar para fora da porta com
os ombros e estava vermelho como tomate e resfolegando sem parar.
Seu lápis caiu no chão. Foi um empurra-empurra danado.
Philip empurrava de um lado eu empurrava do outro. E aí começava
tudo de novo. Dona Nugent não fez nada, tudo o que fez foi
ficar parada remexendo nos prendedores dentro do bolso e eu podia
ver que Philip estava a ponto de dizer mamãe dá pra
me ajudar pelo amor de Deus? mas era tão educado que não
pediu e não é que ele se virou de um jeito que derrubou
a foto do casamento que estava pendurada na parede e esta estilhaçou
no chão e os cacos de vidro se espalharam pelo vestíbulo.
Agora olhe o que você fez, ela disse, culpando Philip pelo que
fosse que ele tivesse feito. Com certeza não era culpa dele
que eu estivesse fuçando por todo canto. Depois ele não
sabia o que fazer e começou a apanhar os pedaços e ela
gritou a plenos pulmões cuidado com o vidro cuidado com o vidro
vai se cortar não, não vou ele diz vai sim ela diz e
Philip começa a ficar nervoso parado com uma mão cheia
de cacos de vidro. Eu dei um oinc. Que queria dizer na língua
de porco tome cuidado com o vidro Philip. A testa de Philip estava
molhada de suor e seus olhos estavam mais tristes do que assustados
agora. Acho que foram seus olhos me encarando com tanta tristeza o
que me fez levantar e dizer que estava muito divertido mas que precisava
ir embora para o chiqueiro o que acha dona Nugent? Mas ela não
disse nada só ficou parada remexendo nos prendedores de roupa
e dizendo por favor pare com isso por favor! Certo por agora dona
Nooge eu disse e saltitei pela rua, vou deixar para outro dia eu disse
e deixei.
E a razão por que fiz aquilo foi que comecei a pensar já
de volta à casa por que estou me preocupando com os olhos tristes
de Philip Nugent? Talvez eu tenha até imaginado, talvez ele
estivesse até fingindo. Quanto mais pensava sobre aquilo mais
eu dizia sim está certo ele estava só fingindo. Philip
Nugent, eu disse para mim mesmo, você é um diabinho danado,
como dizem nos quadrinhos. Aquele astuto Philip Nugent! Por isso uns
dois dias depois voltei, só que dessa vez me certifiquei de
que ninguém estava em casa. Esperei até ver o carro
descer o beco sabia que iam visitar Buttsy nas montanhas.
Entrei pela janela dos fundos oi Francie bem-vindo aos Nugent!
Oi para ninguém eu respondi.
Tã tã tã! Bem-vindo aos Nugent seu Francie Brady!
Muito obrigado agradeci, muitíssimo obrigado. É com
imenso prazer que estou aqui parado neste piso de cerâmica preto
e branco da copa, dona Nugent. De nada Francie o prazer é todo
nosso de recebê-lo. Agora vamos apresentá-lo a todos.
Este é meu marido e este é meu filho Philip mas claro
que ele você já conhece. Claro que não havia razão
nenhuma para dona Nugent dizer aquilo porque em vez disso ela pegaria
o telefone na hora para chamar o sargento, mas é claro que
não ia fazer isso porque estava nas montanhas bebendo suas
xícaras de chá com o irmão Buttsy de cabelos
cor de abóbora numa casinha que fedia a feno queimado e bosta
de cavalo. Mas a dos Nugent não cheirava assim. Não
senhor. Tinha um aroma fresco de pão assado, era assim que
cheirava. Pão acabado de sair do forno naquele minuto. Fui
procurar o pão mas não o achava em lugar nenhum. Acho
que era apenas o cheiro de pão assado em outros tempos que
ficou no ar e ela não tinha assado pão coisa nenhuma.
Não importa. Sniff sniff. Cera também. Em todo lugar.
