BANANAS
E PENAS COMPÕEM IMAGEM EXÓTICA
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Publicado
na Folha de S.Paulo, domingo, 02 de dezembro de 1990
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Havia duas Josephine Baker no navio que trazia, em 1929, "a mulher
mais famosa do mundo" de sua turnê pela América
do Sul para a Europa. Pelo menos durante um baile à fantasia
dos mais modernistas. Uma delas era a própria; a outra era
na verdade um brilhante arquiteto e admirador, pintado de preto e
fantasiado com uma tanga de penas: Le Corbusier. Os dois se conheceram
durante a travessia. Coloram um no outro, Phyllis Rose diz em sua
biografia de Josephine que talvez tenham sido amantes. Talvez. É
o que todo mundo suspeita. E a biografia não se esforça
para esclarecer. É um dado "menor".
Foi com essa imagem exótica da negra com tanga de penas ou
de bananas e mais nada que Josephine conquistou Paris, em 1925, com
o hoje antológico "Revue Nègre" (em seu livro,
Miss Rose explica ao leitor que o exotismo é menos perigoso
que o racismo). Tinha 19 anos. Tinha passado pela Broadway com suas
caretas de olhos vesgos e penado desde criança nas mãos
de uma mãe pobre, negra e implacável, antes de se infiltrar
pouco a pouco no mundo do espetáculo. Teve uma infância
digna de um romance de Dickens, no sul dos Estados Unidos, em Saint
Louis, trabalhando como lavadeira na casa de senhoras caricaturalmente
perversas (uma delas chegou a lhe escaldar as mãos porque tinha
usado sabão em excesso). "A mãe era lavadeira,
a irmã era lavadeira, a tia que lhe dera o nome era lavadeira".
Não sobrava muito para Josephine, que acabou camareira da diva
negra Clara Smith, mas só até o momento em que a chamaram
para substituir uma corista que tinha faltado.
A pobre menina já se sacudia e rebolava como uma verdadeira
selvagem na Broadway quando a selecionaram para participar da "Revue
Nègre" em Paris. Foi a sorte (nunca conseguiu o mesmo
sucesso nos EUA). Já na noite de estréia, o teatro dos
Champs-Elysées (que tinha nada mais nada menos que Léger,
VanDongen, Jean Cocteau e Dorius Milhaud na platéia) veio abaixo
com a "dança selvagem" (plantas do pé no chão
e pernas arqueadas) daquele ser estranho, de borracha, pulando com
os seios de fora e uma tanguinha de penas (a de bananas foi usada
pela primeira vez no Folies-Begère, em 1926).
Alexander Calder não escapou ao facínio dessa "estranha
combinação de canguru, ciclista e metralhadora"
(na definição que se imagina bastante precisa de Miss
Rose). Voltou correndo para o seu ateliê parisiense e criou
uma de suas célebres esculturas de arame: "Josephine Baker".
E. E. Cummings também delirou com a personagem: um "pesadelo
alto, cheio de energia, incrivelmente ágil, que envesgava os
olhos e retorcia os membros de uma forma simplesmente fantástica".
Ela virou até marca de brilhantina: Bakerfix. O apelo exótico
chegou a levar os franceses a cogitarem nela para rainha de monumental
Exposição Colonial de 1931, até a opinião
pública intervir contra, lembrando que Josephine vinha de Saint-Louis-USA
e não de Dacar-Senegal.
Josephine colecionou, nesta ordem, amantes, animais de estimação
(chegou a ter 13 de raças e nacionalidades diferentes, que
encontrou abandonados), filhos (chegou a ter 11 de raças e
nacionalidades diferentes) e maridos. Teve também um carro
Voisin marrom ("para combinar com a sua pele") e estofado
de cobra. Chegou a passear por Paris com um leopardo (Chiquita) que,
de vez em quando, escapava dentro de um teatro quando ela insistia
em levá-lo para assistir a uma peça. Sua imagem de marketing,
ao menos até a guerra, foi o escândalo. Phyllis Rose
relata que, na década de 30, um tradicional pai de família
americano levou mulher e filha por engano para uma noite no Casino
de Paris, onde Josephine se apresentava. Teve que sair às pressas
no intervalo, carregando a tiracolo mulher e filha, que cinco décadas
mais tarde se tornaria primeira dama dos EUA ao lado de um caubói.
Era a pequena Nancy.
Durante a Ocupação alemã, Josephine se engajou
na Resistência francesa a pedido dos serviços secretos,
apesar de algumas desconfianças, sobretudo por causa de péssima
experiência que tinham passado, durante a Primeira Guerra, nas
mãos de uma outra atriz, a agente dupla Mata Hari. Acabou se
revelando uma exímia coletora de informações
em festas e consulados no sul da França, em Portugal, Espanha
e no norte da África. Informações que eram destinadas
a Londres. Quando terminou a guerra, recebeu a Medalha da Resistência.
Fiel a De Gaulle até a raiz do cabelo, Josephine foi apoiar
o presidente em praça pública quando estouraram as manifestações
estudantis de maio de 68. Em sua última apresentação,
em 75, o jornal "Libération" se vingaria, dizendo
que "os personagens mais reacionários de Paris tinham
se reunido para homenagear um vestígio do passado". (BeC)
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Atriz
atuou com Grande Otelo |
Da reportagem local
Josephine Baker esteve no Brasil pela primeira vez em 1929. Apresentou-se
no Teatro Casino, no Rio. Voltou em 52. Ficou amiga de Carlos Machado
e contracenou com Grande Otelo no show "Casamento de Preto",
onde cantava "Boneca de Piche" em português. Voltou
mais uma vez em 63 para uma temporada no Copacabana Palace. Apresentou-se
no Teatro Record, em São Paulo. Há quem diga que teve
um caso com João Saldanha. Esteve pela última vez no
Brasil em 71, no Rio, em Belo Horizonte e Porto Alegre. Acabou apareceu
no programa "Flávio Cavalcanti".
Nada disso está na biografia de Phyllis Rose. A biógrafa
dá ênfase à postura política de Josephine.
É uma opção, mas não precisava ser excludente.
Josephine passou boa parte de sua vida lutando contra o racismo e
a discriminação (participou da "Marcha sobre Washington",
em 63). Em Viena, na turnê européia que fez nos anos
30, foi recebida com manifestações contra seu espetáculo,
o fato de ser negra e de se apresentar seminua. Até os sinos
da igreja de São Paulo começaram a badalar no momento
de sua chegada para que as pessoas não saíssem de casa
e fossem "contaminadas pela simples visão" de Josephine.
Teve problemas também nos anos 50, quando foi mal atendida
no Stork Club de Nova York e acabou abrindo um processo por discriminação.
Quando, após a guerra, decidiu fazer de sua propriedade na
Dordonha, Les Milandes, um lar para crianças de todas as raças
e partes do mundo (chegou a adotar 11), pensava num ato simbólico
de integração racial. Acabou se endividando terrivelmente
- não hesitava, por exemplo, em colocar os nomes de suas vacas
em néon sobre suas cabeças - e perdendo a propriedade.
Chegou a passar grandes apertos. Várias personalidades contribuíram
para tirá-la do buraco, entre elas Grace de Mônaco e
Brigitte Bardot.
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