MAX WEBER E A SUCESSÃO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 1978
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Deve
entender-se por carisma a qualidade, que passa por extraordinária,
de uma personalidade, considerada por sua exaltação
intrínseca como possuidora de forças sobrenaturais
ou sobre-humanas. Ou, ao menos especificamente, extracotidianas
e não exequíveis a qualquer outro. Em sua origem,
o carismático tem um conhecimento mágico: - são
os profetas, feiticeiros, árbitros, chefes de caçada
ou caudilhos militares. Surgem como enviados de Deus ou como um
protótipo humano exemplar. E, consequentemente, como chefe,
caudilho, guia ou líder.
A fauna é rica e diferenciada através da História,
abrangendo esses possessos o tipo de frenesi bélico na
Bizâncio medieval; o tipo epileptóide de certos magos
como o fundador dos Mormons (se não foi, como muitas pensam,
um refinado farsante); o tipo do "êxtase demagógico",
de Kurt Eisner e outros, de onde provém a vocação
de salvadores.
Sobre a validade do carisma, decide o reconhecimento, nascido
da entrega à revelação, da reverência
ao herói, ou da confiança no chefe, por parte dos
dominados. Note-se, tal reconhecimento não é o fundamento
da legitimidade, mas um dever dos vocacionados ou de seus adeptos.
Psicologicamente é uma entrega plenamente pessoal e cheia
de fé, originada quer da fé, quer da indigência,
quer da esperança.
Nenhum profeta jamais considerou sua qualidade como dependente
da multidão. Nenhum rei ungido ou caudilho carismático
tratou seus opositores ou as pessoas fora de sua irradiação
senão como descumpridores de um dever.
Quando falta com permanência a corroboração
dos adeptos, quando o agraciado carismático parece abandonado
de seu Deus ou de sua força mágica ou heróica,
quando lhe foge o sucesso de forma duradoura e, sobretudo, quando
sua chefia não traz nenhum bem-estar aos dominados, então
há a probabilidade de que sua autoridade carismática
se dissipe. Até os velhos reis germânicos podiam
deparar com manifestações públicas de desprezo.
A dominação carismática supõe um processo
de comunicação de caráter emotivo... Os eleitos
o são também na base do carisma: ao chefe correspondem
os chamados homens de confiança. Não há colocação
nem destituição; não há carreira nem
ascensão, senão tão-somente o chamado pelo
senhor, segundo sua inspiração própria, fundada
na qualificação carismática do vocacionado.
Não há hierarquias, mas apenas intervenção
do chefe. Não há nem jurisdição nem
competências, nem mesmo apropriação privilegiada
dos poderes do cargo, mas somente limitação aos
espaços e objetos determinados do carisma e sua missão.
Não existe qualquer magistratura firmemente estabelecida,
mas somente indivíduos missionados carismaticamente em
tal ou qual missão, dentro da missão outorgada pelo
senhor e seu carisma próprio. Não existe regra alguma,
não há preceitos jurídicos subjetivos, nem
aplicação racional do direito por eles orientado.
Nem se baixam julgamentos ou sentenças orientadas por precedentes
tradicionais. Formalmente, o decisivo é a criação
de direito caso a caso. O profeta genuíno, como todo chefe
genuíno em geral, como todo caudilho, anuncia, cria e exige
novos mandamentos no sentido original do carisma: pela força
da revelação ou do oráculo ou da inspiração,
ou por exigência de sua vontade objetiva de organização...
O reconhecimento (do caudilho) gera o dever (da comunidade) no
qual o direito só pode estar de um lado, enquanto do outro
está a injúria, sujeita à expiação.
A dominação carismática se opõe igualmente,
enquanto fora do comum e extracotidiana, tanto à dominação
racional como à tradicional. A dominação
tradicional está ligada aos precedentes do passado e como
tal igualmente orientada por normas; a carismática subverte
o passado e é neste sentido especificamente revolucionária.
É legítima na medida em que o carisma especial "rege"
por sua corroboração, isto é, na medida em
que encontra reconhecimento, e dele carecem os homens de confiança,
os discípulos, o séquito. E só durante sua
confirmação carismática. Os exemplos são
dispensáveis. Haja vista o dominador carismático
plebiscitário (o império do gênio de Napoleão,
que fez de plebeus reis e generais) e o caso dos profetas ou dos
heróis militares.
Quando o que se leva em conta é o carisma, não se
pode falar de uma livre eleição de um sucessor,
senão de um "reconhecimento" de que existe o
carisma no pretendente à sucessão. Por conseguinte,
deve-se aguardar a epifania de um sucessor que se mostre pessoalmente
qualificado para a missão.
A designação pelo próprio senhor de um sucessor
ou representante é uma forma muito adequada da conservação
da continuidade do domínio em todas as organizações
originariamente carismáticas tanto proféticas como
militares. É a óbvia legitimidade fundada na autoridade
da origem.
A forma de nomear os magistrados romanos conservou no cerimonial
(lista de qualificados e aclamação do exército
reunido), esses traços carismáticos, inclusive quando,
com o fim de limitar seu poder, subordinou-se o cargo a um prazo
determinado e ao prévio consentimento (eleição)
do exército.
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Max Weber (1864 -1921), nascido em Erfurt, Alemanha, pode ser
considerado o fundador da moderna sociologia. Doutor em Direito,
ingressou na magistratura, que abandonaria para dedicar-se a estudos
históricos e sociológicos. Foram seus mestres Goldschmidt
e Meltzen. Sofreu grande influência de Marx e Dilthey, e tomou
posição contra toda interpretação teleológica
da sociedade. Membro da Academia Científica de Heidelberg,
militou no chamado socialismo científico. Seu pensamento
filosófico, porém, situa-se na área do idealismo
de Windelband e Rickert. A metodologia sociológica moderna
tem nele seu verdadeiro mestre e fundador. O texto que hoje publicamos
é de sua obra "Economia e Sociedade", com fragmentos
tirados do 1º e do 2º volumes da tradução
espanhola do Fondo de Cultura Econômica do México,
ed. 1964.
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