TEÓCRITO E O PENSAMENTO
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Publicado
na Folha de S.Paulo,
sexta-feira, 17 de março de 1978.
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A
ninguém, nem aos deuses nem aos demônios, nem às tiranias da terra
nem às tiranias do céu, foi dado o poder de impedir aos homens
o exercício daquele que é o primeiro e o maior de seus atributos:
o exercício do pensamento.
Podem amarrar as mãos de um homem, impedindo-lhe o gesto. Podem
atar-lhe os pés, impedindo-lhe o andar. Podem vazar-lhe os olhos,
impedindo a vista. Podem cortar-lhe a língua, impedindo a fala.
O direito de pensar, o poder de pensar, porém, estão acima de
todas as violências e de todas as repressões, que nada podem contra
seu exercício. Se assim o quiserem os deuses, se assim o quer
a própria natureza humana, parece claro que não há abuso mais
abominável que o de tentar impor limitações ao pensamento de qualquer
pessoa.
Pretender suprimir o pensamento de quem quer que seja é o maior
dos crimes. Pois não é apenas um crime contra uma pessoa, mas
contra a própria espécie humana, uma vez que é o pensamento o
atributo que distingue o ser humano dos demais seres criados sobre
a face da terra.
É certo que é um crime que não se consuma, pois fica sempre o
terreno da tentativa, como se alguém quisesse violar o inviolável.
O fato, porém, de não se consumar um crime, não quer dizer que
não se caracterize o criminoso. Pois, na verdade, só ao se supor
capaz de sufocar o pensamento de seu semelhante, o autor dessa
suposição cometeu um crime estupendo, contra todos e contra si
mesmo, porque se depravou na intenção de roubar o que não pode
ser roubado, de matar o que não pode morrer.
Os pérfidos juizes de Atenas tiraram a Sócrates o direito de educar
os jovens e o direito de viver. Mas foram impotentes para tirar-lhe
o direito de pensar, exercído por ele até o último hálito da existência.
O ser humano existe enquanto pensa. Quando deixa de pensar, deixa
de existir.
Alguns sofistas andaram ensinando que o homem deixa de pensar
quando deixa de existir. Mas o homem não pensa porque existe,
mas existe porque pode pensar. No dia em que deixar de pensar,
foge-lhe a existência. Pelo menos a existência como ser humano,
pois não se pode dizer que um demente tenha uma existência de
ser humano.
O homem pode pensar bem ou pensar mal, pensar pouco ou pensar
muito. Não há, porém, uma diferença qualitativa, mas há apenas
uma diferença quantitativa no exercício do pensamento de cada
pessoa. Pois, sendo um atributo essencial do homem, todos exercem
com esse atributo uma função qualitativa igual. Assim como o olho
do homem é feito para ver todas as coisas, também a mente é feita
para pensar todas as coisas, assim também uns pensam menos coisas
do que os outros. Mas a qualidade de ver é a mesma em todas as
pessoas, embora varie de uma para a outra a quantidade da coisa
vista.
Ai dos homens que não usam, em toda a sua plenitude, o direito
e o atributo de pensar!
Se um pássaro em pleno vôo parasse subitamente de usar suas asas,
o poder de voar que lhe foi dado, o atributo do equilibrar-se
no ar e viajar as distâncias etéreas, cairia miseravelmente no
chão.
Se um homem pára de pensar, por preguiça ou por estultícia, todos
os desastres lhe podem acontecer. Se seu pensamento não responde
ao que vêem seus olhos, pode jogar-se no fogo e na água, e perecer
queimado ou afogado.
Na vida na cidade, se um homem neutraliza dentro de si o direito
de pensar, a cidade pode ser tomada e dominada pela ferocidade
de um tirano, cujo despotismo levará o povo à morte pela fome,
pela crueldade ou por outras formas de injustiça e prepotência.
E se não o povo todo, pelo menos uma parte do povo, certamente,
será arrastada à opressão, à tortura, ao cárcere ou a qualquer
outra forma de perdição. Os tiranos não gostam que as pessoas
pensem. Fazem um grande esforço para que o pensamento seja deformado,
isto é, perca a sua forma original, isto é, a forma que lhe dá
cada um, tentando estabelecer uma espécie de fábrica de pensamento
pela própria mente, passem a pensar pela mente do despotismo dominador.
Isto aconteceu algumas vezes na Grécia. Mas sempre que o povo
se dispõe a exercer com todo o vigor o seu direito e o seu atributo
de pensar, os tiranos foram destronados, levados ao ostracismo
e os despotismos derrubados.
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Teócrito
de Corinto tem seu nome inscrito entre os neoplatônicos do século
2 de nossa era, presumivelmente. Faz parte do grupo de 32 seguidores
do pensamento socrático, cuja existência nunca foi plenamente confirmada
e cuja obra foi recolhida em fragmentos por Gerhard Wolfius, na
famosa seleção de "apócrifos" da filosofia grega, semelhante à coleção
de Evangelhos apócrifos guardados sobretudo pela Igreja ortodoxa.
O termos apócrifo é empregado, no caso, em seu verdadeiro sentido,
isto é, de autoria desconhecida. O texto que hoje publicamos é da
rara coletânea de Wolfius. "O Pensamento Apócrifo da Grécia".
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