| FLORESTAN 
              FERNANDES Especial 
              para a "Folha da Manhã"  O 
              momento atual tem profundo significado para nós. É o momento em 
              que as Américas se definem pela América e em que os homens americanos 
              devassam as terras americanas em todas as direções. Parece-nos mesmo, 
              que o americanismo passou do plano exclusivamente político e económico, 
              para integrar as preocupações dos homens médios. Assim, 
              não é mais fórmula aproximadora de nações, um pã-americanismo, mas 
              uma realidade unificadora de povos, isto é, de individuos e ideais. 
               Nós, 
              no Brasil, já tivemos no passado homens que lutaram pela aproximação 
              americana, e muito trabalharam para isso. Rio Branco e Joaquim Nabuco 
              foram americanistas por excelência, se entendermos o americanismo 
              como forma de incrementar as relações entre as nações americanas, 
              à moda de Monroe. Depois desses dois estadistas, houve altos e baixos 
              relativamente à aproximação continental, entre nós, predominando, 
              como sempre, o sentido de maior compreensão americana. O nosso momento, 
              entretanto, é original. As Américas tornam-se América através das 
              gerações novas. Pela primeira vez, de norte a sul, os moços participam 
              intensamente da vida e dos problemas americanos: é a função que 
              estão realizando as universidades, as grandes instituições que concedem 
              bolsas de estudos, as missões de divulgação cultural e os próprios 
              governos. E só desta maneira podem os americanos se por em contacto 
              com os problemas reais da América, problemas que são nacionais sob 
              certos aspectos, mas que sob outros são americanos e mesmo universais. 
              Tambem se apresenta como o único modo para uma compreensão ampla, 
              do americanismo, pois o conhecimento da nova formação e dos problemas 
              atuais, está, sem dúvida fornecendo uma outra América à geração 
              nova, a América que é hoje, e não as Américas da época colonizadora, 
              entrepostos comerciais das grandes potências européias.  O 
              americanismo não é um problema. É antes, uma realidade ou, diríamos 
              melhor, uma contingência. Veiu-nos com o descobrimento, com a fixação 
              do homem à terra, com as necessidades impostas pelo meio aos novos 
              elementos étnicos, criando um ambiente de rudeza e de fraqueza que 
              observamos em todos os povos da América, sejam do norte sejam do 
              sul, latinos ou não. Embora as soluções não tenham sido idênticas, 
              as situações foram constantemente as mesmas. O negro, por exemplo, 
              na América do Norte foi segregado, enquanto no Sul, entre nós, fundiu-se 
              em grandes proporções aos demais elementos étnicos. Mas o tráfico 
              e a escravização inicial do negro foi uma contingência, lá como 
              aquí.  E 
              quais foram os primeiros civilizados da América? Os homens da ombridade 
              e da sombranceria, os homens de punho de ferro e coração-fornalha. 
              Formamo-nos, todos, aos poucos e de empréstimo. Transplantamos homens 
              e cultura e vivemos o mesmo drama da liberdade selvagem, do homem 
              liberal por contingência e formação e de um democratismo sui-generis: 
              o obedece-me que serás benquisto e digno. Democratismo, aliás, que 
              resultou do encontro de duas atitudes antagônicas: o autoritarismo 
              individual do europeu dominante e os padrões propriamente democráticos 
              de conduta, impostos pela realidade, pois aquí até a tolerância 
              foi, historicamente, uma contingência. Nisso a América superou o 
              homem...  Atualmente, 
              mais que no passado, somos os homens que lutam por duas soluções: 
              a étnica e a económica. Começamos um processo e não percebemos seu 
              fim e dele conhecemos apenas certas fases já realizadas. Como se 
              definirá cada tipo étnico americano e quando? Como serão resolvidas 
              as questões sociais implicadas pela nossa formação? Qual o sentido 
              que tomarão as relações entre brancos e não brancos em cada país 
              americano e como influirão na tendência de maior aproximação americana? 
              E qual vai ser a afirmação económica de cada pais americano? Seguirão 
              a linha imposta pelos recursos naturais ou procurarão futuramente 
              criar um organismo económico autárquico, mesmo que artificial? Seguirão 
              a divisão natural dos mercados, compreendendo a complementaridade 
              dos mesmos, ou criarão economias nacionais em conflito, como já 
              o fizeram os europeus? Como influirá a situação económica de cada 
              pais nas relações das Américas como América no futuro? Quais os 
              aspectos que tomarão as relações sociais nessas sociedades? Porque 
              estamos em processo tudo são perguntas, e valem tanto aqui como 
              acolá. Somos, quasi, a mesma gente. Pelo menos vivemos as mesmas 
              situações e temos que resolver problemas fundamentalmente semelhantes. 
               Somos 
              os mesmos homens sem "finesse", os homens de mãos calejadas que 
              constroem o mundo brilhante e enfatuado de amanhã. O mundo americano 
              realizado e das idéias voltadas sobre si mesmas. Porisso somos os 
              homens da tragédia e sentimos palpitar a selva que estua violentamente 
              neste mundo híbrido e em realização. Nós o sentimos porque o estamos 
              criando, e o sentimos não como criadores, mas ingenuamente, sem 
              malicia e profundeza porque ele nos parece grande demais para ser 
              criado por alguem -mesmo milhões de pessoas em dezenas de gerações. 
               Porisso 
              falamos em mais América. Este mais América significa um maior conhecimento 
              recíproco de formas e não de conteudos, como poderia ressaltar do 
              que já dissemos no artigo. Contudo não deixa de ser necessário e 
              fecundo, emprestando um carater muito simpático a esse bandeirismo 
              inter-continental e verdadeiramente americanista das novas gerações. 
              
 
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