FLORESTAN
FERNANDES
A eleição do sr. Paulo Maluf não é só uma vitória da tenacidade,
do populismo dos oligarcas e da afiada organização de uma campanha
eleitoral multimilionária. Ela não é, também, simples subproduto
da "fabricação do candidato preferido" por ampla maioria dos eleitores.
Em uma época de descrédito do político profissional, é evidente
a pré-fabricação e o seu motor: o "mea culpa", fundado em uma hábil
combinação de humildade aparente, promessas fabulosas e arrogância
incoercível. "Errei mas sempre fui o melhor...". O eleitor cai na
cilada: sente-se em débito! Aflora o "boss", com sua máquina partidária,
posta a serviço da manipulação da opinião pública e da conquista
de votos. A democracia engolida pela plutocracia, escrava do mandarinato
político. Desmoronam, ao mesmo tempo, as premissas políticas democráticas
de governo; os fundamentos éticos das relações entre partidos, eleitores
e candidatos; o modelo de cidadania emblemática do Estado capitalista.
O sr. Paulo Maluf transcendeu a todos os triunfos, recuperando e
redefinindo, por seus méritos, a condição do agente privilegiado
do absolutismo tosco.
Essa
interpretação não é maligna. Acredito que as pessoas e as instituições
se transformam (ou eu não poderia ser socialista) e aceito, como
qualquer cidadão, a sua liberdade de competir pelo cargo de prefeito.
Onde a democracia está desabrochando - e até em países nos quais
se afirma que ela atingiu estágios avançados - o erro maior, em
tais situações, não é o do candidato. Mas dos que o elegem, movidos
ou não por ilusões, avidez ou propaganda deformadora. O que se observa,
nos dias que correm, consiste na deterioração da República democrática,
a começar nos países centrais. Todos possuem um pedaço maior ou
menor de África do Sul, de "apartheid", sem campeões individuais
ou coletivos da "liberdade, igualdade e fraternidade" e dos "direitos
fundamentais dos homens". Marchamos na direção normal. Se levamos
Fernando Collor de Mello ao julgamento político e policial, nem
por isso pavimentamos o caminho para saltos históricos qualitativos
profundos, como salienta o retorno do sr. Paulo Maluf com seus apaniguados.
O
que concluir dos nomes que estão voltando à ativa? Se o prefeito
contribuísse para desenterrar as vítimas do extermínio sangrento
(seus momentos de "pecado" e de "fraqueza") apareceria com outra
gente e outros planos na cena política. No entanto, ressuscita velhos
parceiros e o "perdão recíproco", como uma maldição. Depois de uma
administração como a de Luiza Erundina de Souza, recaímos no padrão
arcaico do mandonismo, do fisiologismo e das falsas esperanças.
Alguém poderá exercer um governo sério com um secretário que promete
endividar a cidade e quer enterrar US$ 50 milhões emprestados para
restabelecer prioridades pecuniárias dos de cima?
Os
que viveram o passado combatendo ou sofrendo os pendores do sr.
Paulo Maluf já sabem o que nos aguarda. O seu antipestismo não é
mero equivalente do anticomunismo. "Nada temos contra o Suplicy,
o que não queremos é o PT mandando aqui." Essa bandeira de ordem
significa o passado redivivo. Intolerância, repressão e opressão,
indulgência e troca de favores entre os poderosos e privilegiados,
capitalismo e politicismo sem risco, em suma, a filosofia de que
"os fins justificam os meios". Pobre cidade de São Paulo!
|