PLATÃO E A EDUCAÇÃO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, quinta-feira 16 de fevereiro de 1978
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Tão
logo começa uma criança a compreender as coisas
que lhe dizem, a babá, a mãe, o professor e até
o próprio pai se empenham para que ela se torne a mais
perfeita das criaturas. Em tudo o que faz ou diz, se intrometem
para dizer-lhe o que é justo e o que é injusto.
De uma coisa dizem que é bela, de outra que é hedionda,
apontam os gestos que seriam piedosos e os que seriam de impiedade
e enchem os dias da criança com a história do "faça
isto", "não faça aquilo".
Há, então, duas hipóteses: ou a criança
obedece mansamente, ou resiste. Se resiste, ameaçam-na
com pancadas, tratando-a como uma vara torta que precisa ser endireitada.
Em seguida, quando a mandam para a escola, enfatizam a preocupação
de cuidar mais do que se chama a "formação"
da criança, do que propriamente de sua instrução
no aprendizado das letras e da cítara.
Os mestres, por sua vez, não têm outra orientação:
depois que as crianças aprendem a ler e conseguem compreender
os mistérios da escrita com a mesma facilidade com que
entendem a palavra falada, são obrigadas a ler nos bancos
escolares as obras dos grandes poetas e a decorar seus poemas.
E isto, apenas para se impressionarem com as digressões,
os elogios e as celebrações da valentia dos antigos,
a fim de que a criança se sinta também estimulada
a imitar os grandes homens e se esforce para parecer com eles.
Os mestres de cítara, por outro lado, fazem a mesma coisa:
o que lhes importa é levar os jovens a serem bons e terem
um comportamento correto. Depois que conseguem tocar seu instrumento,
são introduzidos no aprendizado dos grandes poetas líricos,
cujas obras executam na cítara. Dessa forma, fazem com
que os ritmos e as harmonias penetrem na alma das crianças,
de modo que se tornem civilizadas e, dotadas de sensibilidade
ao ritmo e à harmonia, consigam ser hábeis no manejo
da palavra e na prática das ações.
Na verdade, toda a vida humana tem necessidade de ritmo e de harmonia.
Além disso, mandam as crianças ao professor de ginástica,
para que se aprimorem suas condições físicas,
devendo o corpo servir a uma espírito são, a fim
de não se dobrar à covardia, que é muitas
vezes provocada pela debilidade do corpo, tanto na guerra como
nas atividades da vida quotidiana.
É claro que esse tipo de tratamento é privilégio
das pessoas de maiores posses. Os de maiores posses são,
obviamente, os ricos e, assim, seus filhos começaram a
ir à escola mais cedo do que os outros e a cursam durante
tempo mais longo. Depois de estarem livres da escola, o Estado
encarrega-se de fazer com que aprendam as leis, aprendendo também
a viver de acordo com elas, a fim de não cometerem irregularidades.
Pois a cidade é como um mestre-escola. O mestre-escola
traça e conta as letras com seu estilete para os meninos
que não sabem ainda escrever. Depois, entrega-lhes as tabuinhas,
para que eles copiem as letras talhadas, e assim aprendam a fazê-las.
O Estado faz a mesma coisa: depois de haver escrito as leis, criadas
todas elas por bons e antigos legisladores, providencia para que
os jovens sejam mandados por elas.
Todo aquele que transgredir a lei, sabe que será castigado.
Por isso, cumprir um castigo chama-se, em nossa cidade, como em
muitas outras, "prestar contas". Pois, na verdade, o
sentido que deve ter o castigo da transgressão da lei é
o de prestação de contas à Justiça.
Usando de tantos cuidados com a virtude pública e privada,
não se podes espantar, ó Sócrates, nem pôr
em dúvida esta verdade: - A virtude pode ser ensinada às
pessoas. E isto não pode causar espanto, pois o que seria
espantoso era que a virtude não pudesse ser ensinada.
Em meu entender, Sócrates, a parte principal da educação
de um homem é ser entendido em poesia. E isso não
consiste noutra coisa senão na capacidade de entender as
palavras dos poetas, pelas quais se vê o que é sem
efeito e o que não é, e se aprende a distinguir
e dar as suas razões a qualquer interlocutor. Muitos entenderam,
ontem como hoje, que a educação dos lacônios
era mais pela filosofia do que pela ginástica, como deve
ser próprio de um homem educado.
As palavras concisas e memoráveis (de nossos sábios)
confirmam a qualidade a superioridade dessa sabedoria. Foram eles
que, numa reunião no templo de Delfos, dedicaram a Apolo
as principais frases de seu saber, inscrevendo aquelas sentenças
que todos louvam: "Conhece-te a ti mesmo" e "Nada
em excesso". Por que é que digo isto? Porque essa
concisão lacônica definia o caráter de nossa
antiga filosofia, da qual os sábios louvavam também
uma frase muito divulgada, que dizia: - "É difícil
ser bom".
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Platão
(427-347 a.C.), como Sócrates, seu mestre era ateniense e
o mais importante dos discípulos do verdadeiro pai da filosofia
grega. Aristocrata, abandonou todas as posições políticas,
para consagrar-se à filosofia. Sonhou fundar um Estado ideal
em Siracusa, criou a mais famosa das escolas filosóficas
de todos os tempos, nos arredores de Atenas, pelo caminho de Elêusis,
a Academia. Suas obras estão conservadas quase em sua integridade.
A forma de exposição de seu pensamento é habitualmente
o diálogo, salvo nas "Leis". De tão conhecidos,
parece desnecessário enumerar seus diversos diálogos,
que evocam as lições de Sócrates. O texto que
hoje publicamos é um desses diálogos, o "Protágoras".
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