EPICURO E O MUNDO FÍSICO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sábado, 8 de abril de 1978
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Não
há nada que venha do nada. Pois se as coisas não
tivessem necessidade de seus germes para se reproduzirem, tudo
poderia nascer de tudo. E se tudo o que desaparece aos nossos
olhos se tornasse um não-ser, todas as coisas já
teriam perecido. Uma vez que não haveria nada em que elas
se pudessem ter dissolvido. O universo sempre foi aquilo que é
agora e assim será eternamente. Não há nada
fora do universo no qual ele possa transformar-se, nem nada também
que, agindo sobre ele, possa nele produzir uma mudança.
O universo se compõe de corpos e de espaço vazio.
São as sensações o que, acima de tudo, dão
um testemunho da existência dos corpos, e é sobre
elas que se apóia necessariamente o raciocínio,
para fazer conjecturas sobre as coisas ocultas.
Se o espaço - a que também chamamos de vazio, de
amplidão ou de essência inatingível - não
existisse, os corpos não teriam lugar onde residir, nem
intervalo em que se mover, como, na verdade, parece que o fazem.
Fora dessas duas coisas, não podemos conhecer nada, nem
de um modo imediato, nem por analogia: trata-se, bem entendido,
de coisas que concebemos como substâncias, e não
daquelas a que chamamos de acidentes ou qualidade não essenciais.
Entre os corpos, é preciso distinguir entre os que são
compostos e aqueles que são componentes. Estes últimos
são indivisíveis e imutáveis, condição
indispensável para que todas as coisas não se desfaçam
no não-ser: porque é preciso que haja alguma coisa
estável no meio das coisas que se decompõem, isto
é, uma substância de natureza indestrutível,
sobre a qual nada pode prevalecer. Os átomos constituem,
assim, os verdadeiros princípios das coisas.
O universo é infinito. Com efeito, o que é finito
tem um limite. Mas o limite de uma coisa não pode ser encarado
senão em relação a alguma coisa que lhe é
exterior. Ora, o universo, que abarca tudo, não pode ser
encarado em relação a alguma coisa que lhe é
exterior. Não há extremidade e, pois, não
há limite e, não havendo limite, é preciso
que ele seja infinito, e não limitado.
O universo é também infinito com relação
ao número de corpos e à extensão do vazio.
Com efeito, se o vazio fosse infinito, e o número de corpos
finito, não poderiam eles se fixar em parte alguma: transportados
através dos espaços vazios, do vazio infinito, eles
se dispersariam, não tendo suporte em que se apoiar nem
possibilidade de um encontro para se aglomerarem. E se o vazio
fosse finito, e o número dos corpos infinito, esses não
teriam mais bastante lugar para ocuparem.
Entre os corpos, é preciso distinguir os compostos e os
elementares. Estes são indivisíveis e imutáveis,
condição necessária para que todas as coisas
se desfaçam no não-ser. Eles se mantêm permanentes
quando as coisas se decompõem, uma vez que são de
uma natureza absolutamente compacta e não podem dissolver-se
de modo algum. Os princípios dos corpos devem ser, necessariamente
e absolutamente, elementos indivisíveis.
Os átomos, de que são formados os corpos compostos
e nos quais eles se decompõem, são absolutamente
cheios e possuem, além disso, uma infinita variedade de
formas. Pois é impossível que uma variedade tão
prodigiosa provenha de um número restrito de formas iguais.
Cada forma pode ser representada por um número infinito
de átomos. Mas em relação às suas
diferenças, os átomos não são absolutamente
infinitos, mas apenas indefinidos.
Os átomos estão num movimento perpétuo. Uns
se colocam em grandes distâncias dos outros, outros, desviando
sua trajetória, se compactam num corpo composto ou nele
se entrelaçam e conservam o impulso recebido.
Os mundos existem em número infinito. São, em parte,
semelhantes ao mundo que conhecemos, em parte diferentes. Pois
os átomos, sendo em número infinito, podem mover-se
nos mais remotos lugares. Como seu número não se
esgota na formação deste mundo, nem na formação
de um número finito de mundos, semelhantes ou não
ao nosso, conclui-se que nada impede a existência de um
número infinito de mundos.
De todas as qualidades apresentadas pelos fenômenos, os
átomos não têm senão as da figura,
do peso e da magnitude, e as que pertencem necessariamente à
figura. Toda qualidade está sujeita a mudança. Os
átomos, ao contrário, não mudam nunca. Pois
é preciso que haja, na base dos corpos compostos e dissolúveis,
capaz de produzir as mudanças pelo deslocamento de partes,
sem reduzi-las a nada. É por isso que é necessário
que os elementos que se deslocam sejam indestrutíveis e
fiquem ao abrigo das mudanças, possuindo apenas, como propriedades
características, volume e figura. Essa suposição
é absolutamente necessária.
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Epicuro (323-270 a.C.) nasceu em Atenas e viveu em Samos
e Colofon. Voltando a Atenas fundou sua escola, do célebre
Jardim de Epicuro, frequentado por homens e mulheres que se davam
à amável prática de filosofar. A filosofia
era para ele uma atividade que "com razões e discursos
faz a vida feliz". O epicurismo, cujo fim é a felicidade,
alcançou grande prestígio e teve grande número
de discípulos na Grécia, no Egito e na Ásia.
Exerceu grande influência nos poetas latinos Lucrécio
e Horácio. Karl Marx fundou as origens de seu pensamento
na tese de doutorado em que tomou o caminho de Epicuro como roteiro
exemplar para a polêmica da filosofia contra a teologia, ao
dizer que, no calendário filosófico, Prometeu ocupa
o primeiro lugar entre os santos e os mártires. Epicuro,
segundo se diz, escreveu mais de 300 livros. Mas dele restam apenas
três cartas, uma recopilação de opiniões,
fragmentos esparsos e o testamento citado por Diógenes Laércio.
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