MASSILON E AS MORTES DO HOMEM
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sábado, 25 de março de
1978
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Comemora-se
no sábado de Aleluia a Ressurreição de Cristo
Jesus. A comemoração é precipitada, pois,
como se sabe, a data exata da ressurreição é
o domingo. Mas é tão grande a alegria da Igreja
por esses acontecimento excepcional, que, como se não pudesse
conter-se, começa a celebrá-lo de véspera.
E tem razão. Pois nem a própria Igreja existiria,
se Cristo não houvesse ressurgido, tudo o que Ele pregara
e ensinara seria falso, como ensina São Paulo, sem essa
confirmação maior de sua divindade.
O dia da Ressurreição do Cristo, irmãos,
deve levar-nos à reflexão de todas as ressurreições
que nos estão reservadas a nós, filhos e seguidores
de sua lição e herdeiros de seu legado. Pois, na
verdade, o poder da morte, que é, no fundo, o poder do
pecado, o poder das trevas, nos ronda a cada momento. Mas, assim
como morremos ou podemos morrer muitas vezes ao longo da vida,
também muitas vezes podemos encontrar nossa própria
ressurreição.
Pior do que morrer, é matar. Matar-se a si mesmo ou aos
outros. O homem mata seu semelhante toda vez que comete contra
ele uma injustiça. O senhor que não paga ao seu
servidor o salário que ele merece e de que precisa para
o seu sustento e para o sustento de seus filhos, está matando,
cada dia, o servidor injustiçado.
O juiz que não contempla o acusado com a sentença
correta, ditada pela justiça, mas pelo ódio ou pela
subserviência aos poderosos, está matando aquele
que chega ao seu tribunal com fome e sede de justiça. O
governante que não dá aos seus súditos a
liberdade de reclamar os seus direitos, também os mata
nalguma parte de seu ser.
Nem se fale daqueles que, encarregados de exercer o poder do rei
sobre o povo, arrastam um pobre ao cárcere pelo imposto
extorsivo que não pode pagar. E, pior do que isto: trancam
nas masmorras os homens livres que desejam ver o povo esclarecido
sobre as coisas do reino, que não é propriedade
dos tiranos e dos déspotas, nem mesmo dos governos honrados,
mas de todas as gentes que vivem em sociedade na mesma nação.
Depois de Deus, ninguém exerce mais assiduamente o poder
de morte sobre os homens do que os governos. Mas enquanto Deus
toma a vida terrena do homem, para premiá-lo com outra
vida melhor, os governantes que a arrebatam aos seus súditos,
não lhes dão nada em troca, nem pior, nem de melhor.
E não dão, porque, tirando a vida ao homem, não
dispõem de qualquer bem que compense tão grande
perda. Ninguém pode tomar de seu semelhante uma coisa que
não possa ser restituída. E quem pode restituir
a vida a um defunto, diante do qual os mais sábios médicos
se mantêm perplexos e impotentes?
O que fere seu irmão com uma palavra caluniosa, com um
dito de injúria e com alguma difamação, está
cometendo um assassinato de honra de seu semelhante. Pois é
tão terrível morrer na própria honra como
morrer na própria carne.
O que se serve da força física ou da proteção
dos poderosos para submeter seus irmãos à truculência
das torturas físicas, golpeando-lhe o corpo, que é
um templo do Espírito Santo, que é a imagem e semelhança
de Deus, a projeção física dessa imagem e
semelhança, está agredindo o próprio Deus,
e matando sua imagem no corpo que ultraja com a violência
de um poder mal colocado em mãos iníquas.
O Cristo Jesus sofreu todas essas mortes. Foi injuriado, caluniado
e difamado, quando o trataram de embusteiro, matando-o em sua
honra e em sua identidade maior. Mataram-no e continuam matando-o,
toda vez que negam o pão-de-cada-dia aos seus filhos, que
já não contam com sua presença física
para a multiplicação dos peixes.
Não contentes com todas as mortes infringidas a Jesus,
culminaram com a morte propriamente dita, quando, depois de interrogatórios
em que O mataram pela humilhação, pela tortura,
acabaram matando-o pela morte da cruz, tentando mesmo matar sua
própria memória, quando lhe deram por companheiros
de agonias dois ladrões. Para que amanhã se dissesse
dele também que era um ladrão entre os outros.
Mas Jesus ressurgiu de todas as suas mortes. E nada há
mais consolador para os que todo dia morrem, de fome e de sede
de justiça, morrem de humilhação, de enfermidades,
de agressões, para os que morrem de qualquer forma, em
sua honra, em sua reputação, em sua integridade
pessoal, morrem pelo ferro, pela palavra ou pela enfermidade,
do que o exemplo e a promessa da ressurreição de
Jesus Cristo. Porque um dia, todos serão ressuscitados,
na justiça e na glória, para a história do
mundo ou para a eternidade.
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Jean Baptiste Massillon (1663-1742) é considerado um
dos maiores oradores sacros da Igreja Católica. Pregador
da capela real, alcançou fama extraordinária com algumas
de sua orações fúnebres, e com a sequência
de seus Sermões da Quaresma em Montpellier. Professor dos
seminários de Montbrisson, Viena e Magloire. Pregou no púlpito
de Saint-Honoré, e sua fama de pregador foi tão grande
como a de Bossuet e Bourdalone. Foi famoso seu sermão sobre
o pequeno número dos eleitos, que provocou o pranto e o terror
de toda a corte francesa. Escreveu vária obras filosóficas
e morais, e o texto que hoje publicamos é um fragmento de
um se seus sermões sobre o sábado de Aleluia.
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