LEIBNITZ E O CONHECIMENTO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sábado, 15 de abril de 1978
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Para
melhor entender a natureza das idéias, é preciso
tratar da variedade dos conhecimentos. Quando posso reconhecer
uma coisa entre as demais, sem poder dizer em que consistem suas
diferenças ou propriedade, o conhecimento é confuso.
Assim, às vezes conhecemos claramente, sem dúvida
alguma, se um poema ou um quadro está bem feito ou mal
feito, porque há um "não sei quê"
que nos agrada ou nos irrita. Mas quando posso explicar as notas
que tenho, o conhecimento se chama distinto. É o caso,
por exemplo, do conhecimento de um contraste, que distingue o
ouro verdadeiro do falso, por meio de certas provas ou sinais
que constituem a definição do ouro.
Mas o conhecimento distinto tem seus graus, pois, de um modo geral,
as noções que entram na definição
necessitam, também elas, ser definidas, e só se
conhecem confusamente. Mas quando tudo que entra numa definição
ou conhecimento distinto se conhece distintamente até em
suas noções primitivas, pode-se, então, dizer
que estamos diante de um conhecimento adequado.
Quando minha mente compreende de uma vez e distintamente todos
os ingredientes primitivos de uma nação, tem dela
então um conhecimento intuitivo, que é muito raro,
pois, na maioria, os conhecimentos humanos são apenas confusos
e fundados na suposição. Convém também
distinguir as definições nominais e as reais. Falo
de definição nominal quando se pode ainda duvidar
se a noção definida é possível, como,
por exemplo, se digo que um parafuso sem fim é uma linha
sólida cujas partes são congruentes ou podem incidir
uma sobre a outra. Uma pessoa que, além disso, não
conhece um parafuso sem fim, poderá duvidar se é
possível uma linha desse tipo, embora ela seja uma propriedade
específica do parafuso sem fim. Pois, as demais linhas
cujas partes são congruentes (que são unicamente
a circunferência do círculo e a linha reta), são
planas, isto é, podem ser descritas "in plano".
Toda propriedade recíproca pode, portanto, servir para
uma definição nominal. Mas quando a propriedade
dá a conhecer a propriedade da coisa, torna real a definição.
E quando só se tem uma definição nominal,
não será possível conhecer as consequências
que dela resultam, pois, se houver alguma contradição
ou impossibilidade, pode-se tirar consequências opostas.
As verdades, por isso, não dependem dos nomes e não
são arbitrárias, como imaginavam alguns filósofos
novos. Quanto ao mais, há também uma diferença
entre as espécies de definições reais, pois
quando a possibilidade só se prova por experiência,
como na definição do mercúrio, cuja possibilidade
se conhece porque se sabe que efetivamente se encontra um corpo
que é um fluído extremamente pesado e, apesar disso,
extremamente volátil - a definição é
apenas real, e nada mais.
Quando porém a prova da possibilidade se faz "a priori",
a definição é também real e causal,
como quando contém a possível geração
da coisa. E quando leva a análise ao extremo, até
as noções primitivas, sem supor nada que necessite
uma prova "a priori" de sua possibilidade, a definição
é perfeita ou essencial.
Mas é evidente que não temos nenhuma idéia
de uma noção quando ela é impossível.
E quando o conhecimento é apenas supositivo, embora tenhamos
a idéia, não a contemplamos, pois uma noção
semelhante só se conhece do mesmo modo que as noções
ocultamente impossíveis. E se são possíveis,
a maneira de conhecer é outra. Por exemplo, quando penso
em mil, ou num quiliógono (polígono regular de mil
lados - N.T.), faço-o frequentemente, sem contemplar sua
idéia - como quando digo que mil é dez vezes cem
- sem fazer questão de pensar o que é realmente
10 e o que é 100, porque parto da suposição
de que já sei e imagino que não preciso me deter
no assunto para concebê-lo.
Desse modo, poderá muito bem acontecer, como de fato acontece
com muita frequência, que eu me engane a respeito de uma
noção que suponho e julgo entender, embora seja
na verdade impossível, ou ao menos incompatível,
em referência às outras com que as relaciono. E quer
me engane ou não me engane, esse modo supositivo de conhecer
é sempre o mesmo. Assim, pois, só quando nosso conhecimento
é claro nas noções distintas, é que
realmente vemos uma idéia inteira.
Para compreender bem o que é uma idéia, é
preciso evitar o equívoco. Muitos tomam a idéia
pela forma ou diferença de nossos pensamentos, e desse
modo só temos a idéia na mente enquanto nelas pensamos
de novo, retemos outras idéias da mesma coisa, embora geralmente
semelhantes umas às outras. Parece, porém, que outros
tomam a idéia como um objeto imediato do pensamento ou
alguma forma permanente que persiste quando não a contemplamos.
Na verdade, nossa alma tem sempre em si a qualidade de representar-se
qualquer natureza ou forma, sempre que se apresenta uma ocasião
de pensar em alguma delas.
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Gottfried
Wilhelm Leibnitz (1646-1716) nasceu em Leipzig, cinquenta anos
depois de Descartes. De uma família de juristas protestantes,
com uma biblioteca imensa na própria casa, dedicou-se apaixonadamente
ao estudo, especialmente o Latim, o Grego e sua literatura. Promoveu
uma intensa revalorização da escolástica. Interessado
no Direito, na História e na Política foi diplomata.
Foi talvez o homem mais enciclopédico de seu tempo, mestre
de Teologia, da Física, da Matemática e até
de curiosos estudos de Alquimia. Foi descobridor do cálculo
infinitesimal; escreveu quase sempre em Francês ou em Latim.
O texto que hoje publicamos é um fragmento de seu "Discurso
da Metafísica".
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