ARENDT E AS REVOLUÇÕES
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Publicado
na Folha de S.Paulo, terça-feira, 8 de novembro de 1977.
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Hannah
Arendt
Quatro anos depois da irrupção da Revolução
Francesa, no tempo em que Robespierre define sua liderança
como "o despotismos da liberdade". Condorcet sumarizou
um conceito universal: "A palavra 'revolucionário'
só pode ser aplicada a movimentos cujo objetivo é
a liberdade".
Crucial à compreensão das revoluções
é a justaposição do conceito da liberdade
com a noção de que algo inteiramente novo está
começando. E a partir do fato de que, no novo critério
para avaliar constituições, tanto nossa compreensão
de revoluções como nossa concepção
de liberdade são profundamente revolucionárias na
origem.
A palavra "revolução" não pode
ser encontrada justamente onde se esperaria que estivesse mais
presente na Renascença italiana. É surpreendente
que Maquiavel utiliza o conceito de "mutazioni del stato"
nas suas descrições de trocas de poder. O interesse
de Maquiavel nas inumeráveis "mutazioni", "variazoni"
e "alterazioni" pode induzir alguns analistas a confundir
suas doutrinas por uma "teoria de troca de poder". Na
realidade estava interessado no imutável, no invariável
e no inalterável. O que o torna importante na história
das revoluções é o fato de que foi o primeiro
a pensar na possibilidade de fundar um corpo politico, permanente
e sólido. O que principalmente distinguiu Maquiavel dos
revolucionários da sua época foi o fato de que compreendeu
o conceito de "rinovazione" que, para ele, resumia-se
na única alteração benéfica a ser
saudada. Em suma, o "pathos" revolucionário da
busca da liberdade e do absolutamente novo, do início verdadeiro
de uma página nova, era totalmente desconhecido para Maquiavel.
A palavra "revolução" originou-se provavelmente
da astronomia a partir da teoria de Copérnico, "De
Revolutionibus Orbium Celestium". No seu uso científico
o termo reteve o seu significado original latino, designando o
movimento rotativo, regular e inexorável dos astros. Por
ser infenso aos desígnios do homem e, portanto, irresistível,
jamais se caracterizou pela novidade ou pela violência.
Ao contrário, a palavra claramente indica uma tendência
à recorrência, ao movimento cíclico. Se transferido
para a linguagem dos negócios dos homens na terra, o termo
"revolução" poderia apenas significar
que as poucas e conhecidas formas de governo revolvem-se como
opções aos mortais numa oferta permanente e com
a mesma força que os astros obedecem nas suas precisas
órbitas no espaço.
Quando a palavra "revolução" desceu dos
céus e foi introduzida para descrever os acontecimentos
humanos, apareceu primeiramente como uma metáfora, substituindo
aquela noção do imutável e oferecendo, em
troca, a noção dos altos e baixos dos destinos humanos.
No século dezessete encontramos pela primeira vez a utilização
política da palavra, mas o conteúdo metafórico
ainda estava ligado ao sentido original, o movimento de retornar
a um ponto préestabelecido. A palavra foi primeiramente
usada na Inglaterra não para designar a assunção
de Cromwell ao poder (a primeira ditadura revolucionária),
mas ao contrário, depois da queda do despota por ocasião
da restauração da monarquia.
Podemos precisar o exato instante em que a palavra "revolução"
foi utilizada no sentido de mudança irresistível
e não mais como um movimento recorrente. Foi durante a
noite de 14 de julho de 1789 em Paris, quando Luís XVI
ouviu de um emissário que a Bastilha havia caído.
"É uma revolta", disse o rei. Ao que o mensageiro
retrucou: "Não, majestade, é uma revolução".
Nas décadas seguintes conformou-se um quadro de que as
revoluções não são feitas de homens
isolados, mas resultado de um processo incontrolável do
qual os homens são parte. E foi somente na metade do século
dezenove que Proudhon cunhou a expressão "revolução
permanente" e com ela trouxe o conceito de que não
existem revoluções, mas uma só, total e perpétua.
Teoricamente, a consequência mais ampla da Revolução
Francesa foi o nascimento da noção de História
e do processo dialético, da filosofia de Hegel. Foi a Revolução
Francesa e não a Americana que incendiou o mundo e foi
consequentemente dela e não do curso dos acontecimentos
na América que a presente conotação da palavra
ganhou o formato atual. Neste nosso século as ocorrências
revolucionárias passaram a ser examinadas dentro dos padrões
franceses e em termos de necessidades históricas.
O que os revolucionários russos aprenderam dos franceses
foi História e não ação. Eles captaram
a habilidade de desempenhar qualquer papel que o grande drama
da História estava prestes a lhes confiar e se nenhum outro
estava disponível a não ser o de vilão, como
aconteceu, eles o aceitaram como meio de não ficarem fora
do enredo.
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Hannah
Arendt (1906-1975), pensadora nascida na Alemanha que emigrou
para os EUA quando começaram as perseguições
nazistas contra os judeus. Foi uma precursora da moderna ciência
política mas enfatizando sempre suas preocupações
em torno dos valores humanos, notadamente a liberdade e os direitos
civis. Sua mais famosa obra é "Origens do Totalitarismo"
(editada em português pela Ed. Documentário). O texto
acima foi extraído de seu trabalho "Sobre as Revoluções"
(Vicking Press, N.I.).
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