Catharina II
Prevalecia
no caracter de Catharina o genio autoritario. Mesmo em amor, sabendo
ser mulher, e uma mulher seductora, cheia de encantos e requintes,
ella manifestava essa indole. Catharina manejava o coração
com a cabeça e a vontade, mantendo em amor a inconstancia
cruel e glacial dos homens.
Para conquistar um coração que lhe apetecesse, a imperatriz
despendia milhões e usava de todo o artificio que a mulher
conhece para a posse do seu novo amor. E com o uso das duas forças,
ella seduzia facilmente a victima, entregando-se como mulher e possuindo
como homem.
No periodo da saciedade, ella se desvencilhava do amante pela fórma
que lhe parecia mais conveniente e rapida. Se preciso, ella o mandaria
matar.
Uma das suas victimas foi Mitrowitch, um magnifico soldado, que,
cheio de ardor e confiança se entrega ao amor venenoso da
caprichosa soberana.
Mitrowitch apaixonara-se pela imperatriz. E como uma paixão,
depois de satisfeito o seu capricho, podia trazer-lhe contrariedades,
Catharina mandou matal-o summariamente. Olhando para a morte com
a firmesa de um valente, Mitrowitch pronunciou, no derradeiro momento
da vida: - Não comprehendo. - Ao que a imperatriz respondeu
sorrindo, quando teve conhecimento da phrase: - Elle não
comprehendia que eu tenho cem paixões a viver e que elle
não possuia senão uma para dar-me.
Catharina da Russia foi uma grande libertina. Ao ponto de subjugar
a Russia inteira à sua vontade, ella reunia o prazer das
suas orgias intimas, as quaes, differindo das orgias de outras mulheres
poderosas, eram sempre feitas a dois, nos seus aposentos, e, embora
servisse iguarias raras e preciosissimas ao eleito, nenhum criado
apparecia, nenhum olhar estranho perturbava o colloquio regio. A
mesa que festejava as nupcias macabras da paixão maldita,
era milagrosamente servida, com os acepipes mais exquisitos. Ella,
offerecendo manjares ao querido, sorvia as palavras de amor que
elle lhe dizia, antegosando o beijo tão apetecido, olhando
o olhar que lhe queimava o espirito.
Catharina raramente tomava parte na refeição. Ella
se alimentava pouco e tinha horror ao vinho, pois, uma das suas
preoccupações era não ter nariz vermelho. Ao
prazer de comer, ella preferia o de ver os olhos do seu novo amor,
o de ver a alegria despreoccupada e feliz do homem que encarnava
o capricho amadurecido, que ella colhia em suas garras malvadas.
Aquelle capitulo significava a condemnação do heróe
amado. E, entretanto, cada eleito, ebrio de ventura, envaidecido
pela attenção que a poderosa mulher lhe concedia,
enlouquecido de paixão pela esplendida creatura que se lhe
entregava, exultava, no apogeu da felicidade, no deslumbramento
da gloria amorosa.
A rainha era uma mulher encantadora, quando seduzia. Ella tinha
toda a graça feminina, quando, a sós com o amado,
ella o cercava de pequenas attenções, sorrindo-lhe
à alegria, deixando-se colher, entregando-se à caricia
ardente do infeliz apaixonado.
O enamorado esquecia-se da imperatriz e possuia a mulher. E a imperatriz,
depois, volvendo à soberania da sua glacialidade estranhamente
perversa, eliminava o homem que a havia amado. Ella não suportava
que no seu reino existisse um homem que conhecesse os mysterios
da sua natureza. Quando a saciedade, soffreando-lhe o delirio apaixonado,
lhe illuminava a rasão, ella, rancorosamente procurava no
livro da perversidade que era o missal da sua alma, a sentença
que devia cahir sobre a cabeça do homem que ousara inspirar-lhe
amor.
No período da paixão, periodo que ás vezes
era mais longo, e outras vezes curtissimo, ella despendia sommas
fabulosas com os amantes.
Catharina era linda. Possuia a perfeição de traços
que lhe permittia ser sempre formosa. Falconnet fez um busto da
grande imperatriz, dando-lhe às linhas a excelsa belleza.
Diderot, que sabia pintar, fez-lhe igualmente o perfil. Em todos
os vestigios que ha no mundo, relembrando a existencia da famosa
esposa de Pedro III, ella apparece sob a fórma perfeita de
uma belleza esplendida. Em costume de homem, costume que usava quasi
sempre, ella era graciosissima, o que aliás, concorria para
o requinte da sua seducção sobre os homens, que a
comparavam a Diana entre as nymphas, perfurando as florestas com
as flexas recebidas de Jupiter, quando ella cercada pela côrte
corria em busca de caças, um dos seus prazeres favoritos.
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