O QUIMONO DE PAPEL


Publicado na Folhinha, sábado, 21 de agosto de 1999

Bernardo Ajzenberg

Marcelo era esperto e adorava jogar futebol. Mas ele não tinha camisa de nenhum time. Para jogar bola, Marcelo vestia camisetas de basquete.
Ele fazia isso porque o pai dele, chamado Teodoro, era fanático por bola-ao-cesto e só dava de presente para Marcelo camisetas de basquete.
Essa era uma mania do seu Teodoro. Queria a todo o custo que o filho fosse, um dia, o cestinha de alguma equipe famosa de bola-ao-cesto.
Ele dizia para Marcelo:
— Basquete faz a gente crescer muito, muito, meu filho. E é mais bonito que futebol.
Mas Marcelo achava o futebol mais bonito do que o basquete. Falava para todo mundo também que nem queria crescer muito.
— Quero ser do tamanho do meu pai, só isso —dizia Marcelo. E seu Teodoro não era lá muito alto. Era normal.
O maior sonho de Marcelo era ter uma camisa oficial da seleção brasileira de futebol.
Marcelo tinha um amigo, o Plínio, que morava dois andares acima do apartamento dele, no mesmo prédio. Plínio fazia judô num clube e usava nas lutas um quimono fininho —mais parecia pijama.
Ele também tinha um sonho: vestir nas lutas um quimono de pano grosso, muito costurado, um quimono pesado e tão resistente que nem um leão pudesse rasgar.
O pai de Plínio, seu Hamílton, gostava de ver o filho lutando judô. Mas preferia que Plínio fizesse um outro esporte, o handebol. Por isso não queria dar para Plínio um quimono novo de tecido grosso e resistente. A mania do seu Hamílton era dar bolas de handebol a Plínio no Dia da Criança. Todo ano fazia o mesmo. Plínio tinha quatro bolas de handebol!
Certo dia, Marcelo e Plínio se encontraram na festinha de São João no salão do prédio. Os dois usavam chapéus de palha. Tinham pintado bigode no rosto e vestiam camisa de flanela xadrez. Conversaram bastante. Comeram pamonha, cocada, pé-de-moleque. Tomaram refrigerantes e se divertiram muito.
Na hora de dançar a quadrilha, eles conheceram uma nova moradora do prédio, chamada Roseli. Era uma menina de cabelos pretos, lisos e compridos, presos num rabo-de-cavalo com uma fita vermelha. Roseli tinha a mesma idade deles, quer dizer, 8 anos. Usava um vestido xadrez vermelho-e-branco.
No finalzinho da festa, depois da dança da quadrilha, pais e mães ficaram conversando, e as três crianças se sentaram perto do escorregador que havia no jardim.
Plínio e Marcelo contaram a Roseli que estavam chateados.
— Meu pai só quer saber de basquete, mas eu gosto é de futebol — disse Marcelo.
— O meu só quer saber de handebol, e eu prefiro lutar judô —completou Plínio.
Foi aí que Roseli disse para eles a sua idéia:
— Por que você não começa a lutar judô, e o Plínio começa a jogar futebol num clube?
Plínio ficou ressabiado, torceu a boca e perguntou:
— E daí? O que você acha que vai acontecer se a gente fizer essa troca? Os nossos pais nem vão deixar.
Roseli deu um sorriso. Depois, respondeu:
— Ora, os pais de vocês vão ficar confusos...
— Como assim, Roseli? — quis saber Marcelo.
A menina, então, explicou o seu plano, cochichando no ouvido de cada um.
Os dois meninos acharam que o plano de Roseli poderia mesmo dar certo. Ficaram contentes. O problema é que precisavam de um quimono para o Marcelo, pois o de Plínio ficava apertado nele.
— A gente pega um molde e faz um quimono de papel —sugeriu a menina.
Na semana seguinte, Marcelo pediu a seu Teodoro que o levasse a um treino de judô.
— Já que eu gosto de futebol e você de basquete —disse Marcelo para o pai—, não vou fazer nem uma coisa nem outra. Vou fazer judô.
— Mas você não tem quimono, filho.
— Pode deixar, pai —disse Marcelo, todo contente. — Eu arrumo um quimono.
Naquele mesmo dia, Plínio pediu ao pai que o levasse a um clube para jogar futebol.
— Você quer que eu faça handebol, não é, pai? Eu prefiro judô. Então, vou jogar futebol. Assim a gente fica em paz!
Como Roseli havia previsto, seu Hamílton e seu Teodoro ficaram confusos. Conversaram no mesmo dia, pelo telefone, e entenderam que os filhos tinham feito um combinado: a troca dos esportes, só para ver como eles reagiriam.
Em vez de ficarem bravos, os adultos acharam engraçado o estratagema dos garotos.
Logo depois dessa conversa, os pais procuraram os filhos e disseram a eles que tinham entendido tudo. Plínio poderia lutar judô o quanto quisesse e ganharia um quimono.
Marcelo recebeu do pai um pacote e, quando abriu, viu que havia dentro uma camiseta da seleção de futebol, com o número 10 nas costas!
Cheios de alegria, os meninos se abraçaram e foram juntos ao apartamento de Roseli, que tinha acabado de tomar banho e estava muito cheirosa. Ela ficou feliz depois que eles contaram que o plano dela tinha dado certo e que agora cada um ia fazer o esporte que queria mesmo fazer.
Marcelo tirou de um saquinho plástico um tubo de cartolina branca e o desenrolou em cima da mesa da sala.
— Esse é o meu quimono de papel, Roseli. Nem precisamos dele. Fica de presente para você. Os três se abraçaram forte, como só os verdadeiros amigos se abraçam.


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