HAYEK E O INDIVIDUALISMO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 1º de dezembro de
1977
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O
traço comum de todos os sistemas coletivistas pode ser
descrito, numa frase muito cara aos socialistas de todas as escolas,
como a organização deliberada do trabalho na sociedade,
com vistas a um objetivo social definido. Um dos principais argumentos
dos socialistas tem sido de que nossa presente sociedade carece
deste rumo "consciente" em direção de
um objetivo singular e que suas atividades são guiadas
pelas fantasias e ambições de indivíduos
irresponsáveis.
Esta colocação torna a questão muito clara.
E dirige-nos para o conflito entre a liberdade individual e o
coletivismo. Os vários tipos de coletivismo (comunismos,
fascismo, etc.) diferem entre si pelas metas que pretendam impor
aos esforços da sociedade. Mas todos contrastam com o liberalismo
e o individualismo ao pretenderem organizar o esquema social e
todos os seus recursos em torno deste objetivo unitário,
recusando considerar a existência de esferas autônomas
nas quais os fins dos indivíduos sejam supremos. São
totalitárias no sentido verdadeiro da palavra.
O "objetivo social" ou "meta comum" nos quais
a sociedade socialista está montada são definidos
vagamente como "bem comum", "bem-estar geral"
ou "interesse geral". Não se necessita de muita
reflexão para verificar que estes termos não possuem
suficiente consistência para determinar um curso particular
de ação. O bem-estar e a felicidade de milhões
não podem ser medidos numa escala vaga de "mais"
ou "menos".
O bem-estar de um povo, como a felicidade de um homem, depende
de uma grande variedade de coisas que podem ser obtidas através
de uma infinita série de combinações. Não
pode ser expresso como um fim único, mas como uma hierarquia
de fins, uma escala compreensiva de valores na qual todas as necessidades
de todas as pessoas tenham seu lugar.
Dirigir todas as nossas atividades de acordo com um plano unitário
pressupõe que cada uma de nossas necessidades ocupa uma
certa categoria numa ordem de valores, suficientemente completa
para permitir ao planejador uma decisão entre os vários
caminhos que se oferecem para decidir. Pressupõe, em resumo,
a existência de um código de ética completo,
no qual os diferentes valores humanos são alocados em determinadas
posições.
A concepção de um código de ética
completo não é usual e requer certo esforço
de imaginação para verificar o que está nela
envolvido. Não estamos acostumados ao hábito de
pensar em termo de código de ética mais ou menos
completos. O fato de estarmos permanentemente optando entre diferentes
valores, sem o suporte de um código social central prescrevendo
como devemos escolher, não deve surpreender-nos e não
deve sugerir que o nosso código moral é incompleto.
Em nossa sociedade não existe ocasião ou razão
para que as pessoas obriguem-se a desenvolver posições
comuns sobre o que deve ser feito em diferentes situações.
Mas onde e quando todos os meios utilizáveis são
propriedades da sociedade e devem ser usados em nome da sociedade,
de acordo com um plano unitário, uma visão "social"
sobre o que deve ser empreendido acaba guiando todas as decisões.
Nestas circunstâncias, deveremos logo descobrir que nosso
código moral está repleto de falhas.
Não estamos aqui preocupados com a questão se é
desejável ou não um tal código de ética
completo. Deve ser apenas apontado que até o presente o
desenvolvimento da civilização tem sido acompanhado
por constante diminuição da esfera na qual ações
individuais são dirigidas por leis fixas. As regras que
compõem nosso código moral comum são cada
vez em menor número e mais genéricas em caráter.
Do homem primitivo que era comandado por um elaborado ritual em
quase todas as suas ações cotidianas e limitado
por uma série de tabus, a moral tendeu para designar e
circunscrever os limites da esfera. A adoção de
um código de ética comum, suficientemente compreensivo
para determinar um plano econômico unitário, significaria
uma reversão completa desta tendência.
O ponto essencial para nós é que não existe
um tal código de ética comum e completo. A tentativa
de dirigir toda a atividade econômica de acordo com um plano
único levantaria inúmeras questões para as
quais a resposta só poderia ser encontrada por um regulamento
moral, mas para o qual as existentes normas morais não
têm resposta. Por outro lado, as pessoas não terão
pontos de vista definidos ou os terão conflitantes porque
na sociedade livre em que vivemos não fomos convocados
para aplainar as diferenças que justamente caracterizam-na.
Não apenas desconhecemos uma tal magna escala de valores
mas seria impossível que mente alguma compreendesse a infinita
variedade das diferentes necessidades de diferentes pessoas que
competem pela posse dos mesmo recursos disponíveis. É
impraticável a qualquer ser avaliar mais de um campo e
estar cônscio da premência que domina mais de um grupo.
O individualismo não se baseia no fato de que o homem deve
ser egoísta ou autocentrado. Ele parte do fato indisputável
de que os limites do nosso poder de imaginação tornam
impossível incluir em nossa escala de valores mais de um
setor das necessidades da sociedade inteira. E a partir do fato
de que escalas de valores só podem existir em mentes individuais,
concluímos que os regulamentos morais existentes são
parciais e inevitavelmente conflitantes entre si.
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Friedrich
August Hayek (1899), economista austríaco radicado nos
EUA, Prêmio Nobel de Economia em 1974 (junto com Gunnar Myrdal),
é considerado um dos mais vigorosos defensores do liberalismo
econômico. Suas posições radicalmente contra
a intervenção e controle do Estado na economia levaram-no
a colocar-se intransigentemente a favor de uma democracia plena
onde não apenas os direitos políticos, mas os econômicos,
são vitais. Escreveu "Preços e Produção"
e "Caminhos da Servidão" (The Road to Serfdom,
Chicago, 1944), de onde foi extraído o texto abaixo..
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