MARITAIN E A LIBERTAÇÃO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 1978
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A
liberdade de cada ser humano deve ser protegida. O homem deve
trabalhar para subjugar a natureza material pela indústria.
A cidade deve ser forte e defender-se eficazmente contra as ações
dissolventes e contra seus inimigos eventuais.
Todas essas coisas são necessárias, mas não
definem o objeto essencial e primordial do agrupamento político.
A obra política para a qual deve tender tudo isto é
a boa vida humana da multidão, o melhoramento das condições
da própria vida humana, o aperfeiçoamento interno
e o progresso - material, sem dúvida, mas também,
e principalmente moral e espiritual - graças ao qual os
atributos do homem devem realizar-se e manifestar-se na História.
O objeto essencial e primordial pelo qual os homens se reúnem
em comunidade política, é procurar o bem comum da
multidão, de tal sorte que a pessoa concreta, não
somente em uma categoria de privilegiados, mas em massa, tenha
acesso realmente à medida de independência que convém
à vida civilizada, e que é assegurada ao mesmo tempo
pelas garantias econômicas do trabalho e da propriedade,
pelos direitos políticos, virtudes civis e cultura do espírito.
Em uma palavra, a obra política é essencialmente
uma obra de civilização e de cultura. São
as aspirações íntimas e essenciais da pessoa
humana que iluminam e descobrem a natureza dessa obra, e a mais
profunda aspiração da pessoa pela liberdade de expansão.
A sociedade política é destinada a desenvolver condições
de vida comum que, procurando primeiramente o bem, o vigor, a
paz do todo, ajudam positivamente cada pessoa na conquista progressiva
desta liberdade de expansão, que consiste, antes do mais,
na floração da vida moral e racional, e dessas atividade
interiores imanentes, que são as virtudes intelectuais
e morais.
O movimento assim determinado é que é o movimento
próprio da comunidade política, dirigindo-se para
a libertação ou emancipação, conforme
as verdadeiras aspirações do nosso ser: libertação
progressiva das servidões da natureza material, não
somente para nosso bem-estar material, mas sobretudo para o desenvolvimento
em nós da vida do espírito; libertação
progressiva das diversas formas de servidão política
(pois o homem, sendo um animal político, é uma tendência
da natureza levar cada um a participar ativa e livremente da vida
política); libertação progressiva das diversas
formas de servidão econômica e social (pois também
é uma aspiração de nossa natureza que nenhum
homem seja dominado por outro como um órgão ao serviço
do bem particular deste). Pode acontecer que o homem não
se torne melhor. Pelo menos seu estado de vida melhorará.
As estruturas da vida humana e a consciência da humanidade
progredirão.
Tal concepção da sociedade política e de
sua função primordial é a mesma de Aristóteles,
libertada, porém, de suas escórias escravagistas
e do estatismo ao qual estava, em geral, sujeito o pensamento
grego, e tornada dinâmica pela revelação do
movimento da História, das aspirações infinitas
da pessoa e do potencial evolutivo da humanidade, devido ao advento
do Evangelho.
A obra política assim definida é de todas a mais
difícil. Não somente ela se pode realizar graças
ao progresso das técnicas materiais e das técnicas
de organização; não somente ela supõe
sociedades tanto mais poderosamente equipadas e defendidas quanto
mais querem ser justas; não somente reclama um desenvolvimento
da inteligência e do conhecimento das coisas humanas do
qual estamos ainda extremamente longe, pois o conhecimento do
homem nos é muito mais difícil do que o da matéria;
mas exige também uma tensão heróica da vida
moral e das energias criadoras, graças à qual o
poderio da máquina, em vez de ser empregado de forma selvagem
pelo instinto de domínio para escravizar a humanidade,
seja empregado pela razão coletiva para libertá-la,
e em número crescente de seres humanos ela exige a libertação
das forças de devotamento e generosidade que impelem o
homem a sacrificar-se por uma vida melhor para seus irmãos
e descendentes.
Não é de espantar que, em relação
às possibilidades e exigências que nos traz o Evangelho
na ordem social temporal, estejamos ainda em uma era pré-histórica.
No meio, porém, das dificuldades, dos conflitos e das misérias
de um estado ainda primitivo da humanidade, a obra política
deve realizar o que pode de suas exigências primordiais
e essenciais. E isso mesmo só é possível
se ela conhecer essas exigências, e se for ligada a um ideal
histórico difícil e elevado, capaz de suscitar e
mobilizar todas as energias de bondade e do progresso escondidas
nas profundezas do homem e hoje em dia abominavelmente reprimidas
ou pervertidas.
A obra política na qual se podem realmente encontrar as
pessoas humanas, e pela qual se devem normalmente empenhar a esperança
terrestre de nossa raça e a energia da história
humana, é a da instauração de uma cidade
fraternal, em que o homem seja libertado da miséria e da
servidão. É para avançar no sentido de tal
ideal que a cidade deve ser forte, amando verdadeira e heroicamente
a verdade e a fraternidade.
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Jacques
Maritain, nascido em 1882 e falecido nesta década, é
a maior figura do pensamento católico de nosso tempo. De
origem não cristã, como Bergson, converteu-se ao catolicismo
pela palavra apaixonada de Leon Bloy. Sua obra teológica
se insere na grandeza do pensamento tomista e foi, na verdade, o
maior dos renovadores da escolástica nos tempos modernos.
Exerceu grande influência em todos os círculos, inclusive
no Brasil, onde sua obra marcou profundamente nosso Tristão
de Athayde. Professor, embaixador, coberto de prestígio,
abandonou tudo para professar como religioso na Congregação
dos Irmãozinhos de Foucauld. Fala-se num processo de canonização.
O texto que hoje publicamos é de seu livro "Les Droits
de l'Home e la Loi Naturelle".
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