MANSELL FORA; PIQUET TRICAMPEÃO

Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 31 de outubro de 1987

O PILOTO BRASILEIRO Nélson Piquet, da Williams, tornou-se ontem tricampeão mundial de Fórmula 1 por antecipação devido a um acidente ocorrido com seu companheiro de equipe, o inglês Nigel Mansell, durante os treinos oficiais para o Grande Prêmio do Japão, penúltima etapa do campeonato. Mansell, vice-líder do torneio com 61 pontos, era o único piloto com chances de alcançar Piquet na classificação. Segundo o dono da escudeira, o inglês Frank Williams, Mansell não correrá amanhã nem no dia 15, na Austrália. O acidente ocorreu em uma chicane (sequência de curvas), após a curva 2 do circuito de Suzuka. Mansell derrapou, bateu contra a parede de pneus e chocou-se com o "guard-rail". Transportado para o Hospital Eiseiu Daigaku (a 70 km do autódromo), os médicos constataram que não houve fratura, apenas escoriações. O acidente pode beneficiar ainda o brasileiro Ayrton Senna, atualmente em terceiro na classificação. Ontem, Piquet foi o mais rápido e Senna ficou em nono lugar. As tomadas de tempo definitivas seriam na madrugada de hoje. O GP do Japão terá largada às 3h de amanhã, com transmissão ao vivo pela TV Globo. Ás 11h de amanhã, a emissora exibirá um compacto da corrida.

Piquet dorme após receber confirmação do título de 87

LUIZ CARLOS DUARTE
Coordenador de geral da Sucursal de Brasília

"É o meu filho caçula querido" repetia ontem a tarde dona Clotilde Piquet, a mãe de Piquet, na sala de sua mansão no Lago Sul de Brasília. Foi o seu filho mais velho, Geraldo, que a informou, por telefone, de Toquio, às 13h40, que Mansell fora vetado pelos medicos. Piquet já recebera a informação mas preferiu ir dormir. Comedida na comemoração "só vou fazer isso quando ele chegar em dezembro" mas emocionada, dona Clotilde disse que o fato de ser caçula facilitou as coisas para Piquet. "Ele sempre foi mais independente, teve mais oportunidade e desembaraço para fazer o que queria e vencer na vida. Uma mãe sempre acha que o filho vai ser o maior e nisso os caçulas levam alguma preferência".
Foi na Brasília dos anos 60 que o garoto Piquet começou a experimentar sua obsessão pelas máquinas de velocidade. Filho de deputado federal e médico Estácio Gonçalves Souto Maior, que seria ministro da Saúde no governo João Goulart, no primeiro gabinete chefiado pelo primeiro ministro Tancredo Neves. Piquet nasceu no Rio de Janeiro em 17 de agosto de 1952. Caçula de quatro irmãos, mudou-se em 1960, ano da fundação de Brasília. O pai, já morto, foi cassado em 64 e a família não mais se interessou pela política.
Os primeiros exercícios de velocidade foram na pista de autorama. Piquet era da escuderia Venenosa e muitas aulas foram cabuladas em troca de disputas nas garagens com a arquiinimiga escuderia Urubamba. Chegou até a montar uma oficina para conserto de minicarros em sua casa. Outro ritual precoce: aos domingos pela manhã, vistoriar e retocar o motor da Mercedes Benz de seu pai.
Depois, vieram os "pegas" de rua, sábados pela madrugada. Certa noite, os policiais militares formaram uma barreira e interceptaram alguns "rachadores". Mas o piloto cabeludo do fusca azul envenenado, ano 70, com 19 anos, não se conformou: diante da barreira, manobrou um "cavalo de pau" e fugiu. Um policial disparou um tiro que estilhaçou o pára-brisa e o comando talvez tenha até anotado a placa, 1412. O número, no entanto, era forjado por fitas adesivas amarelas que cobriam o primeiro e terceiro algarismo do número real, 4442. Era 1971 e o fusca fora um presente do pai por ter ingressado no vestibular de Comunicações da Universidade de Brasília (UnB), cujo curso de Biblioteconomia foi abandonado no primeiro semestre.
A essa altura, já era irreversível o rumo de Piquet para o automobilismo, contrariando a vontade do pai, que queria fazer do filho um campeão de tênis, esporte que pratica até hoje com desenvoltura.
Começou a correr com kart, conquistando o título brasiliense de 71, mas queria também especializar-se em mecânica e fez dois cursos em São Paulo, além de trabalhar em oficinas de Brasília em troca de apoio, carros e equipamentos. Em 74, passou à categoria Super-Vê, a mais avançada então no país, e foi campeão em 76. Resolveu então tentar a vida na Europa.
Em 77, ganhou duas provas pela Fórmula 3 e começou a enfrentar as primeiras adversidades, no ano seguinte. Com poucos recursos e diante da ameaça de suspensão de patrocínio, Piquet retrucou jogando todo o seu cacife: as verbas viriam de acordo com os resultados que obtivesse. Acabou vencendo o Campeonato Inglês de Fórmula 3, com onze primeiros lugares.
Começaram a surgir então os primeiros convites para a Fórmula 1. Estreou em 78, pilotando um Ensign Ford. Mas no final do ano assinou contato com a Brabham, de propriedade de Bernie Ecclestone. Piquet diz que nem chegou a ler os termos do contrato, que incluía condições pouco vantajosas e fora até recusado por um outro brasileiro, Alex Dias Ribeiro. Piquet, no entanto, compensou a falta de recursos com publicidade e Bernie teve de abrir mão da intermediação.
A temporada em 79, porém, não foi favorável e terminou o campeonato em 15° lugar com três pontos. No ano seguinte, com a saída de Niki Lauda, tornou-se o primeiro piloto da equipe e foi vice-campeão. O primeiro título viria em 81, com um ponto de vantagem (50 a 49) sobre o argentino Carlos Reutmann. Voltaria a conquistar novamente o título pela Brabham em 83, vencendo três GP's, com 59 pontos sobre 57 de Alain Prost.
Em 85, foi contratado como primeiro piloto pela Williams-Honda, equipe inglesa, e logo começou um a disputa interna com o companheiro de equipe, o inglês Nigel Mansell, que tinha preferência dos mecânicos. No ano passado, a disputa intensa entre ambos criou condições para que Alain Prost obtivesse o bicampeonato.
Piquet já venceu 21 Grandes Prêmios e é o único piloto de Fórmula 1 a chegar quatro vezes em primeiro lugar em Monza, "templo sagrado do automobilismo". Milionário, Piquet, com 35 anos, quer correr até os quarenta. Atualmente namora com a belga Anne Catherine Valenti. É separado da mulher, Maria Clara, funcionária do Banco Central em Brasília, com quem tem um filho, Geraldo, com dez anos de idade. Mora em Mônaco, com um iate e dois jatos. E agora envolve-se com a construção de um novo e luxuoso iate, que está sendo fabricado, sob a sua supervisão, em Ancara, na Turquia.

