HÁ UM MUNDO ATRÁS DAS PRATELEIRAS DA BIBLIOTECA
MUNICIPAL DA CIDADE
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Publicado
na Folha da Noite, quinta-feira, 1º de dezembro de 1955
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Duzentos e noventa e três funcionarios são responsaveis
pela guarda, conservação e distribuição
de 250 mil volumes que constituem o acervo da Biblioteca Municipal
de São Paulo, consultado por milhares de pessoas mensalmente.
Essa casa de leitura não possui apenas a vida por todos conhecida,
que se desenvolve à frente das prateleiras, nas salas de leitura.
A organização, a rapidez, a perfeição
dos serviços constitui obra de quase três centenas de
servidores da Municipalidade, que desenvolvem suas atividades por
detrás das estantes.
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Organização |
A biblioteca é constituida das seguintes seções:
Tombamento, responsavel pela aquisição e registro das
obras; Belas-Artes, Raridades e Mapoteca; Microfilme; Seção
Circulante; Secretaria; Revistas e Jornais.
A segunda dessas seções é subdividida em serviços
praticamente autonomos. O serviço de Belas-Artes engloba urbanismo,
artes plasticas, musica, bailado, etc. Careceria esse serviço
de vida propria, dada sua natureza, exigindo grande capacidade de
trabalho e profundos conhecimentos por parte dos seus funcionarios.
O mesmo poder-se-ia dizer dos serviços de Raridades e de Mapoteca,
pois entre os três não existe a minima afinidade, uma
vez que são especialidades totalmente diversas.
O acervo da biblioteca, salvo a parte que diz respeito à arte
ou aos serviços de Microfilme, Mapoteca e Raridades, localiza-se
na chamada torre. Por ela transitam minusculos elevadores destinados
ao transporte de livros. E nos andares estão as amplas salas-deposito,
de onde saem e entram volumes a cada minuto.
Em torno da torre e dessas salas, desenvolve-se o serviço silencioso
de centenas de funcionarios, escondidos o dia inteiro entre os livros.
O consulente, após manusear os ficharios das salas de consulta,
preenche uma ficha, a qual é entregue a um dos fiscais. Essa
é a primeira operação do emprestimo de livros,
no recinto da biblioteca. O funcionario, a seguir, remete a ficha
para a torre de onde ela segue para o andar competente. Neste o livro
é procurado por outro funcionario e remetido para baixo, pela
torre, após o que é distribuido na sala de leitura.
Depois de o consulente utilizar-se da obra, a mesma é recolhida
e remetida para sua prateleira de origem.
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Rapidez |
Todas essas operações são realizadas com a maxima
rapidez, graças à mecanização de subida
e descida dos volumes, bem como ao aparelhamento de intercomunicação
que, se for o caso, entra em ação para apressar o serviço.
Por trás das prateleiras, ao redor da torre, as salas-deposito
são nichos baixos e tristes, meio escuros, onde homens nunca
vistos pelo publico percorrem quilometros e quilometros, durante o
mês, na busca e reposição de livros. Austeras
estantes de aço sustentam milhares de toneladas de saber. De
quando em vez, uma visita inesperada quebra a monotonia do serviço
dos funcionarios encarregados da guarda, entrega e recolhimento dos
volumes, que permanecem nas imensas salas durante todo o seu periodo
de serviço.
Em outras dependencias, 28 bibliotecarias cuidam da seleção,
catalogação e classificação dos volumes
das mais diversas especialidades. O numero de funcionarios empregados
no transito de livros é superior a uma centena, e a limpeza
do grande edificio está a cargo de 28 serviçais. Por
falta de aparelhamento adequado, no entanto, os livros não
podem ser preservados como deveriam. Há tempos, possui a biblioteca
uma caldeira destinada à desinfecção dos volumes.
Hoje esse serviço é feito quase que exclusivamente no
Serviço de Livros Raros, de forma rudimentar.
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Alheio
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Para o consulente, alheio ao mecanismo interno da casa de leitura,
é interessante saber que todas essas operações
são feitas e tem inicio no ato do pedido da obra desejada.
Ao entregar a ficha a um dos fiscais, o leitor faz funcionar o mecanismo
humano que trabalha por trás das prateleiras.
Esses funcionarios são os anonimos que saem em turnos diferentes
do edificio da biblioteca, misturando-se à população
flutuante de consulentes que entra e sai durante o dia todo.
Pelos corredores a que não têm acesso os leitores ferve
um mundo desconhecido, envolto em livros, pensando em livros, promovendo
a serie de operações complicadas que parecem simples
ao cidadão que apenas tem o trabalho de escolher a obra que
pretende ler, preencher uma ficha e aguardar calmamente a entrega
do volume, que é feita pelo fiscal.
A população desconhecida da biblioteca ama os livros.
Cuida-os carinhosamente, desdobra-se, pois o numero de bibliotecarias,
por exemplo, é pequeno, infimo mesmo, para atender ao gigantesco
movimento.
O carinho para com os livros é de todos os funcionarios. No
entanto, consulentes menos responsaveis, sem compreender ou mesmo
compreendendo o crime que praticam, chegam ao cumulo de destacar paginas
inteiras de livros, pois a fiscalização não pode
ser exercida a contento, nas salas de leitura, dado o reduzido numero
de funcionarios.
Uma das ultimas edições do "Tesouro da Juventude"
foi mutilada há não muito tempo. Levaram-lhe paginas
ilustradas que diziam respeito à II Grande Guerra. O fato foi
descoberto, mas não o autor. As paginas foram repostas graças
ao Serviço de Microfilmes, que as reproduziu de outro exemplar.
No entanto, não foi possivel uma reprodução identica
ao original, porquanto este era em cores.
Enquanto o consulente entra e sai, pede ou entrega livros, anota ou
lê fatos, um mundo invisivel se move por atrás das prateleiras
e das paredes silenciosas, a fim de atender a todos aqueles que, não
dispondo de certos livros, ocorrem à Biblioteca Municipal,
na luta eterna do homem pelo saber.
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