KANT E A REPRESENTAÇÃO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, quinta-feira 23 de fevereiro de 1978
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Para
não confundir -como frequentemente acontece- a constituição
republicana com a constituição democrática,
é preciso observar o seguinte: as formas de um Estado (CIVITAS)
podem ser divididas tanto pela diferença das pessoas que
detêm o poder supremo, como segundo o modo adotado pelo
soberano para governar. E isto, qualquer que seja o tipo de soberano.
A primeira forma chama-se forma de dominação propriamente
dita (forma imperii). Essa forma pode existir de três maneiras
distintas - 1ª - quando uma só pessoa detém
o poder soberano; 2ª - quando esse poder é exercido
por um grupo de pessoas; 3ª - quando é exercido pelo
povo, através de uma representação, o que
pode ocorrer num regime de autocracia, de aristocracia e de democracia,
conforme se estabeleça a soberania do príncipe,
da nobreza ou do povo.
A segunda forma é a que define a forma de governo propriamente
dito (forma regiminis). Essa forma define a maneira, fundada sobre
a Constituição (ato de vontade geral pelo qual o
multidão assume status de povo), de acordo com a qual o
poder absoluto pertence ao Estado (Machtvollkommenheit). Nesse
caso, o Estado tanto pode ser republicano, como despótico.
O republicanismo é o principio político que admite
a separação do Poder Executivo (administração)
e do Poder Legislativo. O despotismo executa com sua própria
autoridade as leis por ele mesmo editadas. E, portanto, a imposição
da vontade pessoal do soberano, imposta como sendo a vontade geral.
Entre essas três formas de Estado, a forma democrática,
no verdadeiro sentido da palavra, é necessariamente despótica
(depótikos - no sentido grego da palavra, de domínio
absoluto - N. T.). E é assim, porque ela funda um poder
executivo, em que a maioria escolhe um só, contra o ponto
de vista da minoria. Dessa forma, não é um governo
de todos, o que pode colocar a vontade geral em contradição
consigo mesma e até com a liberdade.
Com efeito, toda forma de governo que não é representativa
é, na verdade, informe (Unform), porque o legislador pode
ser, ao mesmo tempo, o que faz e o que executa a lei, anulando,
com sua vontade, o parecer da maioria ou da minoria. Embora os
diversos tipos de Constituições oriundas de uma
representação possam ser sempre defeituosas, parece
sempre possível que esse sistema tenha sempre condições
de se tornar representativo. Frederico II, por exemplo, embora
exercendo o poder de uma facção, considerava-se
apenas o mais graduado servidor do Estado. Isso, porém,
não pode ocorrer num regime democrático, pois aí
cada um julga ser senhor independente do Estado.
Pode-se, assim, concluir que quanto menor for o número
dos que têm o poder representativo, por um lado, e quanto
mais numeroso o for, por outro lado, crescem ou aumentam as condições
de legitimidade do governo. Num poder representativo numeroso,
a tendência dominante é o aprimoramento da vida republicana,
através de uma dinâmica de sucessivas reformas.
Por essa razão, parece ser mais difícil numa aristocracia
do que numa monarquia chegar à perfeição
da representação da vontade popular. E, por paradoxal
que pareça, isso é impossível numa democracia
convencional, pois só se pode chegar a uma democracia perfeitamente
constitucional e perfeitamente conforme ao direito, através
de uma revolução violenta.
Longe de qualquer outro tipo de comparação, este
é o modo de governo que atende realmente ao povo, pouco
importando a forma de Estado, que apenas necessita estar de acordo
com os objetivos da Constituição.
Pois bem: -para que esse tipo de regime se contenha e se inspire
numa noção jurídica, num clima de Direito,
o que é preciso, antes de tudo, é que o povo se
governe através de um sistema representativo. Na verdade,
somente o sistema representativo torna possível a instituição
e a sobrevivência de um governo republicano autêntico.
Sem essas condições -de ampla representatividade-
todo e qualquer governo se torna arbitrário, qualquer que
seja a Constituição sob cuja égide se tenha
instalado. Nenhum dos governos dos países que antigamente
se chamavam "repúblicas" chegou a conhecer esse
sistema. E é essa a razão pela qual desembocaram
todos, fatalmente, no despostismo. Mesmo assim, porém,
parece justo reconhecer que o despostismo de um só é
mais fácil de suportar, do que o despotismo exercido em
nome de um grupo ou de uma facção.
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Immanuel
Kant (1724-1804) morreu com 80 anos, na mesma cidade em que
nasceu, Koenisberg. Sua vida foi, de certo modo, a história
de sua filosofia. Sedentário e metódico, trabalhava
intensamente e passeava a horas certas pelas ruas de sua cidade
natal. Integrado de corpo e alma na Universidade, alcançou
as cadeiras de Lógica e Metafísica em 1770, começando,
então, seu intenso trabalho de preparação da
"Crítica da Razão Pura", publicado em 1781.
A essa época alcançou a reputação de
maior filósofo da Alemanha e do mundo. Em 1794, teve dificuldades
com o governo, iniciando-se logo decadência física.
Seu método de pensamento é, fundamentalmente a crítica,
isto é, a análise reflexiva, chegando à conclusão
de que só no domínio moral é que a razão
se poderá manifestar com todo o seu esplendor. O texto que
hoje apresentamos é do pequeno ensaio sobre "A Paz Perpétua"..
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