A FILOSOFIA DO ESPIRITO E DA CULTURA


Publicado na Folha da Manhã, domingo 03 de junho de 1951

Prosseguindo no curso introdução historica à filosofia, o professor Roland Corbisier proferiu, quinta-feira ultima, no auditorio do Museu de Arte Moderna, a sua primeira conferencia sobre a "Filosofia Existencial de Heidegger".
Iniciou o professor Corbisier a sua conferencia salientando a importancia do pensamento de Heidegger no quadro da filosofia alemã contemporanea. Lembrou que Heidegger foi aluno de Husserl e seu substituto na Universidade de Heidelberg.
Assim com Scheler e Hartmann, Heidegger tambem sofreu uma profunda e decisiva influencia do autor das "Meditações Cartesianas". Afasta-se, porem, do mestre ao recusar a "redução fenomenologica", o que levou Husserl a acusar a sua doutrina de "autropologismo".
Heidegger se utiliza da fenomenologia apenas como metodo, capaz de permitir a constituição de uma ontologia geral.
A esse respeito, salientou o professor Corbisier que para Heidegger a "analitica existencial", isto é, a fenomenologia da existencia humana não é o objetivo ultimo da filosofia, mas uma introdução à ontologia geral. A metafisica encontra assim o seu ponto de partida na analise do "Dasein", isto é, da existencia humana. Essa precedencia explica-se por ser o homem o unico ente capaz de refletir e de formular a questão relativa ao ser. "O homem é o ente que se interroga sobre o ser de todo ente". Embora seja frequentemente incluido entre os filosofos existencialistas, o proprio Heidegger esclarece que "minhas tendencias filosoficas não podem ser classificadas na "Existenzphilosophie". A questão que me preocupa não é a da existencia do homem; mas a do ser em seu conjunto e enquanto tal".
O autor de "Sein und Zeit" estabelece uma distinção, intraduzivel em português, entre a sua analitica "existentiale" e a de Jaspers, por exemplo, que chama de "existentielle" por ser "a fenomenologia de uma existencia particular".
O ponto de partida da "analitica existencial" é o exame de uma estrutura ontologica unitaria e fundamental, que é o "in-der-Welt-sein", quer dizer, o "ser ou estar no mundo".
O conceito do "in-der-Welt-sein", disse o professor Corbisier, não passa da repercussão, no plano da autropologia, da tese fenomenologica da estrutura intencional da consciencia.
O homem e o mundo são termos correlatos e inseparaveis, pois assim como não é possivel admitir nem imaginar o homem fora do mundo, tambem não é possivel conceber o mundo fora da perspectiva humana, na qual se configura como mundo. Essa inserção ou "inerencia" no mundo constitui o proprio motivo da nossa existencia.
Entre os primeiros "existenciais" que revelam essa "inerencia" do "Dasein" no mundo, encontramos a "preocupação".
O ser humano se preocupa com este ou aquele objeto porque fundamentalmente é o ser preocupado com o mundo. O "Dasein" está assim em contacto com o mundo dos objetos ou dos "utensilios" e tambem em contacto com os outros "Dasein".
E porque o "Dasein" não é uma coisa, um objeto, mas um conjunto de possibilidades, sua vida é luta, esforço e conquista do proprio ser.
No seu "convivio" com os objetos e com os outros entes, o "Dasein" corre sempre o risco de perder-se, de alienar-se, diluindo-se na "objetividade" das coisas ou despersonalizando-se na existencia banal que se desenvolve sob a tirania do que Heidegger chama de "Das Man", isto é, "todo mundo". O "Dasein" pode, pois, perder-se na falta de autenticidade da existencia banal ou recuperar-se e encontrar-se a si mesmo na existencia autentica.
O exame desses dois modos de ser, que segundo Heidegger, se oferecem ao homem, será o assunto da proxima conferencia do professor Corbisier.


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