SÊNECA E OS PERSEGUIDOS
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Publicado
na Folha de S.Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1978
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Maus
não são os que parecem ser, os que apenas parecem ser. E o que
tu chamas de asperezas, adversidades, abominações, são coisas
até proveitosas às pessoas que as têm de suportar, e mesmo a todos
os homens, pelos quais velam os deuses, os sofrimentos, injustamente
impostos, acabam tornando-se merecimento para os que os recebem
e castigo para os que se livram deles a qualquer preço.
Em geral, as perseguições atingem os bons, exatamente porque são
bons. Não chores sobre o sofrimento dos bons, para que não se
tenha a idéia de que eles são desventurados. Não te espantes,
se te digo que ser esmagado pela perseguição não é, geralmente,
uma desgraça para o homem, mas antes uma felicidade e uma honra.
"Mas será proveitoso - perguntas - ser lançado ao exílio, reduzido
à indigência, ter de enterrar a esposa e os filhos, ser vilipendiado
pela ignomínia e mutilado pela tortura?" Se te parece estranho
que isso seja proveitoso, também te há de parecer estranho que
alguns sejam curados com ferro e fogo, como pela fome ou pela
sede. Mas se considerares que a alguns, por remédio heróico, lhes
quebram e arrancam os ossos, lhes extraem veias e amputam determinados
membros, que não poderiam ficar unidos ao resto do corpo sem prejudicá-lo,
também hás de reconhecer, forçosamente, que certos males beneficiam
aos que os suportam.
Da mesma forma certas vantagens, certos prazeres, certas recompensas
e honrarias aviltam e desfiguram aos que delas se beneficiam.
Entre muitas e magníficas sentenças de nosso Demétrio, há uma
de que sempre me lembro, e que diz que nada parece mais infeliz
do que o homem que nunca sofreu contrariedades, pois, assim, nunca
foi provado. Os deuses o desprezam, não lhe dando oportunidade
de construir sua fortaleza de ânimo e vencer as injustiças.
É próprio dos poucos dignos não sofrer perseguições, pois estão
sempre de acordo com os poderosos, como se dissessem: - "Para
que vou me opor a um adversário temível? Sobre estes, o opressor
nem precisará descer sua mão pesada. Acovardam-se com um simples
olhar. O próprio opressor os despreza, e respeita mais aqueles
que o enfrentam com valor, mesmo quando são esmagados. O próprio
opressor gosta de medir suas forças com quem também tem força,
e tem vergonha de lutar contra um homem resignado à derrota e
à submissão. O gladiador considera uma ignomínia combater com
um inferior e sabe que o vencido sem perigo é um vencido sem glória.
Assim também procede a fortuna: busca os mais fortes, os que não
têm medo, os mais tenazes. Prova a Múcio com o fogo, o Fabrício
com a pobreza, a Rutilo com desterro, a Régulo com a tortura,
a Sócrates com o veneno, a Catão com a morte. Só na adversidade
se encontram as grandes lições de heroísmo. Será que Múcio foi
um infeliz ao segurar na mão direita a tocha acesa e ao infligir-se
a si mesmo o castigo de seu erro, pondo em fuga com a mão queimada
o rei que não pudera afugentar com a mão armada? Teria alcançado
gloria maior se estivesse acalentando a mão no seio de uma amiga?
E Fabrício, ao lavrar seu pequeno campo, nas horas de folga do
exercício do governo, no qual fazia a guerra tanto a Pirro como
às riquezas, e porque, à luz da lamparina de sua casa modesta,
não come outra coisa senão as raízes e as ervas que plantou e
colheu com suas próprias mãos?
E Rutilo, será um infeliz por ter sofrido uma condenação da qual
os juizes que o condenaram se envergonharão através dos tempos,
e por ela responderão ao longo dos séculos? O que o honra, exatamente,
é a grandeza com que se portou diante dos juizes perversos, e
preferiu perder o direito de viver na própria pátria, negando-se
sempre a negociar sua consciência com Sila, o ditador, a quem
respondeu viajando ainda mais longe de Roma, quando o tirano o
convidava a voltar. Sua resposta altiva ao ditador era que ficasse
ele com os que se compraziam na submissão e contemplavam sem revolta
o sangue derramado na rua e as cabeças dos senadores do povo no
lado serviliano e as hordas de assassinos rondando soltos a cidade,
e os milhares de cidadãos romanos degolados num mesmo lugar, depois
de haverem jurado fidelidade, e até exatamente por isto. Fiquem
com tudo isso - dizia o exilado - os que preferem a desonra ao
desterro. E a Régulo, a quem torturaram, arrancaram a pele, encheram-lhe
o corpo de feridas, obrigaram-no a não dormir - quem era superior:
ele, ou os torturadores? Seu tormento foi grande, mas sua glória
foi maior. Porque sofria pela causa do povo romano.
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Sêneca
- Lúcio Eneo Sêneca - nasceu em Córdoba,
no ano 4 antes de Cristo. Morreu em Roma, em 65, de nossa era. Filho
de Sêneca, o Retórico, é o mais importante dos
filósofos do neo-estoicismo latino. Recebeu excelente educação
na Espanha e mudou-se para Roma, a fim de exercer a advocacia. Teve
êxito e, por isto mesmo, provocou a perigosa hostilidade de
Calígula, o que o obrigou a abandonar a vida pública,
consagrando-se, então, à filosofia estóica.
Foi ministro de Nero, reuniu enorme fortuna, caiu em desgraça
e Nero ordenou-lhe que se matasse. Com perfeita serenidade estóica,
abriu as veias e matou-se. Escreveu vários tratados e uma
série de cartas. O texto que hoje publicamos é de
seu tratado sobre a providência.
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