WEBER E O CAPITALISMO

Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 4 de novembro de 1977.


Max Weber


A falta de escrúpulos na obtenção de ganhos pessoais tem sido uma característica específica daqueles países cujo desenvolvimento burguês-capitalista, comparado com os padrões ocidentais, permaneceu atrasado. Como qualquer empregador sabe, a falta de conscientização dos trabalhadores nestes países tem sido um dos principais obstáculos para seu desenvolvimento capitalista.
Capitalismo não pode utilizar-se do trabalho das vítimas de um indisciplinado livre arbítrio, da mesma forma que não pode utilizar-se do empresário que parece totalmente inescrupuloso nos seus negócios com outros. A diferença (no grau de desenvolvimento capitalista) não reside no grau de desenvolvimento do impulso de obter lucros. O espírito de "auri sacra fames" é tão velho quanto a história do homem. Mas veremos que aqueles que se submetem a ele sem reserva alguma, como um impulso incontrolável, não são absolutamente os representantes daquele estado de espírito do qual deriva o capitalismo moderno.
Em todos os períodos da História, sempre que foi possível, ocorreram brutais aquisições de valores, desligados de qualquer norma ética. Como na guerra ou na pirataria, os negócios eram, via de regra, praticados de forma incontrolável quando se tratasse de estrangeiros ou de elementos estranhos ao grupo. Uma ética dupla permitia aqui o que era proibido entre amigos.
A aquisição capitalista, como uma aventura, tem coexistido com todos os tipos de estruturas econômicas que conheceram o comércio e o dinheiro. Da mesma forma, a atitude íntima do aventureiro que ri das considerações éticas tem sido universal. Uma brutalidade consciente e absoluta no processo de aquisição esteve sempre ajustada à tradição.
O mais importante oponente que o espírito capitalista teve que enfrentar foi a atitude e a reação a novas situações, que poderíamos designar como "tradicionalismo". Um homem, por natureza, não deseja ganhar mais e mais dinheiro. Mas simplesmente viver como está acostumado a viver, ganhando o dinheiro necessário para isto.
Mas a idéia de que salários baixos significam altos lucros tem sido uma constante, caminho trilhado pelo capitalismo inúmeras vezes. A política de salários baixos falha, inclusive, sob o ponto de vista estritamente empresarial, sempre que se trate da produção de bens mais elaborados ou de equipamento mais caro para produzi-los. Nestes casos, a política de salários baixos não paga, servindo até contraproducentemente. O trabalho, para ser produtivo, tem que ser desempenhado como se fosse um fim em si mesmo, um apelo. Esta atitude, porém, não é de forma alguma um produto da natureza. Não pode ser evocada por políticas salariais desestimulantes ou estimulantes, mas pode ser um produto de um longo processo educativo.
O desenvolvimento do capitalismo pode ser melhor compreendido como parte do desenvolvimento do racionalismo como um todo, diante dos problemas da vida.
Se considerarmos como "racionalismo prático" este tipo de atitude que julga o mundo em termos de interesses mundanos do ego individual, então esta visão de vida passa a ser peculiar aos povos adeptos do "liberum arbitrium", como os italianos e franceses. Já nos convencemos de que este não foi o terreno no qual a relação do homem com os seus apelos, tão necessária ao capitalismo, tenha crescido.



Max Weber (1864-1920), sociólogo e economista político alemão. Acreditava que os fatos econômicos e sociais tinham um "sentido" e necessitavam uma "compreensão". Dentro desta visão, fez estudos sobre a autoridade e sobre a sociologia das religiões. "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" é um de seus mais famosos trabalhos. O texto acima foi extraído e adaptado de capítulo dessa obra, utilizando-se a versão americana (Scribnners).

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