AS CARTAS AMOROSAS DE NAPOLEÃO A JOSEPHINA
|
Publicado
na Folha da Manhã, quarta-feira, 3 de abril de 1935
|
|
Neste texto foi mantida a grafia original
|
24
floreal - anno IV (13-5-1796). |
É então verdade que vaes ser mãe. Murat escreveu-me,
mas disse-me que isso te deixou doente e que elle não acha
prudente empreenderes tão longa viagem. Ficarei, assim, privado
ainda da felicidade de te apertar nos meus braços! Durante
ainda muitos mezes, continuarei longe de tudo quanto eu amo! Será
possivel que eu não tenha a ventura de te ver durante esse
tempo todo? O teu estado deve tornar-te tão interessante! Escreves-me
que mudaste muito. Tua carta é curta, triste, e a letra, tremula.
Que tens, minha adoravel amiga? Que te póde inquietar? Ah!
Não continues no campo; fica na cidade, procura diversões
e crê que não ha tormento maior para a minha alma do
que o de pensar que estás soffrendo e estás triste.
Eu pensava ser ciumento, mas juro-te que não é nada.
Para não te ver melancolica, creio que eu proprio te daria
um amante. Fica, pois, alegre e contente e não te esqueças
de que a minha felicidade depende da tua. Se Josephina não
é feliz, se entrega a sua alma à tristeza, ao desanimo,
é porque não me ama. Vaes dar logo à vida um
outro sêr, que te amará tanto quanto a mim. Não;
isso não é possivel, mas que te amará tanto quanto
eu. Teus filhos e eu estaremos sempre ao teu lado, para te convencer
do nosso desvelo e do nosso amor.
Como me deixou triste a tua carta de 18, que o correio me trouxe!
Não serás feliz, minha querida Josephina? Faltar-te-á
alguma cousa para tua satisfação? Espero Murat com impaciencia,
para poder conhecer, em todos os detalhes, o que fazes, o que dizes,
as pessoas que vês, os habitos que tens. Tudo o que se refere
à minha adoravel amiga o meu coração precisa
conhecer.
Vae tudo bem por aqui, mas o meu coração está
tão inquieto que não se contém. Estás
doente, longe de mim. Sê alegre e toma bastante cuidado comtigo,
que vales, para o meu coração, mais do que o universo.
"Helas!" a idéa de que estás doente entristece-me
devéras.
Peço-te, minha amiga, fazer saber a Fréron que o desejo
de minha familia não é o de que elle se case com minha
irmã, e que eu estou resolvido a tomar qualquer attitude para
impedil-o. Peço-te dizer isto a meu irmão.
|
MILÃO,
29 floreal - anno IV (19-5-1796). |
Não sei por que, desde esta manhã, estou mais contente.
Tenho um presentimento de que partiste para cá. Essa idéa
enche-me de alegria. Se passares pelo Piemonte, o caminho é
muito melhor e mais curto. Virás a Milão, onde ficarás
muito contente, porque esta região é muito bonita. Quanto
a mim, isso me fará tão feliz que sou capaz de enlouquecer.
Estou ansioso por ver como trazes as crianças. Deves ter um
ar majestoso e respeitavel, sem duvida muito gracioso. Toma cuidado
para que não fiques doente. Não, minha boa amiga, virás
para aqui e passarás muito bem. Terás uma criancinha
linda como a mãe e que te amará como o pae; e, quando
fores velha, quando tiveres cem annos, ella será o teu consolo
e a tua felicidade. Mas, de agora até que ella chegue, não
ames senão a mim. Começo, já, a ter ciumes.
Adeus, "mio dolce amor"; adeus, "la bien-aimée".
Vem logo ouvir a linda musica e ver a bella Italia. Só lhe
falta que a vejas. Tu a embellezarás aos meus olhos, porque
tu sabes que, quando a minha Josephina está em qualquer lugar,
não vejo senão a ella.
|
TORTONE,
26 prairial - anno IV (14-6-1796). |
Esperava-te, minha cara Josephina, desde 18 e pensava que chegasse
a Milão. Mal sahi do campo de batalha, em Borghetto, corri
para te buscar, mas não te encontrei! Alguns dias depois, um
correio me informava que não havias partido, e não me
trazia nenhuma carta tua. Minha alma ficou despedaçada de dor.
Julgo-me abandonado por tudo o que me interessa na terra. Nunca senti
o desanimo. Cheio de dor, escrevi-te e talvez tenha sido rude demais.
Se as minhas cartas te affligiram, ficarei inconsolavel... Devido
à inundação do Tessin, fui para Tortone, afim
de te esperar. Todos os dias, aguardava inutilmente a tua chegada.