Sorte acompanha o tricampeão

Da redação da Folha

Os dois primeiro campeonatos conquistados por Nélson Piquet, em 81 e 83, quando corria pela Brabham, só foram decididos na última prova da temporada e ele dividia o favoritismo com outros corredores. Este ano, Piquet começou a despontar como favorito ao título depois de vencer a oitava corrida, o Grande Prêmio da Alemanha. Ele pontuou em doze das quatorze provas disputadas e subiu ao pódio onze vezes. Em toda sua carreira, Piquet disputou 140 GPs e marcou 368 pontos úteis. Só não se saiu bem nos campeonatos de 82, 84 e 85, quando classificou-se em 11° quinto e oitavo lugares, respectivamente.
O campeonato de 81 foi decidido no Grande Prêmio dos Estados Unidos, 15ª prova do ano, disputada em Las Vegas. Antes da prova, Piquet era o segundo colocado na pontuação geral, com 48 pontos. Em primeiro estava o argentino Carlos Reutmann (Williams), e em terceiro, o francês Jacques Laffite (Ligier), com 43.
O "grid" de largada foi formado com Reutmann em primeiro, seguido por Alan Jones, Giles Villeneuve, Nélson Piquet e Alain Prost. O vencedor foi o australiano Jones, com Prost em segundo e Bruno Giacomelli em terceiro. Nigel Mansell, então na equipe Lotus, foi o quarto colocado, com Piquet em quinto. Laffite e Reutmann terminaram em sexto e oitavo lugares, respectivamente. Posições que favoreceram a conquista do campeonato pelo brasileiro. Na classificação geral, Piquet terminou a temporada com cinquenta pontos, um a mais que Reutmann.
O bicampeonato só viria em 83, quando ele venceu três das quinze provas disputadas - Prost venceu quatro. Mais uma vez a decisão ficou para a última prova, realizada na África do Sul. O líder do campeonato era Alain Prost (Renault), com 57 pontos. Piquet estava em segundo, com 55, e René Arnoux (Ferrari), também da França, era o terceiro, com 49.
O "pole position" foi o francês Patrick Tambay (Ferrari). Piquet largou em segundo, com Arnoux em quarto e Prost em quinto. O terceiro foi o italiano Ricardo Patrese (Brabham). Patrese venceu a corrida, Andréa de Cesaris (Alfa Romeo) chegou em segundo e o brasileiro em terceiro. Prost e Arnoux não pontuaram e Piquet conquistou o bicampeonato com 59 pontos, dois a mais do que Prost.
Em 86, Nélson Piquet foi para a Williams. O dono da equipe, Frank Williams, precisou afastar-se dos autódromos por ter sofrido um acidente. Na última prova da temporada, na Austrália, Mansell desistiu quase no final, Piquet fez o "pit stop" e Prost assumiu a liderança, vendendo a corrida e obtendo o bicampeonato.
Este ano, Piquet pontuou em doze provas das quatorze que disputou. No GP de San Marino, segunda corrida da temporada, sofreu um acidente durante os treinos e não pôde correr. Na Bélgica, terceira prova, o carro quebrou. Ele subiu ao pódio onze vezes este ano. A temporada foi marcada por conflitos com Mansell, o que o levou a anunciar sua transferência para a Lotus.
Uma de suas vitórias foi na Itália, dia 6 de setembro, quando nas últimas voltas, um erro de Ayrton Senna (Lotus), até então o líder, permitiu que tomasse a dianteira e vencesse. O GP da Itália, disputado em Monza, marcou também o uso da suspensão ativa (computadorizada) no carro de Piquet. Até então só era usada pelos Lotus de Senna e Satoru Nakajima. Na corrida seguinte, na Espanha, Mansell também exigiu que seu carro fosse equipado com a suspensão ativa, ao perceber que Piquet levava vantagem durante as corridas.
No México, dia 18 de outubro, após largar mal e cair para a 24ª posição, Piquet recuperou-se e conseguiu tomar a liderança, depois de dada uma nova largada. O brasileiro passou a correr contra o tempo a fim de tirar a diferença de Mansell, que vinha em segundo, mas estava em primeiro de acordo com a diferença de tempo que havia quando a corrida foi paralisada.


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