Dona Nugent encerava tudo até espelhar. A mesa da cozinha,
o chão. Qualquer lugar que você olhasse lá estava
sua cara espelhada. Tinha-se de tirar o chapéu para dona Nugent
quando o negócio era encerar. Moscas? Não, não
na casa de dona Nugent! E se houvesse bolos, estes estavam trancados
a chave e cadeado onde o seu Mosca e seus comparsas não botavam
a asa. Dava para vê-los dentro da cristaleira embaixo de cúpulas
de plástico e havia um pedestal de três pratos com bolos
rosados e metade de um bolo de aniversário. As moscas devem
ter ficado malucas -olhando para os bolos lindos e sem poder chegar
perto. Eu mesmo sabia como elas devem ter se sentido. Poderia abrir
a tampa mas não queria estragar a aparência deles. Estavam
tão bonitos lá dentro. Aposto que foi ela mesma quem
assou. Havia uma foto na parede de dona Nugent deitada na grama num
parque em algum lugar. O que me veio à cabeça era que
nunca pensei que dona Nugent tivesse sido jovem um dia tão
jovem quanto eu. Por muito tempo pensei que ela tinha nascido da mesma
idade que era agora mas é claro que isso era idiotice. Naquela
foto ela tinha uns cinco anos de idade. Estava deitada com um vão
enorme entre os dentes e sardas no rosto como Buttsy. Hi hi ela dizia
para a lente da câmera. A boazinha dona Bebê Nooge eu
pensei. Há quantos anos foi isso eu me perguntei. Podia ser
uns cem anos pelo que eu sabia. A pasta do seu Nugent estava encostada
num canto e seu casado de tweed pendurado atrás da porta. Peguei
umas fatias de pão com geléia e me sentei em frente
à televisão. Estava passando Viagem ao fundo do Mar,
o almirante Nelson e seu pessoal do submarino lutando contra um polvo
gigante escondido dentro de uma caverna onde o submarino não
podia entrar. Ele era um filho da puta esperto mandando os seus tentáculos
enrolados com os sugadores nas pontas empurrando o submarino para
as rochas de cabeça para baixo e tudo. Tudo o que se via eram
os dois olhos gigantes brilhando na escuridão da caverna como
se dissesse Agora vocês não escapam seus homens da marinha
espertos, vamos ver se vocês conseguem sair dessa. Mergulhe!
Mergulhe! gritava o almirante no microfone mas ele não mergulhava.
A música estava enlouquecendo. Mate o filho da mãe!
eu gritei, estava ficando excitado também, mande um arpão
isso o fará se calar! mas o almirante não era tão
babaca como o polvo pensou que fosse. Acelerar todos os sistemas!
e o que acontece depois é que um monte de coisas começa
a atingir o polvo bem no meio dos olhos bum e os guinchos do danado!
Pop pop os dois olhos pulam como luzes de holofote e os tentáculos
se balançando como elástico mole e o submarino sobe
para a superfície com todos a bordo gritando viva e o almirante
limpando o suor do rosto e sorrindo OK todo mundo já chega
agora de volta ao trabalho. E bip bip lá vai o eco da sonda
e lá vão eles felizes da vida e de volta ao normal.
Viva o almirante, eu disse, deu um jeito no danado do polvo. E deu
mesmo, o polvo ficou estatelado no chão da caverna como uma
almofada estourada e levaria muito tempo pra que ele viesse a mostrar
seus tentáculos de novo. Fiz chá e enchi uma caneca
e peguei mais uma fatia de pão com geléia para celebrar.
Era difícil achar coisa melhor do que ficar sentado ali comendo
e me divertindo. Estava um dia lindo lá fora. Havia algumas
nuvens pequenas espalhadas pelo céu que não ligavam
se não fossem a lugar nenhum. Os pássaros, a maioria
gralhas, pendurados no parapeito da janela dos Nugent para ver o que
podiam espiar. Bem bem olhe quem está ali Francie Brady. Não
devia estar ali. Ei gralhas eu disse vão se foder e isso as
mandou embora. Isso é que é vida eu disse Será
que temos um pouco de queijo ou picles. Mas é claro -lá
estava o pote marrom na geladeira! E que delícia que era! Perfeito!
Pode ficar certo de que vou me hospedar no Hotel Nugent na minha próxima
parada nesta cidade.
Dona
Nugent estava em pé na minha frente. Sim, Philip, ela respondeu.
Sei disso. Já sei disso há muito tempo.
Depois devagar ela desabotoou sua blusa e tirou um peito para fora.
E disse: Aqui pra você Francis.
Pôs sua mão firmemente na minha nuca e pressionou minha
cara para a frente. Philip ainda estava no pé da cama sorrindo.
Eu gritei: "Mamãe! Não é verdade!"
Dona Nugent sacudiu a cabeça e disse: "Desculpe Francis,
mas é muito tarde para tudo isso agora. Devia ter pensado
nisso quando decidiu vir morar conosco!"
Pensei que ia ser estrangulado pela carne gorda e morna.
"Não!"
Afastei-me e tentei atingir Nugent num lado de seu rosto.
Subi na penteadeira e o espelho se partiu em pedaços. Dona
Nugent cambaleou para trás com seu seio pendurado para fora.
