FOILLET E A LIBERDADE
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Publicado
na Folha de S.Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 1978
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muito fácil opor a liberdade às "liberdades",
condenar a liberdade como uma abstração, em nome
das liberdades concretas. As liberdades concretas não têm
sentido senão na medida em que se referem a uma liberdade
interior, assim como a liberdade interior não se realiza
senão quando se concretiza nas liberdades externas.
Entre a liberdade pessoal e a liberdade coletiva, nos Estados
totalitários, somos ameaçados de sacrificar a primeira
em nome da segunda. Toda liberdade pessoal supõe uma liberdade
coletiva, a começar pela liberdade nacional. Em nosso país,
aprendemos que, para que cada francês pudesse ser livre,
era preciso que a França fosse livre. A liberdade individual
supõe liberdades profissionais, de classe, religiosa e
nacional. Mas não é necessário que essas
liberdades coletivas se transformem num deus em nome do qual os
homens tenham de imolar a liberdade pessoal de cada um. As liberdades
coletivas não adquirem sentido senão quando se traduzem
por uma liberdade pessoal estendida a cada ser humano.
A liberdade, enfim, não nos aparece como um estado no qual
a pessoa se instala, como numa poltrona confortável em
que a gente se senta, nem como uma rapariga que se entrega a todo
mundo, sempre que solicitada, mas como uma ascese, como uma conquista.
A liberdade é ascética de pobreza, pois, para ser
livre, é necessário libertar-se de um certo número
de cargas - as cargas das paixões ou do dinheiro. Ninguém
é verdadeiramente livre senão na medida em que se
despoja de si mesmo. Alcançar a liberdade transcende da
própria ascese: - é uma luta, uma batalha, é
preciso lutar incessantemente para conservar a soma de liberdades
que existem no mundo e que o determinismo tende a suprimir. É
preciso lutar para aumentar a soma de liberdades que existem no
mundo.
O maniqueísmo seria uma posição falsa: -
não há a liberdade e a falta de liberdade, pura
e simplesmente. O que há, a cada momento, é uma
cota maior ou menor de liberdade. Todo o trabalho do homem, todo
o sentido de uma civilização, consiste em transformar
esse mínimo de liberdade num máximo, um máximo
que, uma vez alcançado, deverá ser ciosamente defendido.
Isso supõe um uso da liberdade interior para aumentar e
consolidar as liberdades exteriores.
Nunca teremos senão a liberdade que conquistamos com nossas
próprias mãos. Se essa afirmação parecer
cínica, eu me explicarei melhor: - as pessoas não
têm senão a liberdade que são capazes de defender
e, pois, a liberdade que merecem ter.
Quando um povo perde sua liberdade, a menos que seja no caso de
uma brutal invasão estrangeira (e mesmo nesse caso), a
razão deve ser procurada e encontrada numa demissão.
Essas palavras não são anárquicas. Elas respondem,
antes, a uma concepção profundamente cristã
da liberdade, considerada, não como um estado, mas, como
uma ação, um vir-a-ser. Não como um todo
que encontra seu fim em si mesmo, mas como uma orientação
no sentido da busca da verdade e do bem. Compreende-se, assim,
que um dos movimentos políticos cristãos mais importantes
para encontrar a essência do pensamento cristão,
o Partido Guelfo, tenha inscrito em seu escudo de armas a divisa
que seria, séculos depois, adotada pela Democracia Cristã
da Itália: - "Libertas".
Quando os cristãos escolhem como divisa a liberdade, não
estão renegando o Cristianismo, nem cedendo a qualquer
tipo de demagogia. Estão, isto sim, afirmando que o Cristianismo
é uma liberdade interior que deve resplandecer na vida
social e política.
É certo que "syllabus" lembra que a Igreja se
recusa a reconciliar-se com o liberalismo. A igreja está
certa, ao não ceder a essa tentação. Pois
o direito não deve sair nem do número nem da força.
Num mundo humano, juridicamente ordenado, não pode haver
liberdade sem direito e, pois, o direito não é uma
consequência da força e do número, até
porque sua finalidade é a defesa das liberdades.
Sob essa luz, pode-se bem entender o pecado do liberalismo e a
medida em que ele foi prejudicial à liberdade, embora não
pretendesse outra coisa senão servi-la e exaltá-la.
Parece-me que um dos primeiros pecados do liberalismo é
a confusão da liberdade com aquilo que os filósofos
chamam de "liberdade de indiferença", a simples
possibilidade de fazer uma escolha, seja ela qual for. Na verdade,
a liberdade humana deve ser orientada pela natureza humana.
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Joseph
Folliet nasceu em Lyon em 1903 e é um dos representante
mais destacados do pensamento católico de nossos dias. Doutor
em Filosofia Tomista e em Ciências Políticas e Sociais,
fundou, em 1927, uma congregação de religiosos, a
dos Companheiros de São Francisco. Foi secretário-geral
das Semanas Sociais, seminário de estudos promovido pela
Igreja na França. Diretor da "Chronique Sociale de France",
foi professor de Sociologia Geral nas Faculdades Católicas
de Lyon. Suas obras mais importantes são "Os Cristãos
na Encruzilhada", "Presença da Igreja" e "A
Vinda de Proteu". O texto que hoje publicamos é um fragmento
de sua conferência no Centro Católico dos Intelectuais
Franceses, divulgada no volume "L" Eglise et la Liberté"
e traduzido do francês por Gerardo Mello Mourão.
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