ADAMS E AS ASSEMBLÉIAS
|
Publicado
na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 3 de novembro de 1977.
|
|
Antes
de se determinar qual a melhor forma de governo, convém
considerar o que seja objetivo de governo. Neste ponto, todos
os políticos concordarão em que a felicidade da
sociedade constitui o propósito de todo governo, assim
como todos os teólogos e filósofos concordarão
em que a felicidade do indivíduo constitui a meta da jornada
humana. Partindo deste pressuposto, seguir-se-á que a forma
de governo que proporciona tranquilidade, conforto, segurança
ou, numa só palavra, felicidade, ao maior número
possível de pessoas e em maior grau, será o melhor.
O medo é o fundamento de muito regimes. Mas é uma
paixão tão sórdida e brutal e torna os homens,
em cujo espírito predomina, tão estúpidos
e miseráveis, que os americanos não permitirão
jamais que qualquer instituição pública nele
seja fundado.
O fundamento de todo governo está montado sobre certos
princípios ou paixões no espírito do povo.
Os mais nobres ideais e as afeições mais generosas
em nossa natureza têm, pois, oportunidades mais razoáveis
para apoiarem os mais nobres e generosos modelos de governo.
A única parte valiosa da Constituição britânica
é onde se menciona o "império das leis e, não,
dos homens". Como a República é a melhor forma
de governo, a forma de governo que melhor se dispõe a assegurar
a execução imparcial e exata das leis será
a melhor das repúblicas.
Há inexaurível variedade de formas de governos republicanos,
porque das possíveis combinações dos poderes
da sociedade podem ser obtidas incontáveis combinações.
Mas há pressupostos fundamentais.
Sendo o bom governo o império das leis, como então
devem ser feitas as leis? A primeira etapa está em delegar
os poderes de muitos a alguns dos mais sábios. Quais as
regras para serem escolhidos esses que farão as leis?
A principal dificuldade está em constituir-se essa assembléia
de representantes e nisso deve-se empregar o maior cuidado. Deve
ser em miniatura o retrato exato do povo em geral. Deve pensar,
sentir, raciocinar e agir como o povo. Para que esta assembléia
produtora das leis tenha interesse em aplicar sempre a estrita
justiça, deve conter representação igual
ou, em outras palavras, interesses iguais do povo devem estar
refletidos nos interesses dessa assembléia. Na execução
dessa escolha deve-se tomar grande cautela para impedir eleições
injustas, facciosas e corruptas. Por isto os regulamentos deverão
ser preparados em tempos mais tranquilos do que o atual. E surgirão
naturalmente, por si, quando todos os poderes do governo estiverem
nas mãos do povo.
Uma Constituição fundada em princípios elevados
inspira dignidade ao povo. Provoca uma emulação
pelas virtudes, que faz generalizar-se o bom humor, a sociabilidade
e a boa moral. O medo numa Constituição provoca
o contrário. Essa elevação de sentimentos,
inspirada pelo governo e embebida nas leis, torna o povo valoroso
e empreendedor.
Meus amigos: fomos trazidos para a vida numa época em que
os maiores legisladores da antiguidade teriam desejado viver.
São poucos os representantes da raça humana que
chegaram a gozar da oportunidade de fazer a escolha de um governo
para si e para seus filhos e netos.
O alvo a ser atingido na formação de uma assembléia
representativa é o senso público, a voz do povo.
A perfeição de um retrato está em sua semelhança
com o original. A corrupção das eleições
é o grande inimigo da liberdade. Entre medidas mais capazes
de impedi-las, sugerimos eleições mais frequentes,
divisão de distritos, para que eleitos e eleitores estejam
mais próximos.
Só existe um único meio para evitar que a liberdade
de escolher seja usurpada pelas aristocracias que se formam continuamente
à sombra do poder: colocar os representantes do povo juntos
numa assembléia renovável para legislar.
|
|
John Adams (1735-1826), político conservador e pensador norte-americano.
Advogado (formado em Harvard), participou das lutas pela independência.
Eleito deputado, teve participação na escolha de Washington como
comandante das forças revolucionárias. Mais tarde representou a
nova República na Europa. Foi vice-presidente e presidente dos EUA,
pelo partido Federalista. Foi derrotado na tentativa de reeleição
por Thomas Jefferson. É autor de numerosos trabalhos doutrinários,
entre os quais "Constituição e Governo dos EUA". O texto acima é
uma seleção do pensamento de Adams, extraída de "Idéias sobre Governo",
escrito em 1776, incluído no volume "Escritos Políticos de J. Adams"
(Edição Ibrasa).
|
Para
imprimir este texto clique o botão direito do seu mouse. |
|
©
Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos
reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização
escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.
|
|