ADEUS A CHACRINHA REÚNE 30 MIL NO RIO


Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 02 de julho de 1988

Cerca de 30 mil pessoas (estimativa da Polícia Militar) passaram pelo saguão principal da Câmara dos Vereadores, no centro do Rio, para participar do velório do apresentador de TV Abelardo Barbosa, o Chacrinha, 70, que morreu anteontem à noite de infarto do miocárdio e insuficiência respiratória (tinha câncer no pulmão). O enterro realizou-se às 16h no cemitério S. João Batista , Botafogo.

Trinta mil se despedem de Chacrinha

Da Sucursal do Rio

O apresentador Abelardo Barbosa, 70, o Chacrinha, foi enterrado ontem às 16h no cemitério São João Batista (Botafogo, zona sul do Rio). Chacrinha morreu às 23h30 de quinta-feira, em sua casa, na Barra da Tijuca, zona sul, de enfarte do miocárdio, insuficiência respiratória e carcinoma pulmonar - um tumor canceroso -, de acordo com seu atestado de óbito. O corpo foi velado desde às 5h de ontem no hall principal da Câmara dos Vereadores (centro da Cidade) de onde saiu às 15h10, sob aplausos de cerca de 5 mil pessoas.
De acordo com a estimativa da PM, cerca de 30 mil pessoas passaram pelo hall da Câmara para ver o corpo de Chacrinha. Um forte esquema de segurança foi montado na Câmara para impedir tumultos. Foram deslocados para o local 200 policiais militares, 80 agentes de segurança da Câmara e outros 60 da Rede Globo. O mesmo esquema foi mantido no cemitério, onde um cordão de isolamento formado por policiais do batalhão de choque da PM isolou o jazido 3.511 da família Barbosa, impedindo a aproximação da população.
Chacrinha foi enterrado segurando entre suas mãos um boné de marinheiro, como os que costumava usar durante seu programam de TV, tendo sobre o peito uma faixa do bicampeonato carioca obtido pelo Vasco da Gama, time pelo qual torcia, e ao lado a buzina que usava em seus programas. Sobre o caixão, foram colocadas as bandeiras do Vasco e da escola de samba Portela.
"Ele não sofreu nada, morreu como um passarinho", disse seu filho, José Aurélio Barbosa, o "Leleco", produtor de seu programa Chacrinha estava em casa conversando com um amigo, Jorge Ramalhete, quando começou a sentir fortes dores no peito. Ramalhete o carregou até seu quarto enquanto Florinda, mulher de Chacrinha, ligava para um pronto-socorro. "Eu o coloquei deitado na cama, mas ele sentia muitas dores e pediu para ficar sentado, quando o peguei para sentá-lo, ele morreu", contou Ramalhete, chorando.
"Por pouco ele não morreu como pretendia: no palco", disse o apresentador João Kleber, que há cerca de um mês vem dividindo o comando do programa com Chacrinha, Kleber contou que no sábado passado, quando Chacrinha gravou seu último programa - que vai ao ar hoje - lhe deu um abraço e um beijo ao final. "Foi engraçado aquilo. Ele já tinha se despedido e voltou ao palco para me abraçar. Parece até que sabia o que ia acontecer", disse.
Outra pessoa que participou do último programa do Chacrinha foi a atriz Dercy Gonçalves, 81. "Ele passou o programa inteiro me provocando para eu dizer um nome feio".
Também estiveram no velório de Chacrinha as chacretes que o acompanharam em seus programas, muitas chorando e afirmando que não continuariam no programa sem o apresentador. Entre as pessoas que estiveram na Câmara, o humorista Chico Anysio, o vice-presidente de operações da Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho -o Boni -, Clóvis Bornay, Wanderléia (que foi casada com um dos filhos de Chacrinha, José Renato, o Nonato), o empresário Marcos Lázaro, o presidente do Vasco - Antônio Soares Calçadas -, as atrizes Tôniia Carreiro, Betty Faria, Glória Menezes, Tássia Camargo e Terezinha Sodré, a cantora Rosana e o escritor Dias Gomes.

