O ESPIRITO DE BALZAC


A pretensa nobreza do creador de Engenia Grandet - Os seus aphorismas sobre politica, literatura e arte - A castidade como virtude essencial dos homens de letras

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 15 de maio de 1938

Neste texto foi mantida a grafia original

O espirito de Balzac é documentado por um collaborador de "Les nouvelles literaires", que refere algumas anedotas que se prendem à vida do grande escriptor. Conta-se que certa vez alguns interlocutores falando de sua pretensa nobreza lhe asseguraram que os Balzac d'Entraigues teimavam em não reconhecel-o por parente.
- "Tanto peor para elles", respondeu Balzac, seccamente.
Um admirador, um dia, se derramava em elogios a respeito de uma obra recente.
- "Ah, meu amigo", disse o romancista, "és mais feliz do que eu que a não escreveste!"
E, como ninguem tinha percebido a intenção de suas palavras, Balzac accrescentou:
- "Sim, és mais feliz do que eu, porque, a lêste e pódes elogial-a quanto quizeres, ao passo que eu não posso fazer a mesma cousa".
Balzac se ensimesmava tanto nas personagens das suas obras, que muitas vezes chegava a esquecer por ellas o mundo exterior. Em 1883, na vespera da publicação de "Eugenia Grandet", Jules Sandeau, encontrando-se com Balzac, lhe disse que a irmã passava muito mal de saude. Assim que acabou de lhe dar essas noticias, Jules Sandeau olhou Balzac, como a esperar alguma explosão de dôr. O grande romancista, porém, ouviu-o absôrto e exclamou:
- "Pobre de minha irmã... Tudo isso é muito triste..." E, depois de uma pausa: "E agora, meu caro amigo, falemos de Eugenia Grandet".
Aos seus amigos era frequente recommendar a castidade, como virtude indispensavel a quem deseja trabalhar. Um dia, encontrando-se com Dumas Filho sob as arcadas do Palais Royal, lhe disse: "Estive pensando em tudo quanto um homem perde numa noite de amor. Ó amigo, lembra-te sempre disto: não ha mulher nenhuma que valha a publicação de dois volumes por anno!". Era a mesma recommendação que, com outras palavras, costumava fazer a Gautier: "Só posso consentir que ames por meio de cartas, porque isso contribue para a formação do estylo".
Tambem sobre politica se poderia reunir um volume de interessantes aphorismos de Balzac. Este, por exemplo: "Entre Richelieu, Mazarino e Potemkim, que se enriqueceram assombrosamente no governo, e o virtuoso Robert Lindet, que não soube jamais tirar partido das posições a que subiu, nem dos bens nacionaes que he passaram pelas mãos, ou os virtuosos imbecis que apressaram a ruina de Luiz XVI, ninguem hesitaria na escolha".

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