TOBIAS BARRETO E A LIBERDADE
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 3 de março de 1978
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uma vez declarei, e não há muito tempo, que não estava longe de
crer serem as leis da liberdade as mesmas leis da natureza; e
permaneço nessa opinião. Mas importa não confundir coisas distintas.
Dizer que a liberdade tem leis, não é negá-la, e bem assim afirmar
que essas leis são as mesmas da natureza não é reduzir o processo
da vida moral à pura mecânica dos átomos, a ações e reações químicas.
Entretanto, em que consiste, o que quer o determinismo? Negar
a liberdade sob o pretexto de que as ações humanas são todas motivadas.
A lei da motivação, diz ele, é uma das formas da lei geral da
causalidade. Os motivos são causas mecânicas a que sucedem efeitos
com a mesma necessidade com que os fenômenos se sucedem no mundo
exterior.
E não é exato que a todo e qualquer esforço consciente, a toda
volição e ação precedem certos motivos? Ou há um esforço imotivado,
puramente espontâneo, que existe de si mesmo e por si mesmo? Muitos
defensores da liberdade ainda crêem que a lei da motivação exclui
o livre querer, isto é, que a liberdade da vontade só é possível
quando esta não é determinada por motivo algum.
Uma tal opinião só podia ser favorável à causa do determinismo.
Desde que se faz assim do acaso e do capricho irracional a essência
da liberdade, desde que o verdadeiro ato livre se considera aquele
que se pratica sem motivo, sem razão alguma, não é muito que os
deterministas achem provas de sua teoria em todos os círculos
da atividade humana, onde se nota uma certa ordem. Uma vez associada
à idéia de liberdade e de confusão e desarmonia, é fácil demonstrar,
pela estatística dos crimes, dos casamentos e outros fatos, onde
os números exercem uma função aproximadamente igual, que a vontade
não é livre. Mas este modo de pensar, admitido por alguns filósofos,
é o mesmo velho ponto de vista dos espíritos incultos que, ainda
hoje, nas relações políticas, não cansam de falar de um "partido
da ordem" e de um "partido da liberdade", como de antíteses dificilmente
conciliáveis, quando não afirmam que a verdadeira ordem está na
liberdade. Em suma, como se vê, uma série, de tolices. Destarte,
obscurecida a idéia da coisa, fazendo-se do caos e da desordem
na vida individual e social o característico da liberdade, os
deterministas, por um lado, descobrem o fatalismo e necessidade,
onde quer que apareça um regular encadeamento dos atos humanos,
e os parvos, por outro lado, estão de acordo que a mais alta expressão
do liberalismo é o domínio do cacete, do barulho, do rebuliço
eterno. Assim, e de conformidade, por exemplo, com os princípios
da sociologia nacional brasileira, como ela é cultivada por vadios
e vagabundos, é um despotismo clamoroso quando a autoridade, invadindo
a terra santa da liberdade, quebra a viola do ocioso cantor popular
e põe um limite aos excessos da bebedeira. Da mesma forma, os
deterministas entendem que o governo da natureza, em relação ao
homem, é sempre despótico, e que não há vontade livre, desde que
os atos só se realizam em virtude de motivos.
Singular doutrina esta, pela qual as manifestações da liberdade
entrariam de direito na categoria da loucura! Com efeito, se o
pressuposto da motivação exclui o livre querer, é lógico admitir
que se são possíveis atos humanos imotivados, onde quer e como
quer que eles se executem, aí, pelo menos, aparece a liberdade.
Mas esses atos são justamente aqueles que os psiquiatras designam
como característicos de qualquer perturbação mental. Para Trousseau,
por exemplo, quase sempre que se dá um assassinato sem motivo,
sem alvo de interesse, sem premeditação, sem ponderação do tempo,
lugar e meios, trata-se do ato de um epiléptico. Eis aí, pois,
a falta de motivação entrando como elemento na diagnose de uma
caso de insensatez. E se aquele quase sempre, em vez de sempre
é para dar conta das exceções, não vejo que os casos excetos possam
ser explicados, senão por uma reversão atavística às épocas de
pura ferocidade humana. Porém, entre um homem de hoje, que perde
a razão, e um homem de hoje, que de repente se asselvaja e se
torna uma fera - qual é a diferença? Como quer que seja, o certo
é que a livre vontade não é incompatível com a existência de motivos;
pelo contrário, eles são indispensáveis ao exercício normal da
liberdade. Com efeito, se a liberdade é alguma coisa, ela consiste
na capacidade que tem o homem de realizar um plano por ele mesmo
traçado, ao atingir um alvo que ele mesmo se propõe.
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Tobias
Barreto, nascido em Sergipe em 1839, faleceu no Recife a 27
de junho de 1889. Fez seu estudos na Faculdade de Direito do Recife.
Sua passagem, tanto pelos bancos acadêmicos como pela cátedra
da Faculdade, ficou famosa. Foi o criador da chamada "Escola
do Recife", o primeiro núcleo de pensamento filosófico
surgido no País, ao qual se filiaram alguns de seus mais
ilustres contemporâneos, notadamente Silvio Romero. Poeta
romântico, autor de "Dias e Noites", distingui-se
como mestre do Direito e como o primeiro a introduzir no Brasil
a filosofia alemã, tendo mesmo escrito originalmente em alemão
alguns de seus trabalhos. O texto que hoje publicamos é de
seu livro "Questões Vigentes".
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