E agora Philip eu disse e ri. Philip mudou de tom e agora era o
"por favor Francie" de sempre. Perguntei: Está
falando comigo seu Porco?
Como ele não me respondeu eu falei de novo: Não está
me ouvindo Philip Porco? Hum?
Ele torcia os dedos e sua mãe também.
Ou talvez não saiba que é um porco. É isso?
Bem, então, vou ter de ensinar. E vou fazer com que não
esqueça tão rapidamente dessa vez. Você também
dona Nugent! Venham aqui! Venham venham e nada de desculpas. Isso
foi divertido, eu disse era como o professor na escola. Certo hoje
vamos aprender a virar porcos. Quero que todos vocês estiquem
a cara para a frente franzindo os narizes como porquinhos. Muito
bom Philip. Achei um batom numa das gavetas e escrevi em letras
grandes no papel de parede "Philip é um porco".
Agora, eu disse, que tal isso? Muito bom Francie, disse Philip.
E agora a senhora dona Nugent. Acho que a senhora não está
se esforçando o suficiente. De quatro agora e não
relaxe. Assim dona Nugent ficou de quatro e parecia a melhor porca
no chiqueiro inteiro com sua bunda rosada esticada para o ar. Dona
Nugent, eu disse, maravilhado, isso é fantástico!
Obrigada Francie, disse dona Nugent. Então esta era a escola
para porcos. Avisei-os que não queria mais vê-los caminhando
retos e se os pegassem iam se ver comigo. Está compreendendo
Philip? Estou, ele respondeu. E você também dona Nugent.
É sua responsabilidade de porca fazer com que Philip se comporte
como um bom porco. Estou deixando nas suas mãos. Ela concordou.
Assim fizemos o exercício uma vez mais e os fiz repetir depois
de mim. Sou um pouco, disse Philip. Sou uma porca, disse dona Nooge.
Vamos recapitular então, eu disse. O que os porcos comem?
Comem nozes emporcalhadas, disse Philip. Sim, muito bem, eu disse,
mas o que mais fazem? Correm pelo chiqueiro, Philip falou. Sim,
claro que fazem isso, mas o que mais? Fiquei jogando o batom para
cima na palma da minha mão. Alguém atrás sabe?
Sim dona Nugent? Eles nos dão bacon! Sim isso é verdade,
mas não é a resposta que eu quero. Esperei um bom
tempo, mas parecia que a resposta não ia aparecer. Não,
eu disse, a resposta que estou procurando é _"eles cagam!
Sim, porcos estão sempre cagando pelo chiqueiro inteiro,
partem o coração do dono do sítio. Querem convencer-nos
de que os porcos são os animais mais limpos que existem.
Não acreditem numa palavra do que dizem. Perguntem a qualquer
criador de porco! Sim, porcos são animais que cagam, desculpe
dizer, mas eles simplesmente enchem o lugar de merda, não
importa o que você faça. Então, quem vai ser
o melhor porco da escola dos porcos e demonstrar o que estamos falando,
hum? Vamos, vamos, algum voluntário? Ah, não, com
certeza podem fazer melhor do que isso!
Que decepção, ninguém! Bom, então, infelizmente
vou ter de escolher o voluntário eu mesmo. Vamos, Philip,
venha aqui e mostre para a classe. Isso é que é aluno.
Muito bem Philip. Agora observem com atenção todo
mundo. Philip ficou vermelho como tomate e enrugou a cara quando
começou a se esforçar. Agora, classe! Como se chama
alguém que faz uma coisa dessas? Não é um menino
de jeito nenhum -é porco! Repitam comigo! Vamos! Porco! Porco!
Porco!
Muito bom. Vamos Philip, você pode fazer um pouco mais de
força!
O que acha dona Nugent? Philip não é um exemplo?
No começo, dona Nugent ficou acanhada com o que ele estava
fazendo, mas quando viu o esforço dele ela disse que tinha
orgulho. E era para ter mesmo, eu disse. Vamos Philip, força,
força!
E ele usou toda a sua força e lá estava orgulhoso,
ereto no meio do carpete do quarto, o melhor cagalhão já
visto.
Era um daqueles grandes, em forma de submarino, espetado nas pontas,
assim, quando o cu não fecha de repente, cheio de passas
com um ponto de interrogação de vapor subindo no ar.
Muito bem, Philip, eu gritei, você fez! Dei um tapinha nas
suas costas e ficamos ao redor admirando o resultado. Era como um
foguete que tinha acabado de chegar do espaço e estávamos
esperando que os pequenos astronautas marrons abrissem a porta do
lado e saíssem acenando. Philip, eu disse, meus parabéns!
