PLATÃO E O POLÍTICO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 26 de outubro de 1977.
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onde encontrar o caminho pelo qual chegaremos à compreensão do
que é o político? É mister que o separemos dos demais, diferenciando-o,
procurando o que lhe é característico. Poderemos, então, admitir
que o político, o rei, o senhor dos escravos e o cabeça do casal
são uma só coisa ou haverá tantas ciências ou artes para cada
uma destas funções? Imaginemos que um leigo seja capaz de dar
conselhos a um médico. Não deveríamos chamar este leigo de médico?
Se um cidadão qualquer é capaz de dar conselhos ao soberano de
um país, não poderíamos dizer que nele está a ciência dos soberanos?
Aquele que possuir a ciência dos reis, sendo rei ou simples cidadão,
não terá direito, em virtude de sua arte, ao título real? Poderíamos
dizer o mesmo do senhor dos escravos ou do cabeça do casal, pois
há diferença entre o governo de uma família e o de uma cidade.
Um rei, para manter-se no poder, não recorre à força das mãos
ou ao vigor do seu corpo, mais apóia-se na força da sua inteligência
e da alma. Então diremos que as ciências dos reis têm muito mais
relação com a ciência teórica do que com as artes manuais ou práticas.
A ciência política e a prática das ciências políticas são uma
só. Um construtor trabalha como operário mas dirige os operários,
sabe como a obra terminará.
Em toda ciência pura devemos distinguir uma parte à qual chamaremos
diretiva e outra à qual chamaremos crítica. Onde colocar o rei?
Na arte crítica, como simples espectador ou na arte diretiva,
já que sua função é ordenar? A ciência real não dirige, do mesmo
modo que a arquitetura, coisas imóveis é sobre seres vivos
que reina. Mas os seres vivos dividem-se em muitas espécies. É
preciso distinguí-las. Nesta classificação e arranjo espontaneamente
se revelaria a arte de pastorear os homens em comunidades.
Como poderíamos, supondo existir uma arte à qual coubesse cuidar
dos rebanhos bípedes, tê-la por certa e, desde logo, dizer que
essa arte é a dos reis e a dos políticos?
Primeiramente devemos precisar-lhe o nome, discernindo os cuidados
pela comunidade dos outros cuidados. Depois, é preciso separar
os cuidados impostos pela força, dos cuidados aceitos de boa vontade.
Reis e tiranos distinguem-se pela maneira de governar. Mas existem
outras funções assemelhando-se à função de cuidar dos homens,
sem contudo ter o mesmo objetivo real. Arautos, por exemplo, à
força de nos prestarem serviços, tornam-se hábeis letrados. Existem
outras que, por força do convívio com a arte de cuidar dos homens,
levam-se às magistraturas. São servidores das cidades e, não,
autoridades das cidades. São pretendentes à política, assim como
o são os adivinhadores e a classe sacerdotal. No Egito, um rei
não pode reinar se não possuir dignidade sacerdotal. Entre os
gregos, confia-se aos mais altos magistrados a realização de importantes
sacrifícios rituais. Mas esta proximidade na administração pública
fará deles reis?
O governo real depende de uma ciência e, não, de uma ciência qualquer.
Como vimos, ela se compõe de uma parte diretiva e outra crítica.
Podemos acreditar que numa cidade toda multidão seja capaz de
adquirir esta ciência? Só se a política fosse a mais fácil das
artes. Assim como os médicos quer nos curem contra ou por
nossa vontade os chefes políticos seriam os possuidores
da ciência verdadeira e não de simulacro de ciência. Tanto na
medicina como na política o que importa é a justiça com que é
aplicado o conhecimento. Constituições são necessárias para regular
a vida entre os homens, são como os regulamentos das competições.
Mas se alguém conhece leis melhores do que as existentes não tem
o direito de dá-las à própria cidade, senão com o consentimento
de cada cidadão. De outro modo, não. Um médico que não procura
dissuadir seu paciente que nome se dará a esta violência?
Como chamaríamos aquele que peca contra a arte da política? A
ação política é capaz de combinar, num perfeito e único estofo,
tecidos diferente tais como os caracteres enérgicos e os moderados.
O homem real e o homem político podem dar à sua cidade esta combinação
ideal.
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Platão,
filósofo ateniense, morreu em 347 a. C., com mais de 80 anos. Jamais
se casou e viajou muito. De uma família de políticos aristocráticos
derrotados pela facção democrática (demagogos), seu pensamento político
é elitista. Aparentemente foi discípulo de Sócrates que aparece
com frequência em suas obras, utilizando-se de "método socrático"
sob forma de diálogos. Sua "República" tornou-se símbolo do Estado
ideal, ainda que dentro da visão aristocrática. O trecho acima foi
extraído e adaptado do diálogo "Político", conversação entre dois
personagens, "Jovem Sócrates" e "Estrangeiro", cabendo a este a
doutrinação e ao outro acompanhamento. O texto utilizado dos "Diálogos",
da Editora Globo.
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