CLAUSEWITZ E A GUERRA
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Publicado
na Folha de S.Paulo, domingo, 13 de novembro de 1977
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Assim
é a guerra; assim o comandante que a conduz; assim a teoria
que a regula. Mas a guerra não é um passatempo,
não é mera paixão de aventurar-se e ganhar.
Não está aberta ao entusiasmo livre. É um
meio sério para alcançar um objetivo sério.
A aparência fantasiosa que a guerra adquire, provinda das
oscilações das paixões, fortuna, coragem
e imaginação é fruto das circunstâncias
e propriedades particulares.
A guerra dentro de uma comunidade ou de nações inteiras,
e particularmente de nações civilizadas, parte sempre
de uma condição política. É portanto
um ato político. Mas se a guerra fosse uma expressão
ilimitada do uso da força, então, no momento em
que a guerra deflagrasse por razões políticas, a
força seria utilizada no lugar da política.
A guerra no mundo real não é uma coisa extrema que
se expande indefinida e incontrolável, numa única
descarga. É uma operação de poderes e potências
que não se aguentam da mesma maneira e na mesma medida.
Num determinado momento este descompasso se expande o bastante
para vencer a resistência da inércia ou da fricção,
enquanto que em outras ocasiões é insuficiente para
produzir um efeito. A guerra, de certa forma, é a pulsação
de uma força violenta, mais ou menos veemente, fazendo
suas descargas e exaurindo suas forças mais ou menos rapidamente
- em outras palavras, conduzindo-se mais ou menos velozmente aos
objetivos finais, mas durando o bastante para admitir o exercício
de alguma influência e direção sobre ela e
os desígnios de uma inteligência condutora.
Se refletirmos que a guerra tem suas raízes num objeto
político, então, naturalmente este motivo original
deve ser considerado prioritariamente na condução
do conflito. O objetivo político de uma guerra não
deve ser tirânico e exclusivo, devendo acomodar-se à
natureza dos meios empregados. Ainda que certas mudanças
podem ocorrer nestes meios, envolvendo consequentemente mudanças
no objetivo político em disputa, este sempre retém
prioridade de consideração.
A política, portanto, está totalmente interligada
com a ação da guerra e deve exercer uma continuada
influência sobre o seu desenrolar, na medida que as forças
por ela liberadas o permitam.
Destarte verificamos que a guerra não é meramente
um ato político, mas um instrumento, político real,
uma continuação da relação política,
por outros meios.
O primeiro, maior e mais decisivo julgamento que um estadista
e um general devem exercitar é o de compreender a significação
da guerra na qual se engaja, sem mistificá-la ou adulterá-la.
A guerra compõem-se de três elementos que podem ser
operados em três níveis: o ingrediente violento -
animosidade, portanto, o instinto cego; o jogo das probabilidades
que toma a forma de uma atividade da alta estratégia; e
a natureza dos objetivos políticos que se enquadram no
campo razão. A primeira fase concerne ao povo, as paixões
que explodem quando eclode uma guerra devem estar latentes nos
povos; o grau de talento e coragem concerne aos generais e soldados;
mas o alvo político tem que ver apenas com governos.
As guerras travam-se nestes três contextos e quem subestima
um deles por melhor que se desempenhe nos outros pode ter seus
resultados prejudicados.
Finalmente, convém que consideremos seriamente que a decisão
de uma guerra não pode ser considerada absoluta ou definitiva.
O estado batido ou conquistado, às vezes, considera a derrota
como uma situação passageira que pode ser reparada
através de combinações políticas.
Este fato regula o nível da tensão e do vigor investidos
no empreendimento guerreiro.
A partir do momento em que os beligerantes deixam de ser concepções
abstratas é despojada do caráter de ideal passando
a ser encarada como um procedimento substantivo, então,
a realidade fornecerá as quantidades e intensidades a serem
aplicadas no esforço.
Se a guerra pertence à esfera da política, ela naturalmente
tomará sua forma. Se a política é portentosa,
assim o será a guerra.
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Carl
Von Clausewitz (1780-1831), general prussiano, é considerado
o filósofo da guerra, primeiro polemologista moderno, e está
para a filosofia da guerra assim como Maquiavel está para
a filosofia da política, Hume para a filosofia do conhecimento.
Adam Smith para a filosofia da economia. Estudioso de Kant, tentou
racionalizar a guerra como um instrumento objetivo da política
nacional. Estas três palavras - "racional", "instrumento"
e "nacional" são uma espécie de trindade
básica do seu pensamento sobre a guerra. Sua grande obra
é "Sobre a Guerra", publicada postumamente. Dela
foi resumido o texto acima, de uma edição de Anatol
Rapoport para o Pengin Books.
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