SCHOPENHAUER E A HONRA
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sábado, 7 de janeiro de 1978
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Se
as pessoas insistem que honra é mais cara que a própria
vida, o que elas querem dizer é que a existência
e o bem-estar são insignificantes se comparados com as
opiniões dos outros. É claro que isto pode ser uma
forma exagerada de exprimir a verdade prosaica de que a reputação
- a opinião que os outros têm de nós - é
indispensável se desejamos fazer algum progresso no mundo.
Nada na vida dá ao homem tanta coragem como a renovada
convicção de que os outros o olham simpaticamente.
Isso significa que todos se aliam para dar-lhe a ajuda e proteção
que constituem um bastião infinitamente mais vigoroso contra
as incertezas da vida do que qualquer outra coisa.
Os fundamentos últimos da honra residem na convicção
de que o caráter moral é inalterado: uma única
má-ação implica no reconhecimento de que
futuras ações do mesmo gênero, sob as mesmas
circunstâncias, serão igualmente ruins.
Fama é algo que deve ser conquistado; honra é apenas
algo que não deve ser perdido. A ausência de fama
é a obscuridade que é apenas uma negação,
mas a quebra da honra é uma vergonha, que é algo
concreto e positivo.
A honra concerne apenas àquelas qualidades que se espera
encontrar em qualquer um em circunstâncias similares. A
fama concerne apenas às qualidades que não se podem
exigir em todos os homens. Qualquer um pode atribuir-se a honradez.
A fama só pode ser atribuída por outros. Enquanto
nossa honorabilidade se estende tão longe quanto o conhecimento
que as pessoas têm de nós, a fama se antecipa correndo
e faz-nos conhecidos entre gente que não nos conhece. Qualquer
um pode considerar-se apto à honra, poucos porém
podem considerar-se capacitados para a fama obtida somente diante
de conquistas extraordinárias.
Nenhuma diferença de classe, posição ou nascimento
é tão grande quanto o abismo que separa os incontáveis
milhões de criaturas que usam suas cabeças como
instrumentos de seus estômagos e aqueles poucos e raros
indivíduos que têm a coragem de dizer: "não!"
Comparados com os respectivos períodos de vida, os homens
de grande intelecto assemelham-se a altos edifícios construídos
num pequeno lote de terreno - o tamanho da construção
não poder ser avaliado por ninguém que esteja no
terreno. Por razões análogas, a grandeza dos gênios
ou heróis não pode ser estimada enquanto vivem.
Passado um século, o mundo reconhece os valores, mas é
tarde demais.
Todo herói é um Sansão. O homem forte sucumbe
à intriga e às artimanhas dos fracos e se no fim
ele perde a paciência, esmaga os miúdos e se soterra.
Ou então ele é como Gulliver em Liliput - um poderoso
gigante dominado por um enxame de homens minúsculos.
É natural que grandes mentes - os verdadeiros mestres da
humanidade - menosprezem a companhia de grupos. Como o professor
que não se inclina a participar da zoada dos alunos. A
missão destas grandes almas é guiar seus semelhantes
do mar de erros ao porto da verdade, tirá-los do abismo
da vulgaridade para a luz do refinamento. Os seres de grande intelecto
vivem no mundo sem contudo pertencer a ele. Desde cedo percebem
uma diferença entre eles e o resto da humanidade, mas é
só com o passar dos anos que compreendem suas posições:
seu isolamento intelectual é uma necessidade criadora e
sua vida reclusa uma imposição para salvá-la
do desgaste.
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Arthur
Schopenhauer (1788-1860), filósofo alemão, profundamente
pessimista, atribuía à vontade humana papel capital.
Sua obra mais importante é justamente "O Mundo Como
Vontade e Idéia". Certo do sucesso de sua obra, ficou
muito amargurado quando os críticos a receberam com reservas.
Sua posição confrontava com a de Hegel, com o qual
se engajou em debates, mas não conseguiu superá-lo.
Isto amargurou-o ainda mais, levando-o a viver uma vida solitária
e reclusa. Pessoalmente era um homem estranho, obcecado por medos,
dormindo sempre com uma pistola carregada. Seu estilo de vida irradiou-se
para suas concepções, dando-lhe a conotação
pessimista que acabou por caracterizá-lo. O texto abaixo,
selecionado por Mortimer Adler é composto de trechos de vários
escritos de Schopenhauer: "O Gênio", a "Reputação,
"As Nossas Relações Conosco" (Ed. Bower,
N.Y.).
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