Do bisturi à buzina tropicalista

Do Banco de Dados e Da Reportagem Local

Quando José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha, entrou na rádio Clube de Pernambuco, há 51 anos, convidado para uma palestra sobre o álcool e suas consequências, o Brasil perdia um médico e ganhava seu mais célebre palhaço. Foi uma bela troca para ambos. Nascido em Surubim, interior pernambucano, a 30 de setembro de 1917, Chacrinha começou a estudar medicina em 1936, tentando se livrar da palavra falência que sempre acompanhou seu pai comerciante.
Chacrinha, apesar dessa sucessivas crises financeiras na família, teve, porém, uma infância tranquila. De tanto montar "teatrinhos" quando pequeno acabou como vitrinista da loja do pai em Caruaru (PE), segunda parada da família antes de se estabelecer em Campina Grande, na Paraíba. Em Recife, ponto de chegada, Chacrinha prosseguiu seus estudos e todos os caminhos pareciam indicar a Faculdade de Medicina para o jovem Abelardo. Não pretendendo passar um ano inteiro no quartel, falsificou a data de nascimento na cédula de identidade e acabou ingressando no Tiro de Guerra.
Após esta experiência, foi tocar bateria. Dois anos depois de começar seus estudos de medicina, isto é, em 1938, caiu nas mãos de colegas já formados que o salvaram de uma apendicite supurada e gangrenada. Ainda convalescente da delicada cirurgia, ele, como percussionista do grupo Bando Acadêmico, viajou como músico no navio Bagé rumo à Europa, em 1939. Na volta desembarcou no porto do Rio de Janeiro, decidido a tentar a vida na então capital federal.
No Rio, Chacrinha começou sua coleção de empregos. Tentou ser locutor da rádio Vera Cruz e, posteriormente, da Tupi e da rádio Clube Fluminense, mas seu forte sotaque nordestino não combinava com a função de locutor comercial.
Insatisfeito com a programação da rádio Clube de Niterói, onde atuava, Abelardo Barbosa pediu à direção da emissora - que funcionava numa chácara próxima ao cassino de Icaraí - para fazer um programam de música carnavalesca tarde da noite. "O Rei Momo na Chacrinha" vingou e foi ao ar em 1942. A fama de "doido" estava consolidada e, após o carnaval daquele ano, o programa mudou de nome para "O Cassino da Chacrinha", assim mesmo, no feminino.
O programa era pouco convencional. Chacrinha simulava entrevistas com artistas famosos e recriava a atmosfera de um verdadeiro cassino com efeitos sonoros malucos que não dispensavam a colaboração de galos e outros bichos que existiam na chácara, o "Cassino da Chacrinha" ficou no rádio até 1955, quando o "velho guerreiro" foi batalhar na televisão, no caso a Tupi do Rio, onde apresentava seu programa "Rancho Alegre".
Quase todas as emissoras de televisão do Brasil tiveram o apresentador como contratado. Já em 1959 a "Discoteca do Chacrinha" era o programa mais popular da TV. O ex-futuro médico já se apresentava com as mais extravagantes fantasias. Em 1968, o péssimo humor dos censores não aprovava essas maluquices e Chacrinha chegou aos anos 70 seguido de perto por eles.
Adorado pelos adeptos do movimento Tropicalista, que então acontecia, Chacrinha continuava sendo um simples devoto de São Jorge e São Judas Tadeu, ignorando os longos ensaios de Edgar Morin, o francês que arranjou para Abelardo Barbosa o título de "comunicador". Em outubro do ano passado, Chacrinha recebeu título de "doutor honoris causa" da Faculdade da Cidade, no Rio. Seus 70 anos foram comemorados em setembro do ano passado com um jantar oferecido em sua homenagem pelo presidente Sarney.

Frases de Chacrinha:

"Eu vim pra confundir, não pra explicar."

"Na TV nada se cria, tudo se copia."

"Não sou psicanalista e nem analista. Sou vigarista."

"Alô Sarney, não perca de vista o pecuarista."

"A melhor lua pra se plantar mandioca é a lua-de-mel."

"Alô, Dona Maria, seu dinheiro vai dar cria."

"Honoris causa é a mesma coisa do que hors-concours."

"O mundo está em dicotomia convergente, mas vai mudar."

"Quem não se comunica, se trumbica."

"Teresinha, ú, ú..."


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