SEXTO EMPÍRICO E O CETICISMO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, terça-feira, 4 de abril de 1978.
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O
princípio causal da filosofia cética é a
esperança de alcançar a serenidade, pois os homens
de natureza nobre, perturbados pelas anomalias que há nas
coisas em geral, e não sabendo em qual delas se encontra
a verdadeira face das coisas, começam a investigar sobre
o que é falso e o que é verdadeiro, na esperança
de chegarem à descoberta da verdade. Mas o princípio
fundamental da filosofia cética é, antes de tudo,
o fato de que a toda razão se opõe outra razão
equivalente. E é isto que nos leva a não dogmatizar.
Dizemos, contudo, que o cético não dogmatiza. E
isto não no sentido em que alguns definem o dogma como
a aprovação comum de uma coisa. Pois o cético
não rejeita as impressões impostas pela fantasia.
Quando, por exemplo, sente frio ou calor, não exprimirá
uma dúvida sobre o que realmente estiver sentindo.
O cético, porém, não dogmatiza, no sentido
em que se define o dogma como a concordância com alguma
coisa obscura, sujeita ainda à investigação
da ciência. Pois o verdadeiro pirrônico não
sustenta nada que não esteja definitivamente esclarecido.
O cético não dogmatiza sequer ao enunciar os princípios
do ceticismo sobre as coisas obscuras e não usa expressões
como esta: "não se pode dizer nada sobre isso",
ou "não defino nada disso", ou outras semelhantes.
Pois, desse modo, estaria dogmatizando, uma vez que sempre que
se estabelece um principio ou uma máxima, pretende-se estabelecer
uma verdade absoluta e, pois, fundar um dogma.
O cético entende, com efeito, que a máxima "tudo
é falso" traz, obviamente, consigo, a afirmação
de sua própria falsidade, uma vez que, se tudo é
falso, também há de ser falso dizer que tudo é
falso. Da mesma forma, sustentar que "nada é verdade",
é o mesmo que dizer que o que se está dizendo com
isso também não é verdade, e assim, qualquer
máxima, princípio, ou sentença constitui
uma negação do ceticismo.
Se uma pessoa dogmática estabelece como real aquilo que
dogmatiza, enquanto o cético enuncia suas afirmações
de modo a circunscrevê-las virtualmente dentro de si mesmas,
não se pode dizer que, ao proferi-las, esteja dogmatizando.
E o que é ainda mais importante: ao enunciar suas
afirmações, ele apenas está dizendo aquilo
que lhe parece, expondo sua própria impressão adogmaticamente,
sem assegurar nada sobre outras possibilidades de verdade.
Podem perguntar-nos se o ceticismo é uma seita. Se se entende
por seita a adesão a muitos dogmas, decorrentes uns dos
outros e em conexão com fenômenos que se sucedem
e se se entende por dogma a atribuição de
verdade a uma coisa obscura então diremos que o ceticismo
não é uma seita.
Mas se por seita se entender a diretriz que resulta de um raciocínio
apoiado no fenômeno, indicando esse raciocínio o
modo de vida que parece correto, e correto tanto no sentido da
virtude como num sentido geral, de viver retamente, então
podemos dizer que o ceticismo também é uma seita.
Pois adotamos um modo de raciocinar apoiado no fenômeno
que nos ensina a viver de acordo com os costumes de nossa pátria,
com nossas próprias leis, nossas tendências e nossas
impressões...
Parece necessário indagar qual é a finalidade do
ceticismo. O fim do cético é a serenidade diante
da opinião e a moderação nas paixões
necessárias. Na verdade, o cético começa
a filosofar quando tenta julgar quais as fantasias que são
falsas e quais as que são verdadeiras, a fim de alcançar
a própria serenidade. Mas quando não consegue superar
as discrepâncias com que se defronta, abstém-se,
então, de proferir um julgamento.
A essa abstenção sucede, então, imediatamente,
como por acaso, a tranquilidade diante do que deve opinar. Com
efeito, o que crê que algo é bom ou mau por natureza,
está em contínua perturbação da própria
paz. E quando não consegue definir o que é bom e
o que é mau, julga-se perseguido pela maldade da natureza,
e passa a procurar o que é bom com todo o empenho de que
é capaz. Uma vez encontrado, aumentam suas angústias,
temendo vir a perder o que encontrou, ao surgir-lhe uma nova forma
de verdade.
Ao cético acontece o que aconteceu ao pintor Apeles. Dizem
que um dia, pintando um cavalo, Apeles tentou inutilmente reproduzir
no focinho do animal a espuma que ali às vezes se produz.
Tentou por todos os modos, e não o conseguiu. Desesperado,
lançou contra o quadro a esponja com que limpava os pincéis.
Esta, ao tocar a pintura, reproduziu incrivelmente o que parecia
ser a espuma no focinho do cavalo. Assim também os céticos:
ao desistirem de aclarar os números e os fenômenos,
chegam, de repente, à serena verdade, que surge como por
acaso, acompanhando o pensamento como a sombra acompanha o corpo.
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Sexto Empírico, geralmente considerado como o último dos
grandes filósofos gregos, continuador de Pirro, viveu no século
II de nossa era. Foi médico em Alexandria, onde existia um grupo
dedicado a um tipo de medicina experimental. Pouco mais se sabe
de sua vida. Dele, porém, se conservam três obras importantes: as
"Hipóteses pirrônicas", os seis livros "Contra os Matemáticos" e
os cinco livros "Contra os Dogmáticos". Partindo do pensamento Pirrônico,
foi o verdadeiro fundador da Escola Cética, na qual, de certa forma,
deita suas raízes a moderna fenomenologia, especialmente em Husserl.
Excelentes fontes sobre sua obra, da qual não há tradução em português,
são os estudos de A. Goedeckemeyer, "Die Geschichte Des Griechischen
Philosophie".
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