PEDRO O LOUCO ENTRA NUMA FRIA


Publicado na Folhinha, terça-feira, 4 de abril de 1993

Marcelo Paiva

Era quente pra danar. Calor, calor e calor. O único momento em que dava pra respirar, fazer um descanso, era debaixo das árvores, chupando sorvete. Seu Henrique vendia sorvete adoidado. Ainda bem que ele era generoso, gente boa, e vendia sorvete fiado. Só cobrava no começo do mês, quando os pais recebiam o salário, e a molecada ganhava as mesadas.
Mesmo assim, seu Henrique fazia umas contas malucas, sempre cobrando menos do que a molecada devia. O curioso é que, quando o pai de um perdia o emprego, seu Henrique perdia o bloquinho que anotava as contas do moleque, e não cobrava nada.
Mas um dia, seu Henrique teve que viajar, para comprar uma máquina que deixaria o sorvete mais barato ainda. Ele deixou seu filho, Pedro o Louco, moleque barrigudo e cheio de panca, vendendo os sorvetes. Pra quê.
O cara dobrou o preço, não vendia mais fiado, e ainda batia em quem não pagasse as dívidas antigas; diziam que Pedro o Louco queria roubar o pai para montar sua própria sorveteria.
O calor foi de matar. Nem dava vontade de ficar na rua brincando, jogando, jogado na sombra, nada. Foi todo o mundo brincar, cada um no seu canto, com a porta da geladeira escancarada.
Vendo a rua vazia, com saudades dos amigos, e com muito calor, Robertinho o Urso ficou pê da vida. Era o líder da turma. Namorava uma menina toda linda, rica e tudo o mais, que até brincava com a turma, mas que mais namorava Robertinho que brincava. Tava certa ela. Tavam certos os dois. Todo o mundo um dia pára de brincar para namorar. Robertinho sabia o que fazia.
Chamou Zezinho o Grandão. Os dois eram bons de briga. Só perdiam para Pedro o Louco, maldoso, que, em qualquer confusão, chamava seu irmão mais velho para lhe dar cobertura. Robertinho sabia que para lutar com Pedro o Louco era usando a inteligência.
Num Domingo de calor, pra variar, Robertinho e Zezinho enganaram Pedro o Louco. Com a ajuda da namorada, que emprestou a grana, compraram um ingresso de numerada para um jogo no Morumbi, e deram de presente para Pedro. Prometeram tomar conta da sorveteria. Pra quê.
Quando Pedro foi pro jogo, eles chamaram todo o mundo, e distribuíram sorvete de graça. Foi uma festa. Nunca juntou tanta molecada debaixo das árvores.
O legal é que, de surpresa, seu Henrique voltou da viagem com a tal máquina, e nem se importou. Participou da festa, e dava muitas gargalhadas. Só Pedro o Louco é que se ferrou. Além de assistir a maior goleada que seu time já tomou, no Morumbi, ficou de castigo por ter mudado os preços dos sorvetes, o que fez com que ninguém comprasse durante a viagem do pai, dando o maior preju.


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