Emfim, ha quatro horas, ainda lá estava, quando chegou a carta
que me trouxe a noticia de que não vinhas mais. Um instante
depois, eu não ousaria manifestar-te a minha profunda inquietação,
ao saber que estás doente, que ha tres medicos à tua
cabeceira, que estás em perigo e que é por isso que
não me escreves. Depois disso, fiquei num estado que não
se póde descrever! É preciso ter o meu coração,
amar-te como eu te amo. Ah! Eu não acreditava que fosse possivel
experimentar taes soffrimentos, tormentos tão intensos. Eu
julgava que a dôr fosse limitada e circumscripta, mas ella não
tem limites na minha alma. Uma febre abrazadora circula ainda nas
minhas veias, mas o desespero está no meu coração.
Soffres, e eu estou longe de ti. "Helas!" talvez nem vivas
mais! Embora ache a vida desprezivel, a minha triste razão
faz-me acreditar que não te encontrarei depois da morte, e
não posso habituar-me à idéa de não tornar
a ver-te. No dia em que eu souber que Josephina não existe
mais, terei deixado de viver. Nenhum dever, nenhum titulo, nada me
prenderá mais à terra. Os homens são tão
abominaveis! Só tu apagas aos meus olhos a vergonha da natureza
humana.
Todas as paixões me atormentam, todos os presentimentos me
affligem. Nada me arranca à dolorosa solidão e às
serpentes que me dilaceram a alma.
Tenho necessidade agora de que me perdôe as cartas loucas, insensatas,
que te escrevi. Se estiveres bôa verás que foi o amor
ardente que tenho por ti que me desorientou. Preciso convencer-me
de que não estás em perigo. Minha amiga, faze tudo pela
tua saude; sacrifica tudo ao teu repouso. És delicada, fraca
e doente, e a estação é quente, a viagem, longa.
Peço-te de joelhos: não exponhas uma vida tão
cara. Por mais curta que seja a existencia, tres mezes passarão...
tres mezes ainda sem nos vermos!... Eu tremo, minha amiga, e não
tenho coragem de pensar no futuro. Tudo é horrivel e falta-me
a esperança, capaz de me acalmar. Não creio na immortalidade
da alma. Se morreres, morrerei logo depois, mas da morte do desespero,
do anniquilamento.
Murat veiu convencer-me de que a tua molestia não tem importancia.
Mas tu não escreves; ha um mez que não recebo as tuas
cartas. És fraca, sensivel e amas-me. Lutas entre a molestia
e os medicos, longe daquelles que te arrancaria aos teus males e mesmo
aos braços da morte... Se a tua doença continuar, consegue
uma permissão para que eu te vá ver um momento. Em cinco
dias estarei em Paris e no decimo-segundo me encontrarei de novo à
frente do meu exercito. Sem ti, não posso ser util no meu posto.
Embora aspire a gloria e queira servir a Patria, minha alma está
suffocada neste exilio e, quando a minha querida amiga está
doente e soffre, não posso friamente calcular a victoria. Não
sei que expressões empregar, nem que conducta adoptar: quero
deixar o meu posto e partir para Paris. Mas a honra me retém,
apesar de tudo. Por piedade, manda-me escrever. Preciso saber qual
é a tua molestia e o que ha a temer. Nosso destino é
terrivel. Mal nos casamos, mal nos unimos, já estamos separados!
As minhas lagrimas molham o teu retrato; só elle não
me deixa. Meu irmão não me escreve. Ah, sem duvida elle
não tem coragem de dizer-me a verdade, que me torturará
sem remedio.
Adeus, minha amiga. Como a vida é cruel e como os males que
se soffrem são horriveis! Recebe um milhão de beijos
e acredita que ninguem igualará o meu amor, que durará
toda a minha vida. Pensa em mim e escreve-me duas vezes por dia. Arranca
logo de mim a dôr que me opprime. Vem, vem logo, mas toma cuidado
com a tua saude.
|
TORTONE,
27 prairial - anno IV (15-6-1796). |
Minha vida é um perpetuo pesadelo. Um presentimento funesto
não me deixa respirar. Não vivo mais. Perdi mais que
a vida, mais que a felicidade, mais que o repouso: estou quasi sem
esperanças. Mando-te um correio. Elle não ficará
mais que quatro horas em Paris e logo me trará a tua resposta.
Escreve-me dez paginas; só isso poderá consolar-me um
pouco. Estás doente, amas-me, eu te aborreci, vaes ser mãe
e eu não te vejo. Todas estas idéas me perturbam. Commetti
tantas injustiças para comtigo que não sei como expiar
o meu erro. Accusei-te de ficar em Paris - e estavas doente. Perdoa-me,
minha boa amiga; o amor que me inspiraste offuscou-me a razão
e eu não a encontrarei mais. Não ha cura para esse mal.
Meus presentimentos são tão funestos que eu me contentaria
de te ver, de te apertar, durante duas horas, de encontro ao meu peito,
e de morrer logo depois.
Quem tem tratado de ti? Supponho que mandastes chamar Hortencia. Quero
mil vezes mais a essa boa creança, depois que penso que ella
poderá consolar-te um pouco. Quanto a mim, nada de consolo,
nada de repouso, nada de esperança, até que volte o
correio que te mando e até que, numa longa carta, me contes
o que é a tua molestia e até que ponto ella deve ser
(palavra illegivel). Se fôr perigosa, aviso-te, partirei immediatamente
para Paris. Minha chegada vencerá a molestia. Sempre fui feliz.
