OS PÉS ENORMES DA SRA. CUNNINGHAM

Publicado na Folha da Noite, quinta-feira, 3 de março de 1938

Neste texto foi mantida a grafia original

A actriz que usa sapatos que parecem caixa de violino, e que por isso mesmo conseguiu excellente contrato em Hollywood

O grande drama da mulher não é o rosto. São os pés.

Toda mulher precisa ser bonita. Ás vezes, a belleza não ganha da sympathia; outras vezes, perde até de uma feiura moderada. Isto, porém, depende, em regra, do mau gosto de certos homens, e não exclue a necessidade de a mulher ser bella por natureza ou por artificio.

Quando a mulher não é bella por natureza, isto é, quando o seu rosto se priva de determinados requisitos de euritmio ou de conformação, ha mil e um recursos cosmeticos que possibilitam, até certo ponto, a melhoria da "fachada"; em ultimo caso, ha a cirurgia plastica, que quasi sempre acaba em desastre, mas que nunca deixa de alimentar o fogo de uma vaga esperança no coração das que nasceram para fazer a gente imaginar a existencia do terceiro sexo, isto é, do sexo que não interessa.

Quanto ao corpo, se este não é muito esculptural, uma pequena dóse de originalidades e de bom gosto póde fazer, a mulher tirar vantagem de certos defeitos, dando um cunho bem pessoal á figura.

No capitulo dos pés, porém, é que se declara a tragedia sem remedio. Não ha inspiração poetica que continue integra, em presença de pés femininos descommunaes. Para que um pé feminino seja descommunal não é preciso muita coisa. Bastam uns poucos centimetros. Ás vezes, em consequencia do uso generalizado da saia curta, ou quasi curta, a propria finura da perna é bastante para dar a impressão de que aquelles centimetros de excesso existem, mesmo quando o pé é normal, bem conformado e correcto. O contraste é que estraga tudo. E não ha recurso de salvação.

Nenhum cirurgião plastico tem a audacia de querer diminuir os pés de quem quer que seja.

Como na canção bem brasileira, que diz que "desgraça pouca é bobagem", tambem no capitulo dos pés grandes pouca é tolice. Um pé grande afeia. Um pé enorme, ao contrario, póde até dar sorte. Veja-se por exemplo o caso da actriz ingleza Cunningham. É dona dos maiores pés femininos da Inglaterra - do paiz onde a enormidade das extremidades inferiores do belo sexo constitui uma tradição indisputavel e indestructivel. Usa sapatos que parecem dois estojos de violino. Mas foi para Hollywood. Na metropole do cinema, logo se fez notar por ser a campeã do "pé maximo", do pé invencivel, do pé unico e insuperavel de todo o mundo de celluloide.

Greta Garbo, que, até antes do apparecimento de Cunningham, tinha a triste fama de ser a possuidora dos pés menos elegantes de Beverly Hills, foi derrotada. Talvez seja esta a unica derrota que uma mulher deve abençoar. Mas Cunningham abençoa a desgraça de ter pés tão grandes, porque sem essa infelicidade, não teria a sorte de ser contratada para a realização de filmes; ella, que nunca encontrou quem lhe propuzesse a fundação de uma familia, encontrou, de outro lado, a porta aberta para a creação de ficções cinematographicas. E seus pés, que seriam uma tragedia sem Hollywood, agora são uma... gloria.



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