SIMONE WEIL E O TRABALHO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, terça-feira, 11 de abril de 1978
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O
segredo da condição humana é que não
há equilíbrio entre o homem e as forças da
natureza que o cercam e que o ultrapassam infinitamente na inação;
não há equilíbrio senão na ação
pela qual o homem recria sua própria vida no trabalho.
A grandeza do homem é sempre recriar a vida. Recriar o
que lhe é dado. Forjar a própria coisa que o suporta.
Pelo trabalho, ele produz sua própria existência
natural. Pela ciência, recria o universo, por meios de símbolos.
Pela arte, recria a aliança entre seu corpo e sua alma
(vide o discurso de Eupalinos). Note-se que cada uma dessas três
coisas é qualquer coisa de pobre, vazio e de vão,
quando tomada em si mesma e fora das três: - cultura operária
(pode-se continuar esperando)...
O próprio Platão não é senão
um precursor. Os gregos conheciam a arte, o esporte, mas não
o trabalho. O senhor é escravo do escravo, no sentido em
que o escravo é quem fabrica seu senhor. Há duas
tarefas: - 1. - individualizar a máquina; 2. - individualizar
a ciência (vulgarização, uma universidade
popular, de molde socrático, voltada para os fundamentos
dos ofícios).
Trabalho manual. Por que não houve nunca um místico
operário ou camponês que tenha escrito sobre o aproveitamento
da aversão ao trabalho?
Esta aversão, que é tão frequente. É
sempre também ameaçadora - a alma a evita e procura
esconder-se no disfarce de uma reação vegetativa.
Seu reconhecimento é um perigo de morte. E esta é
a origem da mentira tão comum aos meios populares, (há
uma mentira comum a cada nível). Essa aversão é
o fardo do tempo. Reconhecê-la sem se dobrar a ela é
excitante. A aversão sob todas as formas é uma das
mais preciosas misérias dadas ao homem como escada para
subir. Eu, pessoalmente, conheço muito bem a matéria.
O negócio seria transformar toda aversão em aversão
de si mesmo.
A monotonia é o que há de mais belo e mais terrível;
de mais belo, quando é um reflexo da eternidade. De mais
terrível, quando é o índice de uma perpetuidade
sem mudanças: tempo ultrapassado ou tempo esterilizado.
O círculo é o simbolismo da bela monotonia, a oscilação
pendular da monotonia atroz.
Espiritualidade do trabalho. O trabalho faz sentir de maneira
fatigante o fenômeno da finalidade disparada como uma bala:
trabalhar para comer, comer para trabalhar... Se uma dessas duas
coisas é olhada como um fim, ou se uma das duas é
olhada separadamente, estamos perdidos. O ciclo encerra a verdade.
Um esquilo girando em sua gaiola e a rotação da
esfera celeste. Miséria extrema e extrema grandeza. É
quando o homem se vê como um esquilo girando em sua gaiola
circular, que ele já não se mente a si mesmo, e
se coloca a um passo da salvação.
A grande dor do trabalho manual é que somos obrigados a
fazer esforço, durante longas e longas horas, simplesmente
para existir. O escravo é aquele a quem não se propõe
nenhum bem como finalidade de suas fadigas, senão a simples
existência. Não lhe resta, então, senão
ser um alienado ou cair num nível simplesmente vegetativo.
Nenhuma finalidade terrestre deixa de afastar de Deus os trabalhadores.
Eles estão sozinhos nessa situação. Todas
as outras condições implicam fins particulares,
que colocam um biombo entre o homem e o bem puro. Para eles, esse
biombo não existe. Não têm nada em excesso
de que se devam despojar.
Fazer esforço por necessidade e não por um bem-empurrado,
não atraído - para manter sua existência tal
qual ela é - é sempre escravidão. Neste sentido,
a escravidão dos trabalhadores manuais é irredutível.
Um esforço sem finalidade. É terrível - ou
é a mais bela das coisas - se se trata de uma finalidade
sem fim. Só a beleza permite a satisfação
com aquilo que é. Os trabalhadores precisam mais de poesia
do que de pão. Precisam de que sua vida seja uma poesia.
Precisam de uma luz de eternidade. Somente a religião pode
estar na fonte dessa poesia. Não é a religião,
é a revolução que é o ópio
do povo. A privação dessa poesia explica todas as
formas de desmoralização.
A escravidão é o trabalho sem luz de eternidade,
sem poesia, sem religião. Que a luz eterna dê, não
uma razão de viver e trabalhar, mas uma plenitude que dispense
a procura dessa razão. À falta disso, os únicos
estimulantes são a violência e o lucro. A violência
resulta de uma opressão contra o povo. O lucro resulta
da corrupção do povo.
Há alegrias paralelas à fadiga. Alegrias sensíveis:
comer, repousar, os prazeres do domingo... mas não o dinheiro.
Nenhuma poesia toca autenticamente o povo, se nela não
houver fadiga. E a fome e a sede são decorrências
da fadiga.
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Simone
Weil (1909-1943) nasceu em Paris, e foi, possivelmente, a primeira
grande mulher de nosso século a marcar sua presença
no campo da filosofia. Pensou e viveu intensamente. Militou na política
revolucionária, viveu um ano como operária na fábrica
Renault, esteve presa e, quando ameaçada de ter cassados
seus direitos, respondeu à autoridade:
- "Sempre considerei a cassação como o coroamento
normal de minha carreira".
Trotskista militante, durante algum tempo, foi afinal atraída
pela metafísica católica e pela mística, restando,
porém, um pouco obscura a certeza em torno de sua conversão.
Pois, fiel à sua raça, parecia-lhe uma deslealdade
abandoná-la nos dias da perseguição nazista.
Mas estava profundamente tocada pela inspiração divina
da fé cristã. Morreu durante a guerra. Conheceu a
humilhação e a fome. O texto que hoje publicamos é
de sua obra "La Pesanteur e la Grace".
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