FRANKLIN E A PERFEIÇÃO MORAL
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sábado, 21 de janeiro de 1978
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mais ou menos por este tempo que concebi o arrojado e árduo projeto
de atingir a perfeição moral. Era meu desejo viver sem cometer
qualquer falta em qualquer momento: queria dominar tudo o que,
fosse por tendência natural, fosse por hábito, ou por influências
das companhias, pudesse desviar-me do meu objetivo. Como sabia
ou julgava saber o que estava certo e o que estava errado, não
via por que motivo não podia fazer sempre o que estava certo e
devia fazer o que estava errado. Depressa reconheci que empreendera
uma tarefa mais difícil do que tinha imaginado; porque, enquanto
na minha atenção se emprenhava em me proteger contra um determinado
erro, era muitas vezes surpreendido pelo cometimento de outro;
o hábito agia, aproveitando a vantagem de minha falta de atenção;
a inclinação natural era frequentemente demasiado forte para vencer
a razão. Concluí, afinal, que a convicção simplesmente especulativa
de que era do nosso interesse ser inteiramente virtuosos, não
bastava para nos vigiar durante o sono; o que os hábitos contrários
à virtude necessitam de ser eliminados, tratando-se de adquirir
os hábitos bons, e estabelecendo-os, antes que possamos considerar-nos
capazes de uma conduta firme e uniforme, dentro da retidão. Para
alcançar este objetivo imaginei portanto, o método seguinte: Nas
variadas enumerações das virtudes morais que se me tinham deparado
durante minhas leituras, encontrara uma lista mais ou menos numerosa,
visto que os diferentes autores incluem maior ou menor número
de idéias sob a mesma designação. A temperança, por exemplo, confinava-se,
para alguns, nos limites do comer e beber, enquanto para outros,
abrangia a questão de moderar qualquer outro prazer, apetite,
inclinação ou paixão, quer de caráter físico, quer de caráter
mental, podendo concernir mesmo à nossa ganância ou à nossa ambição.
Propus-me, no intuito de ser claro, a usar maior número de designações
ligadas a maior número de idéias; e conclui, sob treze nomes de
virtudes, tudo aquilo que na ocasião me ocorreu como necessário
e desejável, anexando a cada uma, uma espécie de preceito, que
plenamente expressada a extensão por mim atribuída ao seu significado.
Eram os seguinte os treze nomes de virtudes, com seus preceitos:
1 - temperança - Não comer até ao embrutecimento, nem beber até
à embriaguez.
2 - silêncio - Não falar senão do que pode ser benéfico para os
outros ou para nós mesmos; e evitar as conversações frívolas.
3 - ordem - Um lugar para cada coisa e cada coisa no seu lugar;
destinar uma hora para cada uma das nossas tarefas.
4 - resolução - Resolver cumprir o que é dever; e cumprir, sem
falhar, o que se resolve.
5 - frugalidade - Não fazer despesas senão em benefício próprio
ou em benefício de outrem, isto é, não desperdiçar.
6 - aplicação - Não perder tempo; ter sempre entre mãos qualquer
trabalho útil; suprimir todas as ações desnecessárias.
7 - sinceridade - Não recorrer a ludíbrios prejudiciais; pensar
sem idéia preconcebida e com justiça; e ao falar, fazê-lo de conformidade
com este princípio.
8 - justiça - Não prejudicar ninguém fazendo o mal, ou omitindo
benefícios que constituem o nosso dever.
9 - moderação - Evitar os extremos; abster-se de guardar ressentimento
pelas injurias, na medida em que as consideramos merecidas.
10 - limpeza - Não tolerar a falta de limpeza no corpo, no vestuário
ou na habitação.
11 - tranquilidade - Não se perturbar com insignificâncias, nem
como acidentes correntes e inevitáveis.
12 - castidade - Usar raramente do prazer da carne e apenas para
benefício do organismo e tendo em vista a descendência; jamais
até o embrutecimento, ou ao debilitamento, ou em prejuízo da própria
paz e reputação, ou da paz e da reputação de outrem.
13 - humildade - Imitar Sócrates e Jesus.
A minha intenção era adquirir o hábito de todas estas virtudes,
e para isso julguei que seria preferível não dispensar a minha
atenção tentando abarcá-las todas de uma só vez; quando tivesse
conseguido dominar uma delas, passaria à seguinte, e assim sucessivamente,
até ter conseguido dominá-las todas; e, dado que a prévia aquisição
de algumas poderia facilitar a aquisição das outras, coloquei-as
na minha lista pela ordem acima indicada, tendo em vista este
objetivo. Inscrevi a temperança em primeiro lugar, visto que a
temperança tende a facultar-nos essa frieza e clareza de discernimento
que tão necessárias se tornam quando necessitamos manter uma vigilância
constante contra os atrativos persistentes de antigos hábitos
e contra a força das tentações perpétuas. Adquirido e estabelecido
o hábito da temperança, seria mais fácil alcançar o silêncio;
e como eu desejava conquistar a sabedoria ao mesmo tempo que me
aperfeiçoasse no caminho da virtude, e considerando que a sabedoria
se adquire pela conversação em maior escala quando se usam os
ouvidos do que quando se usam os lábios, e, consequentemente,
desejamos perder o hábito que adquirira de tagarelar, fazer trocadilhos
e gracejar, que apenas tornava aceitável a minha presença entre
pessoas frívolas, coloquei o silêncio em segundo lugar. Esperava
eu que esta virtude e a seguinte, a ordem, me permitissem dispor
de mais tempo para consagrar o meu projeto e aos meus estudos.
A resolução, uma vez transformada em hábito, manteria a minha
firmeza de propósito de obter as virtudes subsequentes; a frugalidade
e a aplicação ao trabalho, libertando-me das dívidas que eu tinha
ainda e dando lugar à abastança e à independência, tornar-me-iam
mais fácil a prática da sinceridade, da justiça, etc., etc..
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Benjamin
Franklin (1706-1790), estadista, filósofo e inventor
norte-americano, era filho de um modesto fabricante de velas e muito
cedo começou a trabalhar numa tipografia. Autodidata, chegou
a ser classificado como "o primeiro norte-americano civilizado".
Com Jefferson e John Adams, redigiu o manifesto da declaração
de Independência dos Estados Unidos. Inventou o pára-raios.
Tornou-se conhecido como escritor e filósofo para coletânea
de artigos e aforismos publicados no "Almanaque do Pobre Ricardo".
Influenciado pelos iluministas franceses, seu estilo é simples
como suas idéias, às quais não falta entretanto
uma forte dose de humor. O trecho abaixo foi extraído da
"Autobiografia", sua principal obra.
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