ÁRABES E ISRAELENSES

Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 7 de março de 1994.

FLORESTAN FERNANDES

Quando se constituiu o Estado de Israel, muitos liberais e socialistas vislumbraram uma esperança: com Israel, haveria naquelas regiões ondas sucessivas de renovação política. Parecia que um Estado semi-socialista carregaria consigo um progresso de novo tipo, que ajudaria a varrer regimes sociais e políticos arcaicos, pelas próprias contradições emergentes e o impacto das transformações geopolíticas e econômicas sobre as populações árabes subalternizadas por déspotas impiedosos.

Do lado de Israel ainda pesava o horror dos campos de concentração e da diáspora. Além disso, eles provinham do Ocidente, onde a "intelligentsia" judia exercera uma influência duradoura e abrira caminhos seculares à criação filosófica, científica, artística e política. As antigas civilizações árabes e sua riqueza eram omitidas. As artimanhas da implantação imperialista de um Estado-tampão encontrava pequena oposição, fora dos países árabes, e prevalecia uma simpatia por Israel que ainda não se dissipou. Pequenas e grandes confusões, que se desmascaravam aos poucos, corroíam o significado externo original de Israel. Sua conversão em uma nação militarista só comparável à Alemanha nazista e a predisposição às guerras fratricidas com os vizinhos, sob terror permanente, aumentaram as percepções negativas.

Eu e alguns amigos, que participamos da euforia pelo aparecimento de Israel, atribuímos um sentido sociológico às violências que se desencadeavam. Tratava-se de um "processo natural". Os árabes recorriam à belicosidade por ser de sua tradição histórica, e Israel respondia no mesmo tom para sobreviver. Mas teria de prevalecer a razão ou a destruição recíproca? Seus próprios interesses nacionais e internacionais culminariam em uma difícil acomodação à coexistência pacífica, que deixaria para trás as amarguras iniciais.

Essa miragem idílica nunca se concretizou. Manifestações de ódio acarretavam a vingança em ascensão: "olho por olho, dente por dente". Todos encontravam na extrema barbárie a base psicossocial da manutenção de um status quo insuportável.

A Israel coube demonstrar ao mundo a perfeição de sua máquina bélica, pequena mas afiada, superior para certos fins à dos Estados Unidos, curvados às exigências da guerra fria e das suas comunidades judias. As recentes tentativas de pacificação foram recebidas com frieza no Ocidente e com temor em Israel e nos países árabes. Palestinos e israelenses pareciam prestes a estabelecer uma saída promissora. É cedo para vaticinar se as conversações de paz malograram. Às vezes, o agravamento dos conflitos produz efeitos imprevistos. As ocorrências que cercaram o enterro de Goldstein salientam, porém, que as negociações só podem ter êxito se o rancor enraizado "civilizar-se" ou sublimar-se. É terrível o que disse o rabino Yaacov Perrin: "Um milhão de árabes não valem a unha de um judeu". Por que? E o que vale a unha de um árabe da perspectiva antagônica? A paz requer a extirpação voluntária da cultura da violência e do terrorismo étnico-religioso.

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