SÃO TOMÁS DE AQUINO E A SABEDORIA
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Publicado
na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 08 de fevereiro de 1978
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O
senso comum da maioria que, segundo o Filósofo, deve ser
levado em consideração, quando se trata do nome
das coisas, faz com que em geral se chamem de sábios aos
que ordenam as coisas corretamente e as governam bem. Por isso
diz o Filósofo que, entre outras qualidades que as pessoas
atribuem ao sábio, o ordenar é uma delas. Por outro
lado, a norma de governar e ordenar todas as coisas que devem
ser governadas e ordenadas para um determinado fim, tem de ser
traçada por esse mesmo fim.
Cada coisa alcança sua colocação ótima
quando é ordenada para seu próprio fim. Pois o fim
de todas as coisas é o bem. Assim vemos, por exemplo, nas
obras da técnica, que o fim a que se destinam é
que governa o conjunto da obra. A Medicina tem precedência
sobre a técnica dos remédios e a ordena e controla,
porque a saúde, que é objeto da Medicina, é
o fim de todos os remédios, fabricados para atender a esse
fim.
A mesma coisa se pode dizer da navegação, com referência
à construção dos barcos, ou na arte militar,
com respeito à cavalaria e aos artefatos bélicos.
Essas artes que regem as outras se chamam "arquitetônicas",
como se fossem artes principais. Por isso, seus artífices,
se chama "arquitetos", reivindicam para si o nome de
sábios: Mas como esses artistas se ocupam com o fim de
alguma coisa específica, e não chegam ao fim universal,
se chamam de sábios desta ou daquela coisa. "Eu, como
sábio arquiteto, lancei os cimentos" - diz São
Paulo na 1ª Epístola aos Coríntios.
O nome de absolutamente sábio, porém, esta reservado
apenas àquele cuja meditação versa sobre
o fim do universos, pois, este fim é o princípio
e a totalidade de todas as coisas. Por isso, diz o Filósofo,
o sábio é aquele que considera as coisas mais altas.
O fim último de todas as coisas é aquele que se
dirige para o primeiro autor ou motor original que as criou e
que as sustenta. O primeiro autor ou motor do universo é
a inteligência. O último fim do universo, por conseguinte,
deverá ser o bem da inteligência. O bem da inteligência
é a verdade. A verdade, portanto, deve ser o fim último
de todo o universo e a sabedoria tem que deter-se principalmente
no fim da inteligência e em sua consideração.
Não é por outra razão que a Divina Sabedoria
testemunha que veio ao mundo para manifestar a verdade, dizendo:
- "Para isto vim ao mundo, para dar testemunho da verdade"
(S. João - XVIII - 37). Mas o Filósofo determina
também que a filosofia primeira é a ciência
da verdade, não de qualquer verdade, mas daquela que é
origem de toda verdade, isto é, a que pertence ao primeiro
princípio de ser de todas as coisas. Sua verdade, portanto,
é o princípio de toda outra verdade.
A disposição das coisas na verdade é a mesma
que há no ser. É próprio do homem seguir
um dos contrários e rejeitar o outro. Por exemplo: a Medicina
busca a saúde e exclui a enfermidade. Por isso, assim como
é próprio do sábio, sobretudo, refletir sobre
a verdade do primeiro princípio e discorrer sobre outras
coisas, é também uma de suas marcas pessoais impugnar
a falsidade contrária. Por conseguinte, mostra-se na frase
exposta, pela boca da Sabedoria e de forma conveniente, o duplo
ofício do sábio, a saber: - Refletir sobre a verdade
divina, que é verdade por antonomásia, e expor o
resultado das meditações. É a esse resultado
que se refere o sábio quando diz: - "Minha boca se
esforçará para dizer a verdade". E é
por impugnar o erro contra a verdade, que diz: "E meus lábios
detestarão o ímpio". Por ímpio, está
designada a falsidade contra a verdade divina, que é contrária
à religião, que também se chama piedade.
É por isto que a falsidade, contrária a ela, toma
também o nome de impiedade.
De todos os estudos dos homens, o estudo da Sabedoria é
o mais perfeito, sublime, útil e agradável. É,
certamente, o mais perfeito, porque o homem participa da verdadeira
felicidade na medida em que se dedica ao estudo da sabedoria.
Por isso, diz o Sábio: - "Bem-aventurado o varão
que morar na Sabedoria".
O estudo da Sabedoria é também o mais útil,
porque por ele o homem faz todas as coisas sabiamente e chega
a uma semelhança divina. E como a semelhança é
causa do amor, o estudo da Sabedoria nos une especialmente a Deus
por amizade. Por isso se diz que a sabedoria é um tesouro
infinito para os homens, e os que se serviram desse tesouro participaram
da amizade de Deus. E é também o mais útil,
pois é pela Sabedoria que se chega ao reino da imortalidade.
E é ainda o mais agradável, porque "nem há
amargura em sua conversação, nem tédio em
seu trato, mas alegria e gozo" (L. da Sabed. 7,14).
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São
Tomás de Aquino (1225-1274) nasceu em Roccasecca, Itália,
fez seus primeiros estudos no mosteiro beneditino de Monte Cassino,
e estudou as sete artes liberais - o trivium e o quadrivium - em
Nápoles. Vencendo terrível oposição
da família, nobre e rica, decidiu ser um sacerdote da Ordem
dos Dominicanos e teve intensa vida religiosa. Ensinou em várias
cidades e conviveu com os filósofos de seu tempo, inclusive
Alberto Magno, a todos influenciando com sua prodigiosa inteligência.
O tomismo foi a grande filosofia inovadora do pensamento cristão
e moderno, incorporando à Escolástica o pensamento
aristotélico. A obra do Doutor Angélico é imensa.
O texto que hoje publicamos é da Summa Contra Gentiles, traduzido
diretamente do latim por Gerardo Mello Mourão.
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