"Não acredito que as modas sejam, por princípio,
expressões de interesses ideológicos distribuídos
para divertir o público e gerar conformismo. Algumas até
podem ter esse resultado, mas, no estado de anarquia cultural
em que vivem nossas sociedades, seria superficial explicar a coisa
assim. Acima dos interesses ideológicos estão os
econômicos, que não vêem a ideologia do produto,
mas seu potencial de venda."
O
pensamento é do filósofo Gerard Lébrun, para
quem é preciso desmistificar a crença de que por
trás de cada modismo existe uma estratégia ideológica.
Na verdade, como disse ao repórter Laerte Ziggiatti, na
Universidade de Campinas, onde leciona, ele duvida mesmo que as
classes dominantes tenham uma ideologia própria. Quem procurar
um "conjunto de idéias, um mínimo ideológico
entre as classes burguesas, só vai encontrar idéias
de esquerda".
Pouco
afeto às nuances do vestuário, Gerard Lébrun
sente-se mais à vontade para falar sobre os modismos intelectuais.
Mas, mesmo nestes casos, ele não admite uma vinculação
direta com a ideologia: "A moda intelectual não reflete
uma ideologia, apesar de constituir-se para uma platéia
com um mínimo ideológico".
O sentimento do rebanho
O professor Gerard Lébrun, define moda: "Um complexo
de idéias, de temas e, às vezes, de chavões
articulados num certo sistema que se tornam moda à medida
que atingem uma parcela do público". E ressalva: "Essa
questão só poderia ser respondida com uma averiguação
a respeito da razão do sucesso de tal ou qual moda. Há,
para cada caso, a necessidade de uma análise psico-sociológica".
Por
que certos temas são rejeitados pelo público e outros
recebem acolhida imediata? A pergunta é do próprio
entrevistado que, no entanto, não tem uma resposta completa,
o que "só seria possível em casos específicos,
nunca no abstrato".
No
caso da moda feminina, ele é capaz de perceber certos indícios.
"Acontece por decisões de certos criadores como Yves
St. Laurent e Pierre Cardin. O criador deve levar em conta certos
desejos inconscientes do público que ele pensa perceber.
Por seu lado, o público acolhe certas modas motivado pelo
esnobismo, que num segundo momento a maioria vai seguir como um
rebanho de carneiros. O esnobismo encerra, paradoxalmente, a vontade
de se distinguir e é, ao mesmo tempo, o ponto de partida
da formação do rebanho, da padronização
maciça."
O
processo é semelhante na formação dos modismos
intelectuais: "Isso é mais evidente com referência
às pessoas que adotam a linguagem e os temas de uma certa
seita ou escola, num desejo de se distinguir dos outros, num desejo
de ser depositário de um saber que os outros não
têm".
A
padronização via modismo não é indício
de que algo semelhante pode ocorrer com as idéias políticas!
Gerard Lébrun acredita que nas democracias é muito
difícil impor uma padronização de idéias
entre pessoas de certo nível social e cultural. Neste caso,
ele equipara o Brasil e as democracias ocidentais. No entanto,
reconhece que os governos estão interessados na "massificação
e padronização de atitudes quando se trata de classes
populares de baixa renda".
Este
procedimento é facilmente avaliado na diferença
de liberdade existente nos jornais e na televisão. "Na
maioria dos países, mesmo nas democracias, há uma
tendência em se fiscalizar a televisão de modo que
certos padrões não sejam ultrapassados. Mas nos
países democráticos um esforço de controlar
a difusão das idéias é muito difícil."
Para
o poder, afirma Gerard Lébrun, não é tão
importante que o marxismo ou o esquerdismo, enquanto ideologias,
sejam ensinados na Universidade, como não é importante
que a imprensa de oposição ataque o governo, "à
medida que só as pessoas que possuem certos recursos podem
comprar jornais".
Os modos do intelectual
O que hoje se conhece por moda intelectual começou no final
do século 17. Foi nesse período que se formou um
grupo de intelectuais - os produtores de idéias - e o público
consumidor - a burguesia. É nesse momento, segundo Gerard
Lébrun, que surge a opinião pública, na Inglaterra.
Ou seja, um público com certa liberdade de expressão.
É o estopim da moda: "Em função dessa
liberdade de pensamento, certos temas começaram a ser produzidos
pelo grupo dos intelectuais para serem consumidos pelo público
interessado em formular opiniões sobre política,
religião etc.".
Os
modismos intelectuais nos países não-totalitários
acontecem com liberdade. Afinal, no século 20, ocorreu
uma mudança significativa no âmbito das democracias:
"Os governos perceberam que não é preciso,
para dar respaldo a um Estado, se ter o equivalente a uma religião
ou a uma ideologia oficial repressiva. Esse foi um tema muito
enraizado na cultura política ocidental até o século
19, quando até um espírito liberal como Toqueville
pensava que um povo sem religião não pode constituir
um Estado. Era a convicção de que é preciso
um mínimo de padronização ideológica
para que o Estado possa ser mantido em base estável. Esse
foi o modo de pensar desde Platão até o século
19".
Gerard
Lébrun diz que "poder, hoje, é uma palavra
que não significa quase nada. Eu sou muito nominalista.
É preciso examinar cada tipo de organização
do poder, captar sua especificidade. Talvez nas democracias ocidentais
nos defrontemos com uma espécie de poder que prefira jogar
com as rivalidades entre os grupos de interesses do que tentar
constituir uma ideologia comum, uma padronização
para assegurar a coesão de um país".
Com
isso, Gerard Lébrun não quer dizer que o poder tenha
se tornado "tolerante e bonzinho". Em sua opinião
há, agora, outros meios de controlar a difusão de
idéias que não necessariamente o rígido controle
sobre os mass-media. O exemplo seria a televisão norte-americana,
que afirma ser a mais livre do mundo. "É preciso acabar
com a lenda de que o setor privado está na origem da padronização
e massificação ideológica."
O livro vendido pela televisão
Uma moda intelectual, hoje, pode ser criada pela televisão.
Gerard Lébrun cita o exemplo de um programa literário
da televisão francesa. O apresentador do espetáculo,
Bernard Pivot, convoca cinco autores e, no dia seguinte, os livros
discutidos no programa estão em todas as vitrines do país
e as vendas aumentam substancialmente. "E o nível
da discussão, no programa, é baixo", esclarece
o filósofo. "Os livros vendem mais ou menos em função
da simpatia do autor."
Para
Gerard Lébrun este é um sintoma de decadência,
pois há muitas modas intelectuais apoiadas em obras fracas.
Como exemplo, ele coloca os chamados "novos filósofos
franceses", que vêm obtendo muito sucesso "porque
foram lançados, há dois anos, pela mass-media, pela
televisão, pelos jornais".
Antes,
lamenta o professor da Unicamp, uma nova moda era lançada
por um livro, nascia da própria obra. "Há vinte
anos, o consumidor podia julgar um produto pelo contato direto.
Hoje, a principal autoridade é a mass-media, ocorrendo
a manipulação de todas as camadas da população,
tanto da burguesia como das classes populares em função
de imperativos econômicos."