MANNHEIM E A "INTELLIGENTZIA"
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Publicado
na Folha de S.Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 1977.
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A
primeira consequência negativa da moderna ampliação
das oportunidades de progresso social através da educação
é a proletarização dos intelectuais. Há,
no mercado de trabalho intelectual, maior numero de pessoas do
que a sociedade de hoje necessita para a realização
das tarefas intelectuais...
A significação real dessa oferta excessiva é
que as profissões intelectuais perdem seu valor social
e, também, que a atividade cultural e intelectual em si
passa a ser menos considerada pela opinião pública.
O leigo acredita que a cultura intelectual é altamente
valorizada em si mesma. Parece, porém, ser um princípio
sociológico que o valor social da cultura intelectual é
função do "status" daqueles que a produzem.
Foi muito importante, para o progresso social da cultura intelectual
nos tempos modernos, que o Estado absolutista subitamente tivesse
necessidade de funcionários educados; isso reduziu o valor
do mercado da teologia da corte e de certas outras formas da atividade
intelectual, elevando ao mesmo tempo o valor da educação
jurídica.
Testemunhamos hoje movimento oposto. O excesso de intelectuais
reduz seu valor e o da cultura intelectual, em si. O fato de que
esse excesso não tenha surgido na fase precedente da sociedade
democrática liga-se intimamente ao fato de ter ocorrido
numa fase de democracia minoritária.
A "intelligentzia" tomou seu lugar na "alta sociedade".
A libertação do elo entre intelectuais e a "alta
sociedade" e o desenvolvimento deles num segmento mais ou
menos desligado dos outros, provocou um maravilhoso florescimento
cultural. A grande plasticidade do espírito e o profundo
sentimento de responsabilidade moral representada pela "intelligentzia"
da Rússia Tzarista constituíram uma realização
humana no melhor sentido e livre, em grande parte, dos preconceitos
de classe que anteriormente dominaram a vida intelectual. Porém,
realizado em escalas cada vez maiores, este recrutamento teve
efeito contrário quando, com o aumento da oferta, as classes
de onde eram selecionados os intelectuais, tornaram-se cada vez
mais estéreis.
A grande força do sistema liberal está em poder
suportar as críticas e ser bastante elástico para
encontrar meios e modos de provocar reformas. A fonte de nosso
reparo não esta numa presumível condenação
das massas tão difundida hoje em dia nem nas
restrições baratas aos princípios do liberalismo
e da democracia.
A principal dificuldade da sociedade moderna não está
na sua amplitude nem na sua flexibilidade, mas no fato de que
o sistema liberal de organização ainda não
atingiu a fase em que possa produzir a "articulação
orgânica", necessária a uma sociedade vasta,
dinâmica e complexa. A moderna psicologia e sociologia já
provaram que as mesmas pessoas reagem diferentemente quando formam
massa não coordenada. O comportamento desprezível
das massas, sobre o qual tanto ouvimos falar, é provocado
por uma massa à qual ainda não foi permitida uma
coordenação de funções e as falhas
atribuídas ao sistema liberal são sintomas da transição
em que se encontra. Mas estas falhas no funcionamento da sociedade
liberal não têm alcance e poder de destruírem
a civilização.
Quem pode fazê-lo são os sistemas autoritários.
E isto acontece justamente como uma tentativa violenta de estabilizar
a sociedade de massas em favor de interesses unilaterais de certos
grupos.
Costuma-se confundir sistema autoritário com planificação.
Vejamos no caso cultural. Um esquema correto para planificar a
cultura teria que planificar e encontrar o lugar da crítica.
Ora, sabemos que no atual estágio do conhecimento a crítica
irresponsável não tem mais lugar. Falamos da crítica
como atividade criadora. Como pode o Estado ditatorial abrir espaços
e valorizar a função crítica, se é
justamente ela a vítima prioritária dos regimes
não-liberais?
A planificação não deve significar o domínio
das forças arbitrárias sobre a atividade criadora.
A planificação, mesmo no campo cultural, significa
um ataque consciente às fontes do desajustamento. Não
é um tratamento de sintomas mas um ataque ao crucial.
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Karl Mannheim (1893-1947), sociólogo alemão,
que depois da tomada do poder pelos nazistas se transferiu para
a Inglaterra, onde lecionou na famosa London School of Economics.
Sofreu a influência de Marx mas recusava sua concepção
revolucionária e seu dogmatismo. Para ele, a mudança
sócio-política deve ter como fator principal a tomada
de consciência das massas lideradas pelos intelectuais ("intelligentzia")
cuja função sempre destacou. Foi um dos fundadores
da "sociologia do saber". Nos últimos anos tentou
compor uma síntese entre a concepção democrática
e o planejamento. O texto abaixo foi adaptado da sua obra "Homem
e Sociedade" (Man and Society in na Age of Reconstruction,
1940), versão brasileira (Zahar Ed., Tradução
de W. Dutra).
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