PEDRO NAVA SUICIDA-SE
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Publicado
na Folha de S.Paulo, terça-feira, 15 de maio de 1984
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A literatura brasileira perdeu na noite de domingo um de seus mais
importantes nomes, o memorialista Pedro Nava. Ele foi encontrado morto
com um tiro na cabeça, na rua da Glória no Rio, perto
de onde morava. Segundo a polícia, foi suicídio. Completaria
81 anos de idade em junho. Seu sepultamento será hoje, às
10 horas, no Cemitério de São Francisco Xavier (Caju),
no Rio de Janeiro.
Mineiro, médico, companheiro de Carlos Drummond de Andrade
na vanguarda modernista, amigo dos mais importantes personagens do
mundo cultural do País, até 1972 Nava só havia
publicado poemas esparsos. Naquele ano, editou seu primeiro livro
("Baú de Ossos"), ao qual se seguiram mais cinco
volumes. Sua sétima obra ("Cera das Almas") já
estava praticamente concluída.
Foi possível recompor os últimos passos de Nava. Na
noite de domingo, em seu apartamento na rua da Glória, ele
terminou de escrever o discurso que deveria pronunciar na Assembléia
Legislativa do Rio, no dia 23, quando receberia o título de
Cidadão Fluminense. Mostrou o discurso à sua mulher,
da.Atonieta, e jantou normalmente. Por volta das 20 horas, o telefone
tocou e da.Antonieta atendeu, uma voz de homem perguntava por Pedro
Nava. Este ouviu em silêncio o que a voz lhe dizia e depois
desligou. À mulher, ele informou apenas tratar-se de um trote
de mau gosto. Às 22 horas, da.Antonieta foi ao banheiro. Nava
então saiu, sem avisá-la (segundo a família,
"fugiu"). Mas tarde, foi visto sentado à calçada,
parecendo abatido em meio ao movimento de prostitutas e travestis.
às 23h30, o tiro, disparado de um velho revólver calibre
32, do próprio Nava.
Em entrevista concedida à "Folha" em junho do ano
passado, em seu 80° aniversario, ele dissera ter pensado várias
vezes no suicídio, mas que o fato de ser médico o protegera,
até ali, contra o ato.
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Pedro
Nava |
O desaparecimento de Pedro Nava (1903-1984) significa, para a cultura
brasileira, a perda de um de seus maiores prosadores e memorialistas
contemporâneos.
Intelectual de formação diversificada, médico
sanitarista durante décadas, pioneiro no desenvolvimento de
reumatologia no Brasil, poeta, artista plástico, participante
ativo da primeira geração do Modernismo -, será,
contudo, no domínio da invenção literária,
com a publicação, já em idade avançada,
de seu monumental ciclo de memórias, que a obra de Pedro Nava
alcançará consagração definitiva de crítica
e público, firmando-se seu nome entre os de prosa mais refinada
e de maior grandeza estilística na literatura brasileira deste
século.
O gênero memorialístico recuperou, com Pedro Nava, toda
a sua dignidade literária entre nós. Rompendo com a
tradição cronológica e descritiva, os seis volumes
de memórias que lançou nos últimos anos inovaram
enormemente as relações entre verdade histórica
e criação literária na produção
cultural do País. Em seu texto, fragmentos e detalhes da vida
passada constituem o fio condutor de uma reconstrução
romanesca em que força narrativa e beleza poética fundem-se
numa dimensão expressiva mais elevada.
Há alguns anos, em entrevista a esta "Folha", declarou:
"Eu não teria sido um escritor de memórias se não
tivesse tido minha época de exteriorização literária
num momento em que nós estávamos debaixo de uma ditadura,
uma ditadura militar. E comecei a escrever, talvez para me livrar
desse espantalho, para conversar comigo mesmo na impossibilidade de
fazer isso com os outros".
Estava em pleno vigor literário, elaborando o sétimo
volume de sua obra. A morte sempre esteve presente como tema de seus
escritos e preocupações intelectuais. É dele
a afirmativa de que "a vida é um romance sem enredo".
Morreu lúcido, completamente lúcido.
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