FLORESTAN
FERNANDES
Quando se constituiu o Estado de Israel, muitos liberais e socialistas
vislumbraram uma esperança: com Israel, haveria naquelas regiões
ondas sucessivas de renovação política. Parecia que um Estado semi-socialista
carregaria consigo um progresso de novo tipo, que ajudaria a varrer
regimes sociais e políticos arcaicos, pelas próprias contradições
emergentes e o impacto das transformações geopolíticas e econômicas
sobre as populações árabes subalternizadas por déspotas impiedosos.
Do
lado de Israel ainda pesava o horror dos campos de concentração
e da diáspora. Além disso, eles provinham do Ocidente, onde a "intelligentsia"
judia exercera uma influência duradoura e abrira caminhos seculares
à criação filosófica, científica, artística e política. As antigas
civilizações árabes e sua riqueza eram omitidas. As artimanhas da
implantação imperialista de um Estado-tampão encontrava pequena
oposição, fora dos países árabes, e prevalecia uma simpatia por
Israel que ainda não se dissipou. Pequenas e grandes confusões,
que se desmascaravam aos poucos, corroíam o significado externo
original de Israel. Sua conversão em uma nação militarista só comparável
à Alemanha nazista e a predisposição às guerras fratricidas com
os vizinhos, sob terror permanente, aumentaram as percepções negativas.
Eu
e alguns amigos, que participamos da euforia pelo aparecimento de
Israel, atribuímos um sentido sociológico às violências que se desencadeavam.
Tratava-se de um "processo natural". Os árabes recorriam à belicosidade
por ser de sua tradição histórica, e Israel respondia no mesmo tom
para sobreviver. Mas teria de prevalecer a razão ou a destruição
recíproca? Seus próprios interesses nacionais e internacionais culminariam
em uma difícil acomodação à coexistência pacífica, que deixaria
para trás as amarguras iniciais.
Essa
miragem idílica nunca se concretizou. Manifestações de ódio acarretavam
a vingança em ascensão: "olho por olho, dente por dente". Todos
encontravam na extrema barbárie a base psicossocial da manutenção
de um status quo insuportável.
A
Israel coube demonstrar ao mundo a perfeição de sua máquina bélica,
pequena mas afiada, superior para certos fins à dos Estados Unidos,
curvados às exigências da guerra fria e das suas comunidades judias.
As recentes tentativas de pacificação foram recebidas com frieza
no Ocidente e com temor em Israel e nos países árabes. Palestinos
e israelenses pareciam prestes a estabelecer uma saída promissora.
É cedo para vaticinar se as conversações de paz malograram. Às vezes,
o agravamento dos conflitos produz efeitos imprevistos. As ocorrências
que cercaram o enterro de Goldstein salientam, porém, que as negociações
só podem ter êxito se o rancor enraizado "civilizar-se" ou sublimar-se.
É terrível o que disse o rabino Yaacov Perrin: "Um milhão de árabes
não valem a unha de um judeu". Por que? E o que vale a unha de um
árabe da perspectiva antagônica? A paz requer a extirpação voluntária
da cultura da violência e do terrorismo étnico-religioso.
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