Jamais o destino resistiu à minha vontade, mas hoje fui attingido
naquillo que só diz respeito a mim proprio.
Josephina, como pódes ficar tanto tempo sem me escrever? Tua
ultima carta é de 3 deste mez. Ainda me afflige; tenho-a sempre
no bolso. Teu retrato e tuas cartas estão constantemente diante
dos meus olhos.
Nada posso fazer sem ti. Quasi não compreendo como vivi antes
de te conhecer. Ah! Josephina, se conhecesses o meu coração,
terias ficado desde 29 até 16 (de 18 de maio a 4 de junho)
sem partir? Terias acaso dado ouvidos a amigos perfidos, que talvez
queiram ver-te afastada de mim? Desconfio de todo o mundo, de todos
os que te rodeiam. Julgava que tivesses partido a (illegivel) e que
a 15 chegasses a Milão.
Josephina, se me amas, se acreditas que tudo depende da conservação
de tua saude, poupa-te. Não ouso aconselhar-te que não
empreendas viagem tão longa, neste tempo de calor, a menos
que estejas em condições de fazel-a. Faze-a, porém,
em pequenas etapas, escreve-me em todas as paradas e manda-me immediatamente
as tuas cartas.
Todos os meus pensamentos estão concentrados em tua alcova,
em teu leito, sobre o teu coração. Tua molestia é
só o que me preoccupa, dia e noite. Sem appetite, sem somno,
sem interesse pelas amizades, pela gloria, pela Patria, só
penso em ti; o resto do mundo não existe mais para mim, como
se tivesse desapparecido. Mantenho a honra, porque tambem a mantens;
a victoria, porque isso te agrada; sem o que deixaria tudo para lançar-me
aos teus pés.
Às vezes eu me digo: "Estou-me alarmando sem razão.
Ella já está curada, já partiu, talvez já
esteja em Lyão..." Vã idéa! Estás
em teu leito, cada vez mais bella, mais interessante, mais adoravel;
estás pallida e os teus olhos, languidos. Mas, quando estiveres
boa, se um de nós tiver de ficar doente, não deverei
ser eu? Mais robusto e mais corajoso supportarei a molestia mais facilmente.
O destino é cruel, entretanto; fere-me em ti.
Às vezes me consolo pensando que depende só do destino
o ficares doente, mas que não depende de ninguem obrigar-me
a te sobreviver.
Em tua carta, minha boa amiga, não se esqueças de me
dizer que estás convencida de que te amo muito mais do que
é possivel imaginar; que estás persuadida de que todos
os meus momentos te são consagrados; que jamais se passa uma
hora sem que eu pense em ti; que jamais me ocorre idéa de pensar
noutra mulher; que todas as mulheres, a meus olhos, não têm
graça, nem belleza, nem espirito; que tu, só tu, inteira,
como tu és, pódes agradar-me e absorver todas as faculdades
da minha alma; que dominaste todo o meu pensamento; que meu coração
não tem um pedaço que não conheças, um
pensamento que não te seja dedicado; que as minhas forças,
os meus braços, o meu espirito são todos teus; que a
minha alma está no teu corpo e que o dia em que deixares de
ser o que és ou em que deixares de viver será o da minha
morte; que a Natureza, que a terra não offerece belleza aos
meus olhos senão porque a habitas. Se não acreditas
nisso tudo, se não estás penetrada dessa idéa,
affliges-me, porque não me amas. Existe um fluido magnetico
entre as pessoas que se amam. Sabes bem que jamais eu poderia saber
da existencia de um teu amante, e menos ainda offerecer-te um. Despedaçar-lhe
o coração e vel-o seria para mim a mesma cousa; e, depois,
se eu pudesse espancar a tua pessoa sagrada... Mas não; eu
não o ousaria jamais. Desertaria, porém, de uma vida
em que o que existe de mais virtuoso me teria enganado. Tenho, comtudo,
a certeza do teu amor. As desgraças são as provas que
nos revelam mutuamente a força de nossa paixão. Uma
creança adoravel como a mãe verá a luz e poderá
passar muitos annos em teus braços. Desgraçado de mim!
Eu me contentaria com um dia.
Mil beijos nos olhos, nos labios... (palavra illegivel)
Estou preoccupado com a tua molestia. Sinto ainda uma febre que me
queima... Não retenhas Le Simple por mais de seis horas, e
que elle volte immediatamente para trazer-me a carta querida da minha
soberana.
Lembras-te daquelle sonho em que eu apparecia como sendo os teus sapatos,
os teus enfeites, e te fazia entrar, inteirinha, em meu coração?
Por que a Natureza não dispoz as cousas desse modo? Ha ainda
muita cousa por fazer.
|
©
Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos
reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização
escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.
|
|