HEGEL E O PATRIOTISMO

Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 25 de novembro de 1977

Sob o nome de patriotismo, frequentemente, muitos compreendem uma mera vontade de desempenhar atos e sacrifícios extraordinários. Mas patriotismo é, essencialmente, um sentimento que diz respeito ao bem-estar da comunidade, nas circunstâncias normais da vida. É nesta consciência, presente no curso ordinário da existência, que a disposição para o feito heróico deve ser baseada. Mas como as pessoas tendem sempre mais à magnanimidade do que à justiça, facilmente se persuadem que estão possuídas do tipo marcial de patriotismo para compensá-las da inexistência do patriotismo cotidiano, sempre mais árduo e raro. O sentimento político deve ser distinguido daquilo que o povo realmente deseja. O que o povo, no fundo, deseja são as verdadeiras causas políticas, mas geralmente as pessoas fascinam-se por aspectos particulares da vida na vã contemplação de melhorias que delas podem resultar. A convicção de que a estabilidade do Estado é necessária e só através dela os interesses particulares podem desenvolver-se, todos a possuem. Mas, por costume, fixamo-nos apenas nos aspectos exteriores da questão. Não ocorre a ninguém que caminhe pela rua, altas horas da noite, que aquela tranquilidade está relacionada com outras. O hábito de segurança transformou-se em segunda natureza e não reflete o fato de que resulta da atividade de instituições especiais. Superficialmente, imagina-se que através da força o Estado torna-se coeso e ordeiro, mas na realidade o que o mantém assim é o senso de ordem que todos trazem naturalmente dentro de si. O Estado é um organismo. O desenvolvimento de uma idéia com suas diferenças. Estes aspectos diferentes e conflitantes são os vários poderes do Estado com suas funções e atividades específicas através dos quais se busca permanentemente o universal. O organismo que consubstancia o Estado é sua constituição política. Ela alimenta-se no Estado, assim como este mantém-se através da Constituição. É da natureza de um organismo que todas as suas partes constituam-se numa unidade. Se uma parte destaca-se ou se torna independente do todo, as demais aniquilam-se. O Estado deve ser compreendido como um organismo. Mas o Estado completo engloba consciência e pensamento. O Estado assim sabe o que deseja e o sabe sob forma de pensamento. A diferença entre Estado e religião consiste no fato de que os mandamentos do Estado têm a forma de dever legal. A esfera da religião relaciona-se com a vida espiritual. Se o Estado avançar pelas fronteiras da nossa vida espiritual ou a religião estabelecer-se como Estado impondo castigos, estaremos diante de casos de tirania. Num Estado ninguém pode ser compelido a desejar algo que confronte sua racionalidade. O Estado deve ser encarado como um complexo arquitetônico, um hieróglifo da razão, manifestando-se através da realidade. No Estado antigo o único objeto do Estado era sua continuidade e permanência. Hoje em dia, ao contrário, o Estado é obrigado a levar em conta os desígnios e as consciências individuais. No despotismo asiático, o ser humano não tem direito à individualidade íntima. No mundo moderno o homem deve ser honrado, pois só assim se enriquece o Estado. A disposição política, comumente chamada de patriotismo, é simplesmente o resultado das instituições subsistentes no Estado, nas quais a razão -e não a emoção- deve imperar.


George Wilheim Friedrich Hegel (1770-1831), pensador idealista alemão, é considerado o maior dos filósofos. Além de possuir uma mente enciclopédica, no dizer de Engels, era dono de um espírito sinóptico e abrangente, tendo exercido profunda influência em todos os que o sucederam. Para Hegel apenas o espírito ("geist", em alemão) é real. Espírito não significava para ele um conjunto de substâncias imateriais, mas um sistema de indivíduos desenvolvendo suas potencialidades até corporificá-las em formas complexas. Um produto fundamental do espírito, para Hegel, seria a liberdade. Hegel notabilizou-se pelo seu método dialético, que se baseava na seguinte dinâmica: uma tese gera naturalmente sua negação, uma antítese, que se torna nova tese que, por sua vez, produz nova antítese, e assim por diante. Outra tônica Hegeliana foi o estudo da História. Dizia que a História do homem segue a mesma progressão do que a História do seu pensamento. Hegel influenciou enormemente o marxismo mas também algumas formas de fascismo. O texto abaixo foi extraído de "A Filosofia da Lei" (1821) de uma antologia americana (Scribner's).


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