ROUSSEAU E A EDUCAÇÃO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, domingo, 2 de novembro de 1977
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Nascemos
fracos, precisamos de força, nascemos desprovidos de tudo, temos
necessidade de assistência.
Tudo o que não temos ao nascer e de que precisamos quando adultos,
é-nos dado pela educação. Essa educação nos vem da natureza, ou
dos homens ou das coisas. O desenvolvimento interno de nossas
faculdades e de nossos órgãos é a educação da natureza. O uso
que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento é a educação dos
homens, e o ganho da nossa experiência sobre os objetos que nos
afetam é a educação das coisas.
A educação é uma arte e, sendo assim, torna-se quase impossível
que alcance êxito total. A ação necessária a esse êxito não depende
de ninguém. Tudo o que se pode fazer, à força de cuidados, é aproximar-se
mais ou menos da meta, mas é preciso sorte para atingi-la. Que
meta será esta? A própria natureza. Dado que a ação dos três tipos
de educação é necessária à sua perfeição, é para aquela sobre
a qual nada podemos que cumpre orientar as duas outras. Não encaro
como instituição pública esses estabelecimentos ridículos a que
chamam colégios. Não levo em consideração a educação da sociedade
porque esta educação tende para dois fins contrários e erram ambos
os lados.
Só serve para fazer homens de duas caras, parecendo sempre tudo
subordinar aos outros e não subordinando nada, senão a si mesmos.
Temos que estudar a condição humana. Quem entre nós melhor suportar
os bens e o males desta vida, será o mais bem-educado. Daí decorre
que a verdadeira educação consiste menos em preceitos e mais exercícios.
Começamos nossa instrução quando começamos a viver - nossa educação
começa conosco. É preciso generalizar nossos pontos de vista e
considerar em nosso aluno o homem abstrato, o homem exposto a
todos os acidentes da vida humana. Se os homens nascessem arraigados
ao solo de um mesmo país, se a mesma estação durasse o ano todo,
se cada qual prendesse o seu destino de maneira a nunca poder
mudar, a criança educada para uma única condição estaria bem protegida.
Mas dada a extrema mobilidade das coisas humanas, poder-se-á conceber
um método mais insensato do que o de educar uma criança para nunca
sair do quarto, sempre cercada dos seus? Se o infeliz dá um só
passo na terra, se desce um degrau, está perdido. Não se pensa
senão em conservar a criança - não basta. Deve-se-lhe ensinar
a conservar-se em sendo homem, a suportar golpes de sorte, a enfrentar
a opulência e a miséria. Por maiores precauções que tomeis para
que esta criança não morra, terá que morrer, um dia. Portanto,
é preciso prepará-las para enfrentar a morte. Viver não é respirar,
é agir. O homem que mais vive não é aquele que conta com maior
número de anos e sim, o que mais sente a vida. Toda nossa sabedoria
consiste em preconceitos servis, todos os nossos usos não são
senão sujeição, embaraço e constrangimento.
O homem civil nasce, vive e morre na escravidão. Nos países em
que não se enfaixam os recém-nascidos (para dar-lhes forma e consistência),
onde não se tomam tais precauções extravagantes, os homens são
mais altos, fortes, proporcionados. Nos rincões onde se enfaixam
as crianças, é onde justamente nascem mais corcundas, mancos,
coxos e raquíticos. Do medo que os corpos se deformem com movimentos
livres, a sociedade apressa-se em deformá-los, imprensando-os.
De bom grado torná-los-iam paralíticos desde que não vivessem
totalmente livres e soltos. É preciso meditar sobre esta busca
da perfeição tão imperfeita. Suponhamos que uma criança tivesse,
ao nascer, a estatura e a força de um homem feito que saísse com
todos os seus meios de ação do ventre da mãe como Palas saiu do
cérebro de Júpiter. Este homem-criança seria um perfeito imbecil,
autômato, estátua imóvel e quase insensível. Este homem formado
repentinamente não saberia nada. A diferença entre ele e um homem
que se forma gradativamente é uma só: a educação. Ficaríamos surpresos
com os conhecimentos do homem mais bronco se seguíssemos seu progresso
desde o momento em que nasceu até aquele em que chegou. Se a ciência
humana fosse dividida em duas partes, uma comum a todos os homens
e outra, peculiar aos sábios, esta seria bem pequena em comparação
com a outra. Tudo é instrução para os seres animados e sensíveis.
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Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778) filósofo, ensaísta, músico,
novelista e enciclopedista, nasceu na Suíça. Autodidata,
teve uma vida errante, triste e polêmica. São famosas
as discussões que teve com antigos companheiros como Diderot
e Hume. Sua mais famosa obra é "Contrato Social".
Apesar de os cinco filhos de uma união legítima terem
sido entregues a um orfanato ou, talvez, por isto, Rousseau preocupou-se
enormemente com o problema das crianças. "Emílio,
ou Da Educação" é seu mais importante
trabalho neste campo, onde coerentemente suas idéias libertárias
e igualitárias conjugam-se com seu pensamento sobre a preparação
dos homens para a vida. O texto acima foi extraído e adaptado
do primeiro livro de "Emílio, ou Da Educação",
em versão brasileira (tradução de Sérgio
Milliet, Difel).
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