Nelson Ascher
Da equipe de articulistas
O termo
cosmopolita foi muito usado nas eleições municipais
da Hungria, em outubro do ano passado. "Cosmopolitas"
eram, para o Fórum Democrático Húngaro, os
membros da Associação dos Democratas Livres. O FDH
está no poder, mas perdeu a prefeitura de Budapeste para
seu rival. Por que seriam os membros da ADL chamados pejorativamente
de cosmopolitas? Naquela região do mundo o termo é
um sinônimo de judeu. E, de fato, há muitos judeus
na ADL, que representa a classe média urbana e de espírito
modernizante no país, ao contrário do FDH que ainda
acredita em seus próprios sonhos nacionalistas.
Húngaros e croatas, romenos e poloneses não só
manifestam qualquer resquício de má consciência
em face de seus compatriotas massacrados por serem judeus, como
ainda seguem sendo em boa parte anti-semitas. Segundo essa gente,
o cosmopolitismo judaico adviria do fato de os judeus das mais variadas
nacionalidades manterem vínculos preferenciais não
com seus compatriotas, mas com seus correligionários. Isso
nunca foi demonstrado. Contudo, a facilidade com que nacionalidades
que se odiavam uniram-se contra os judeus é um capítulo
irrefutável da história da Europa cristã.
Não é só naquelas bandas, porém, que
"cosmopolita" é um palavrão. Tão
logo deixou de ser internacionalista - se é que alguma vez
o foi - a esquerda adotou uma série de expressões,
por assim dizer, pouco rigorosas. Entre os "cosmopolitas"
da esquerda estiveram sempre os famigerados burgueses. A associação
entre burgueses e judeus implicada nesse uso do termo não
é meramente acidental. Os ecos de alguma conspiração
mundial também são exatamente inaudíveis.
E nós com isso? Simples. O interesse e a curiosidade pela
literatura, poesia e idéias do exterior nunca se encontraram,
neste país, num nível tão baixo quanto o de
hoje em dia. E isso porque, há um bom quarto de século,
uma parcela substancial da intelectualidade - justamente a camada
que mais deveria lutar pelo livre trânsito das idéias
- anatematizou o contato com coisas "de fora", chamando-o
antipatriótico, vendido ao imperialismo etc. O medo desse
anátema transparece claro na carreira de críticos
que, da juventude à maturidade, deixaram de falar em, por
exemplo, Thomas Mann, para se dedicarem a, digamos, Cruz Costa.
Ensaístas cujas primeiras coletâneas, misturavam textos
sobre temas e autores tanto nacionais quanto estrangeiros descobriram
então as delícias do provincianismo.
Talvez tenham lá sua razão: afinal, quem é
um reles brasileiro para falar sobre Dante, Shakespeare ou Goethe?
O medo do cosmopolitismo tem amesquinhado o pensamento crítico
brasileiro, enquanto o trabalho daqueles que constroem as pontes
necessárias entre a literatura nacional e estrangeira é,
na melhor das hipóteses, visto com maus olhos e, na pior,
abertamente vilipendiado. Bons eram os tempos quando os intelectuais
sentiam a necessidade de saber o que ocorria no mundo e traziam
informações frescas para seu público.
Há poucas décadas ainda, os homens de letras do país
liam avidamente a de então nova poesia inglesa ou nova poesia
inglesa ou prosa francesa. Liam, discutiam, opinavam e traduziam.
O que na época era a tarefa de toda uma camada tornou-se
hoje o trabalho quase maldito de alguns poucos. Como sempre, quem
perde é o leitor. Decorrência direta disso é
a falta absoluta de boas antologias da moderna poesia inglesa, americana,
espanhola, hispano-americana, francesa, alemã e italiana.
Fato tanto mais desconcertante quando se observa que cada uma dessas
línguas está representada no país por comunidades
cuja primeira missão seria justamente a divulgação
de suas culturas de origem. Em outras palavras, a intelectualidade
brasileira só poderia beneficiar de uma injeção
de neo-cosmopolitismo.
|