Estava feliz da vida com o desempenho de Philip. Não acreditei
que ele ia conseguir. Philip estava cheio de orgulho também.
Virei-me para a classe. Meninos, eu perguntei, quem é o melhor
porco na escola inteira? Podem me dizer? Philip, eles gritaram todos
sem um momento de hesitação. Viva, Viva! As palmas
da classe quase levantaram o telhado. Vamos com calma, eu disse.
Agora é a vez de dona Nugent nos mostrar como é o
seu desempenho. Será que consegue produzir uma merda tão
boa quanto Philip? Logo vamos descobrir! Está pronta dona
Nugent? Estava esperando que ela dissesse: sim, Francis, é
claro que estou, e depois levantasse a sua camisola e se acocorasse
enrugando a cara ficando roxa tentando fazer melhor do que Philip,
mas sinto muito, não foi assim que aconteceu, de jeito nenhum.
Dona Nugent estava ali sim, mas não de camisola. Estava de
vestido e carregando uma sacola cheia de coisas que trouxe de Buttsy.
Sua boca se arregalou e estava chorando de novo, apontando para
o espelho quebrado e as letras na lousa, quer dizer, na parede.
Olhei para Philip. Ele estava branco como um fantasma. Também,
o que estava errado com ele agora? não recebeu o prêmio
de melhor cocô de porco? o que mais queria? Mas seu Nugent
disse que agora a coisa era com ele. "Vou dar um jeito nele!",
ele disse, como no comercial para tabaco. Philip e dona Nugent desceram
e ficamos só eu e ele. Ele era bonitão, seu Nugent,
isso você tinha de admitir. Seus cabelos penteados para trás,
sua testa alta era protuberante e ele tinha retalhos de couro no
cotovelo da jaqueta. Usava um button da ordem de pioneiro também
_era um emblema de metal do Sagrado Coração e queria
dizer: "Nunca bebi uma gota na minha vida e jamais vou beber!"
Ele me encarou olhos nos olhos e não piscou uma vez. Nem
mesmo levantou a voz. Ele disse: Dessa vez você não
escapará sem punição! Dessa vez vou fazer com
que seja mandado para onde merece. E vai limpar "isso"
antes de ir embora daqui com a polícia, e as paredes também,
porque minha mulher não vai limpá-las. Você
já lhe deu bastante aflição. Bem, está
certo seu Nugent, eu pensei. Como é que eu podia tomar conta
direito da escola de porcos com aquele tipo de interrupção?
Hum? Isso é o que quero saber, eu disse. Mas não para
seu Nooge, foi para mim mesmo. O que eu disse foi: Diga-me, seu
Nugent, como vai Buttsy? Ele não respondeu; por isso continuei
a falar sobre todo tipo de coisa. Estava parado com as costas para
a porta para o caso de eu tentar fugir. Mas não estava com
vontade de correr para lugar nenhum. O vale tinha esfriado e a nuvem
de vapor tinha desaparecido. Estava pensando nos pequenos astronautas
aparecendo na porta saudando com um sorriso no rosto, se apresentando
para o trabalho "comandante" quando um golpe me atingiu
no lado da minha cara e lá estava o sargento, de pé,
esfregando seus dedos e dizendo: "Não faça, não
faça! Ou vai se arrepender. Não faça, não
faça o que ele estava falando, não faça? Vai
limpar tudo, ele resmungou, pode ter certeza. Claro que vou limpar
tudo, se era o que queria não sei por que estava ficando
todo esquentado e nervoso. Levei o cagalhão para o quintal
num pedaço de jornal e espalhei-o com um graveto atrás
das urtigas. Assoviava. Se houvesse um astronauta lá dentro,
ele já era. Dona Nugent ainda estava chorando quando fui
embora, mas seu Nooge a abraçou e a levou para dentro. Quando
os filmes mudos terminam, às vezes aparece uma mão,
não sei de onde e segura uma placa escrita Fim. Assim foi
quando o carro partiu. A casa dos Nooge na frente e a não
pendurada com a placa na maçaneta enquanto vrumm vrumm, nós
íamos embora.
Assim foi o fim dos Nugent, por hora, pelo menos.
O sargento não parava de falar sobre mamãe no banco
da frente do carro e como ele a tinha cortejado anos atrás,
quando ela era uma das moças mais bonitas da cidade e se
não fosse pelo tipo com quem foi se envolver. Graças
a Deus ela não está mais nesse mundo para ver isso,
ele disse.
Não, eu disse, ela está no fundo do lago, e fui eu
que a joguei lá.
