MAQUIAVEL E AS ALIANÇAS
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sábado, 19 de novembro de 1977.
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é hoje fato corrente os príncipes ou as Repúblicas contraírem
alianças ou tratados uns com os outros, ou Repúblicas com príncipes,
parece-me útil procurar qual a fé que é mais constante e portanto
mais digna do crédito, se a das Repúblicas ou a dos príncipes.
Estudando o assunto, eu me convenci de que muitas vezes elas são
iguais, mas que outras vezes existe uma diferença; e acredito,
além disso, que tratados impostos pela força não serão melhor
observados por um príncipe do que por uma República, e que, tanto
um como outra, quando estiverem temerosos de perder o seu Estado,
para salvá-lo, quebrarão igualmente a palavra dada e se tornarão
culpados de ingratidão.
Por outras palavras, sempre que domina o medo, vamos encontrar
a mesma falta de palavras em todos. E ainda assim, tudo considerado,
eu penso que nessas ocasiões de perigo iminente ainda vamos encontrar
mais estabilidade nas repúblicas do que nos príncipes. Porque,
ainda que uma República tivesse os mesmos sentimentos e as mesmas
intenções que um príncipe, a maior lentidão dos seus movimentos
a faria levar mais tempo para se resolver, e, assim, a faria talvez
guardar mais tempo a palavra empenhada.
As alianças são rompidas por motivos de interesse; e neste assunto
as Repúblicas são muito mais cuidadosas que os príncipes na observância
dos trabalhos. Seria fácil citar casos em que príncipes quebraram
sua palavra por uma vantagem mínima, e outros em que as maiores
vantagens não conseguiram fazer uma República quebrar a sua.
É o caso da proposta de Temístocles aos atenienses; numa assembléia
do povo, Temístocles disse que tinha uma proposta a fazer, que
seria da maior vantagem para o país; que esta era de tal natureza,
que ele não podia expor publicamente sem a inutilizar.
Diante disso, os atenienses designaram Aristides para se entender
com Temístocles, depois do que eles agiriam conforme a opinião
de Aristides. Temístocles, então, demonstrou a Aristides que a
esquadra de todos os Estados gregos, confiada num tratado existente,
estava numa posição em que seria fácil aos atenienses tomá-la
ou destruí-la, tornando-se assim os árbitros de toda a Grécia,
Aristides informou ao povo que a proposta de Temístocles era muito
vantajosa mas extremamente desonesta, e à vista disso os atenienses
a rejeitaram: o que não teria sido feito por Felipe da Macedônia,
nem muitos outros príncipes, os quais só teriam olhado as vantagens,
mesmo porque o mais que tais príncipes realizaram foi antes devido
à sua perfídia que a quaisquer outras circunstâncias.
Portanto, nenhum príncipe deve abdicar de qualquer prerrogativa,
nem ceder coisa alguma desde que o queira fazer honestamente
a não ser que seja, ou pense ser, bastante forte para defendê-la.
Porque, desde que a situação tenha chegado a um ponto em que não
seja mais possível ceder como acima disse, isto é, honrosamente,
é quase sempre melhor perder pela força.
De fato, aquele que cede por medo, cede para evitar a guerra,
mas raramente escapará dela; porque aquele a quem o príncipe tiver
cedido por covardia não se contentará com essa primeira vitória,
mas exigirá sempre mais e mais, e a sua arrogância aumentará à
medida que diminuir o seu respeito pelo príncipe. E, por outro
lado, a lealdade dos adeptos do príncipe esfriará quando o virem
parecer fraco ou pusilânime. Mas se, ao contrário, o príncipe,
logo que perceber a intenção do inimigo, começar a preparar as
suas forças, ainda que estas sejam inferiores, o inimigo o respeitará,
e os outros príncipes vizinhos lhe manifestarão maior estima;
mais ainda, ao vê-lo armar-se para a defesa, esses mesmos príncipes
poderão até vir em auxílio, enquanto que, se se abandonasse, eles
não o assistiriam.
Este raciocínio aplica-se ao caso de só haver um inimigo; mas
quando há muitos, é sempre política hábil para um príncipe ceder
alguma das suas possessões a um dentre eles, seja para romper
a sua aliança com os demais, se a guerra já estiver declarada,
seja para ganhá-lo como aliado, se a coligação ainda estiver se
formando.
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Niccolo
Macchiavelli (1469-1527), escritor e estadista florentino. Seu
nome associou-se às doutrinas de que os fins justificam os meios
na condução dos negócios do Estado. Segundo seus defensores, Maquiavel
apenas desvendou estes postulados denunciando-os numa obra que escreveu
como passatempo - "O Príncipe" - e que suplantou seus trabalhos
de mais fôlego, tanto literários (p. ex. a comédia "Mandrágora")
como filosóficos ("Discurso sobre os 10 primeiros livros de Tito
Lívio"). Foi combatido simultaneamente pelo Vaticano (ao qual criticava
duramente) e pelos protestantes. É considerado como criador do conceito
do Estado moderno e o introdutor da idéia de que a ciência política
repousa na História e na observação. Três séculos antes de Hegel,
doutrinou a inexorabilidade das leis históricas. Morreu pobre. O
texto acima foi adaptado de "O Príncipe", numa interpretação do
conde Carlos Sforza (há uma outra comentada por Bonaparte), tradução
brasileira de Rubens D. de Sousa (Ed. Martins).
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