A atroz dúvida do th

Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 5 de dezembro de 1976

Emir M. Nogueira

O Formulário Ortográfico brasileiro - ou seja, a nossa ortografia oficial - estabelece o seguinte, como norma geral, a respeito de nomes próprios: "Os nomes próprios personativos, locativos e de qualquer natureza, sendo portugueses ou aportuguesados, estão sujeitos às mesmas regras estabelecidas para os nomes comuns".
Ora, uma regra estabelecida para os nomes comuns é que o h só se emprega, "em razão da etimologia e da tradição escrita do nosso idioma", no principio de certas palavras (homem, honra, haver) e no fim de algumas interjeições (oh!, ah"); no meio das palavras, ele só aparece nos grupos ch, lh e nh. Não há th, no atual estágio da ortografia brasileira.
Logo, Coríntians, sem th (nomes próprios de qualquer natureza estão sujeitos às mesmas regras existentes para os nomes comuns).
O mesmo Formulário Ortográfico, porém, estabelece exceções à regra geral. A que nos interessa: "Poderá também ser mantida a grafia original de quaisquer firmas, sociedades, títulos e marcas que se achem inscritos em registro público".
Logo, Corinthians, com th (nome de uma sociedade devidamente registrada). Conclusão? Tanto Coríntians como Corinthians são formas justificáveis. Só que...
Só que quem escreve Corinthians deve também escrever o nome completo do clube assim - Sport Clube Corinthians Paulista, que é como consta no registro público, deve escrever São Paulo Football Club, pelo mesmo motivo. Se duvidar, deve voltar a dizer que o "team tem um "goalkeeper", dois "backs" e vários "forwards".
Afinal, o mundo caminha para a frente não para trás. A nomenclatura futebolística, que é de origem inglesa, há muito foi nacionalizada, abrasileirada, mediante a tradução ou a adaptação de seus termos à nossa pronúncia e à nossa ortografia. Não teria sentido que precisamente o clube mais popular de São Paulo constituísse uma exceção, teimando-se em escrever-lhe o nome à maneira inglesa (o Corinthians inglês, em homenagem ao qual, segundo os cronistas esportivos, o nosso foi batizado, tem seu nome ligado a Corinto, região grega familiar a nós por causa das cartas de São Paulo; ninguém escreve Corinto com th).
Emprego de letras exóticas (k, w, y) e de grupos de letras (ph, sh, th) estranhos à nossa ortografia é muito comum, hoje, em firmas comerciais, por duas razões: 1) a convicção de que tudo que pareça estangeiro, principalmente norte-americano, impressiona mais o homem comum; 2) a crença no fascínio que as coisas exóticas têm. Mas o Coríntians não precisa disso e exatamente o caráter eminentemente popular do clube deve repelir esses sofisticados artifícios.
Outra observação: o a nasal final, seguido ou não de s, oxítono ou não, é representado em nossa ortografia por til e não n ou m: irmã, irmãs, ímã, ímãs. Logo, a rigor, deveríamos ter Corintiãs e não Coríntians. Mas em Corintiãs parece haver demasiada alteração da morfologia original - e por isso a forma não "pegou". Registre-se ainda que é de difícil pronúncia o som final do nome do clube, razão por que, na linguagem coloquial, ele passa a Corintia ou Curintia.
Em suma, Coríntians. Corinthians só para os tradicionalistas, passadistas, conservadores.


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