Por Deus, se você fosse meu filho eu quebraria cada osso de
seu corpo, ele disse. Depois limpou a boca e resmungou: Não
que você pudesse ser diferente.
Passamos pelo convento. Havia alguns meninos da escola chutando
a bola contra a parede. Acenei para eles através da janela
e eles acenaram de volta por um minuto até notarem quem era.
Então o que fizeram: seguraram a bola como seu eu fosse roubá-la.
Acenei de novo, mas fingiram que não me viram. Não
estavam tão empolgados comigo...
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CASSIANO ELEK MACHADO
da Redação
Imagine
Branca de Neve brincando com os sete anões no meio de um
bosque. Corte para Dunga. De trás de uma árvore frondosa,
o anão faceiro tira um tacape cheio de espinhos. Sem parar
de saltitar, ele se aproxima da donzela nevada e crava o bastão
de madeira em sua cabeça.
''Nó na Garganta'', romance de Patrick McCabe que a Geração
Editorial lança este mês em São Paulo, não
é grotesco como a cena descrita. A obra premiada do escritor
irlandês não se passa em um bosque nem reúne
anões no elenco.
Mas o efeito do texto contundente de McCabe é parecido.
''Nó na Garganta'', que no original se chama ''The Butcher
Boy'' -algo como ''O Garoto Açougueiro''-, é livro
que descasca horror de um conto de fadas _ou vice-versa.
Francie Brady era um garoto que gostava de cutucar o gelo que se
formava em uma poça na rua, que admirava John Wayne e gibis
de heróis.
Mas, em poucos lances, tudo o que era sólido para Brady se
desmanchou no ar.
A mãe enlouqueceu e se matou, o pai se afundou em sua viagem
submarina pelo álcool e seu melhor amigo se afastou.
É o próprio Francie Brady quem conta, de dentro de
um hospício, com algumas décadas nas costas, sua história
em ''Nó na Garganta''.
E o personagem/narrador não tem amarras na goela, como pode
sugerir o título em português -criado para o filme
que Neil ''Traídos Pelo Desejo'' Jordan está finalizando
baseado no livro.
Pelo contrário. As 242 páginas do livro são
um jorro contínuo de texto. Quase não há capítulos,
parágrafos e sinais de pontuação -em especial,
vírgulas.
A viagem de Francie Brady ao coração da escuridão
começa de maneira prosaica. Contente com a vida simbiótica
que levava ao lado do melhor, super, extra amigo Joe Purcell, Brady
assiste à professora anunciar um novo coleguinha na classe.
Diretamente de uma escola particular de Londres, chegava com blazer
de brasão dourado no bolso, boné azul-marinho, broche
e meias cinzas Philip Nugent.
Seria o pimpolho uma ameaça de democratização
das relações Brady/Purcell?
Brady resolve invadir a casa do almofadinha -em sua ausência-
e sai com uma pilha de histórias em quadrinhos sem nenhuma
orelha nos cantos das páginas.
Carregando um furacão nas costas, a sra. Nugent encara a
sra. Brady e ataca com um dos únicos assuntos intoleráveis
para um irlandês. Ela compara os Brady aos porcos -velha ofensiva
dos ingleses e norte-americanos. A imagem dos suínos passa
a preencher cada neurônio saudável dos Brady.
Mamãe Porca, por exemplo, acaba sendo levada para a ''garagem''
-modo como Francie se referia aos manicômios- cantando a música
''Aprendiz de Carniceiro''.
Francie resolve fazer nova invasão na casa de Philip Nugent
(trechos reproduzidos acima) e simula uma explosiva ''aula para
porcos'' -mais tarde ele volta à casa para performance mais
contundente, incluindo humanos e pistola de abater porcos.
Abertas as porteiras do chiqueiro, Francie passa a se erguer e afundar
na lama. Passa por um internato em que é bolinado por um
dos padres. Sai da instituição e consegue emprego,
carregando carroça de lavagem para um açougueiro -e
matando porcos. Depois de uma rápida passagem por um manicômio,
ele parecia ''recuperado''. Até que ''Dunga'' crava o ''tacape''
em ''Branca de Neve'' -apenas para manter um pouco de suspense.
Depois do assassinato, Francie Brady volta a um manicômio.
Cercado de ''caipiras com bundas ossudas'', que ele tanto desprezara,
''Francis Bacon'' chega finalmente ao que procurava. Ao lado de
outro ''interno'', redescobre a alegria de cutucar o gelo com um
graveto e brincar de coisas como ''o que você faria se ganhasse
um milhão de bilhão de trilhão de dólares?''.
Ele encontrara o tempo perdido.
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