JUIZ
Profissão:
sofrer, apanhar
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Publicado
na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 1974
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- "Bom juiz é aquele que só é notado quando
o jogo acaba".
Eles começam timidamente, apitando jogos inexpressivos. Depois
vão subindo na profissão e às vezes ganham manchetes.
Mas isso só acontece quando erram. Quando apitam bem, passam
despercebidos, ganham alguns elogios que são rapidamente esquecidos
no momento de um erro. Aí o juiz de futebol volta a ter seu
nome falado, quase sempre acompanhado dos xingamentos e da ira da
torcida.
Para o argentino Roberto Goicochea, que apitou algum tempo no futebol
paulista, para ser bom juiz de futebol o candidato precisa ter cinco
qualidades. Goicochea foi embora, mas suas lições ficaram:
1 -
Ser moralmente forte e de moral limpo;
2 - Ser completamente imparcial;
3 - Ter excelente preparo físico;
4 - Ser humilde;
5 - Não querer aparecer como dono do jogo.
A essas
cinco qualidades, poderia ser acrescentada uma outra: coragem. Juiz
que tem medo de apanhar, não vai além na profissão.
Fica logo num jogo difícil de Segunda ou Primeira Divisão,
onde a torcida nem sempre perdoa a imparcialidade e a boa intenção
do árbitro. O que importa é que o time da casa vença.
Ou melhor: que o time de maior torcida ganhe.
Às vezes aparecem os mais corajosos, como João Carlos
Dipoldi, um árbitro da Federação Paulista que
em novembro de 1973 expulsou os 22 jogadores e os dez reservas,
que momentos antes haviam se engalfinhado numa tremenda briga. Aconteceu
no jogo Mogi-Mirim vs. Cafelandense, pela 2a Divisão.
Na profissão maldita existe de tudo. Até juizes que
criam novos métodos como "Careca", um árbitro
pernambucano. Num Campeonato do Intermunicipal, ele chegou cedo
para arbitrar Gigantes vs ABC, grande decisão do futebol
amador de Recife. Olhou o campo encharcado, a chuva que não
parava mais de cair e decidiu:
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"Vai
ter jogo" |
Dito isso, autorizou a entrada das duas equipes em campo e colocou
seu carro, um Volks, à beira do gramado e de lá, enquanto
os jogadores se degladiavam no campo sem condições,
comandou o espetáculo substituindo o apito pela buzina. Às
vezes, em lances duvidosos, "Careca engatava a primeira e entrava
com o carrinho no gramado, a fim de resolver a pendência. No
fim, o Gigantes venceu por 6 a 2 e tudo terminou em paz. A arbitragem
motorizada de Francisco Bezerra, o "Careca", tinha sido
aprovada.
No início de sua carreira, Armando Marques também passou
seus maus pedaços. Foi assim em Santos Dumont. Neste dia também
chovia muito e Armandinho havia sido enviado para levar à frente
uma decisão amadora na cidade. A torcida colocou-se perigosamente
em cima de um barranco que ficava ao lado do campo. Fim da partida,
placar de 2 a 2, a torcida de Santos Dumont insatisfeita com empate
desceu ameaçadoramente do barranco-arquibancada em direção
a Armando. Ele teve tempo apenas de agarrar na roupa e correr em direção
à estação da cidade, onde embarcou num trem de
carga. Só lá se lembrou dos sapatos. Mas era tarde.
A solução foi lustrar as chuteiras e assim chegar ao
Rio.
O juiz Dulcídio Vanderlei Boschilla já nocauteou torcedores
que o ameaçavam e já usou revólveres para sair
de uma cidade do Interior.
"Fui apitar Penapolense vs. São Bento de Marília
e, em certo momento, os jogadores começaram a brigar. Vários
deles se voltaram contra mim. Tive de fugir para o vestiário."
Lá a torcida o esperava. Os vidros estavam quebrados e a porta
de ferro do vestiário estava ameaçadoramente sendo empurrada
pela massa irada. Dulcídio, soldado da Polícia Militar,
tirou o revólver da valise, deu três tiros para o ar
e conseguiu escapar. Mas só pôde sair da cidade à
meia-noite.
Apesar de todos os dramas, arbitro brasileiro ainda tem sorte. Em
Córdoba, na Argentina, em fevereiro de 1972, jogavam Sportivo
Rural vs. Belgrano. Lá pelo meio do segundo tempo, o juiz Oscar
Fragot expulsou um jogador do Sportivo. Foi o suficiente para estourar
uma briga terrivel. Fim de guerra: o bandeirinha Agustin Bazzo estava
morto de tanto apanhar.
Em junho de 1971, na decisão do Campeonato Norte-Nordeste,
foi a vez do carioca José Aldo Pereira passar seus maus momentos.
Depois, ele contava:
"Jogavam Ceará e CSA. Marquei um penalti contra o Ceará,
mas tudo terminou bem, apesar do chefe do policiamento dizer que ia
me matar se tudo não saisse direitinho. Saiu."
Há algumas semanas, em Sergipe, aconteceu o inverso: Gilson,
jogador do Olimpico, num jogo Sergipe vs. Olimpico, foi expulso pelo
arbitro Marcelo Fernandes. Ao invés de aceitar a punição
com calma, foi pedir satisfação ao juiz. Em resposta
recebeu quatro murros no rosto, fato exaustivamente comentado pela
imprensa local, que passou a perguntar: "o que será do
futebol se os juizes passarem à agressão?
Em outubro de 1970, o juiz Carlos Batista Lopes foi a Leme, no Interior
de São Paulo, arbitrar Lemense e Santa-ritense, pela 2ª
Divisão. O Santa-ritense estava ganhando de 1 a 0, quando explodiu
a confusão. No fim, protegido pelos diretores locais, satisfeitos
com o placar final de 2 a 1, Carlos Lopes viu que suas roupas estavam
no chão do vestiário, rasgadas e sujas de barro. O seu
relatório para a Federação foi muito claro: a
partida havia terminado aos 37 minutos do 2º tempo e o Santa-ritense
havia vencido por 1 a 0. O resto do tempo de jôgo tinha sido
amistoso, unica forma do arbitro sair vivo do campo.
Mario Vianna, considerado um exemplo de arbitragem, tem histórias
famosas. Uma delas diz que antes das partidas ele passava o tempo
no vestiário girando em torno de um círculo imaginario,
batendo no peito e dizendo com força:
"Eu sou Mario Vianna, Vianna com dois enes, símbolo do
juiz honesto... Eu sou Mario..."
Assim adquiria forças para não errar, como naquele jogo
entre as seleções do Chile e da Colombia. Aos poucos
a partida foi tornando-se ríspida. Mario percebeu a ameaça
de briga e não deixou por menos: cerrou os punhos e avisou
os jogadores.
"Eu acerto o primeiro que quiser brigar".
Ninguém brigou.
Mas o melhor exemplo de interpretação da regra do jogo
foi dado em 1955, no Pacaembú, pelo próprio Mario. Jogavam
Palmeiras e São Paulo e o ponta esquerda Rodrigues, do Palmeiras,
cruzou uma bola alta para a área. Clelio tentou alcançar
a bola com as mãos e não conseguiu. Mario apitou penalti
e quando foram reclamar, com sua voz potente não deixou por
menos:
"Não tocou na bola, mas teve a intenção.
É penalti. Não admito discussões."
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