BRANDÃO DEIXA A SELEÇÃO

Osvaldo Brandão não é mais o técnico da seleção brasileira de futebol. Ele renunciou ao cargo na manhã de ontem, quando passou pelo Galeão procedente de Bogotá. Em sua chegada a São Paulo, o técnico nada revelou, mas à tarde a notícia era divulgada no Rio. No breve contacto que teve no Galeão com o supervisor Almir de Almeida e com André Richer, diretor de futebol da CBD, Osvaldo Brandão apresentou a sua demissão verbal, a qual foi transmitida ao presidente da CBD, almirante Heleno Nunes, que se encontrava em Teresópolis. A demissão foi aceita e algumas horas depois era anunciado o nome do novo técnico: Cláudio Coutinho, do Flamengo, que na Olimpíada de Montreal, no ano passado, foi o técnico da seleção brasileira, classificada em quarto lugar.
Cláudio Coutinho está em Alfenas, onde o Flamengo joga hoje à tarde com a Caldense, mas à noite deverá apresentar-se na concentração do Vasco da Gama, onde também estarão os vinte e dois jogadores da seleção para o reinício dos treinamento, a partir de amanhã.


Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1977

Como estava previsto, Brandão foi derrubado

"Já vinha estudando a renúncia desde Bogotá. Lá, não dei entrevista para ninguém falando dos novos planos porque não tinha nenhum. Fui até o ponto em que achei que devia parar. Ao chegar ao Rio hoje de manhã, comuniquei minha renúncia ao Richer e ao Almir. Espero poder conversar com o meu amigo almirante na segunda-feira" - estas foram as primeiras declarações do ex-técnico da seleção brasileira, Osvaldo Brandão, que, pontualmente às 18h30, atendeu aos 25 repórteres que o aguardavam na sala de espera do prédio na Rua Caconde, 125.
"Não, não foi um simples resultado de 0 a 0 que me fez renunciar. Afinal, fora de casa ganhamos um ponto e não perdemos. Renunciei para deixar tudo calmo na CBD. Estou com a consciência tranquila. Deixo o cargo sem problemas com ninguém. Nem com a imprensa carioca, como andam dizendo por aí. Não queria criar problema com ninguém. Nem ao almirante (numa provável alusão às recentes críticas do ministro Ney Braga, da Educação e Cultura). As minhas paradas ficam comigo mesmo... Mas acho que também não é este o momento oportuno de falar."
"Aos jogadores, espero que tenham a mesma confiança e que lutem pela classificação que, asseguro, virá. Ao público, peço que ajude a equipe. Quanto aos assessores que levei para a seleção (Carlesso e Maffia), foram meus convidados, mas devem decidir o que quiserem. Quanto ao Lídio de Toledo, fiz o que deveria fazer. Ele não prejudicou em nada o meu trabalho. Agora pretendo descansar. Não estou pensando em clubes, em nada. Estou realmente um pouco cansado. Há quatro meses fui submetido a uma operação e, como é lógico, estou sentindo fadiga" - comentou ironicamente - "Nessa situação não poderia pedir licença, como em qualquer outro emprego. Optei pela demissão. Agora, se me pedirem alguma colaboração, não há dúvidas de que a darei. A minha demissão já foi uma colaboração. Não tenho direito de falar nada. Minhas amarguras são comigo..."
Perguntado sobre Cláudio Coutinho na seleção, Brandão disse: "Não vou julgar ninguém. O que for para lá vai ter que trabalhar, e, pelo menos de minha parte, contará com todo o apoio".
Um dos repórteres lembrou sua condição de praticante do espiritismo, portanto um homem compromissado com a verdade. Não estaria Brandão escondendo fatos ligados à sua renúncia?
"Sou espírita e cumpro religiosamente com minhas obrigações. Garanto que não estou escondendo a verdade, caso contrário não seria um homem feliz. A decisão de renunciar foi minha, pois julguei que, para que a seleção tivesse uma vida tranquila, seria necessária a minha saída. Acho que foi a melhor solução."


*

RIO (Sucursal) - O desentrosamento que alimentou, em Bogotá, o clima de tensão existente na comissão técnica acabou por ter um desfecho inesperado: a saída do técnico Osvaldo Brandão do comando da seleção brasileira de futebol. Afinal, supunha-se que parte da crise estava superada e que o treinador, por seu temperamento de luta, dificilmente deixaria a equipe.
E era o que transparecia às 7h35, no aeroporto do Galeão, quando pousou na pista o avião da Varig trazendo o treinador. Pouco mais de 30 minutos bastaram para que ele, em reunião com André Richer e Almir de Almeida, definisse os 22 jogadores da seleção brasileira, que foram inscritos ontem mesmo na FIFA, para o jogo do dia 9, contra a Colômbia, no Maracanã. As novidades eram a inclusão de Joãozinho em substituição a Lula e a exclusão de Paulo Isidoro para permitir a inscrição de Luís Pereira.
Mas a grande novidade não seria comentada ali. Prudentemente, a fim de evitar maiores aborrecimentos, Brandão permaneceu no avião e junto com a lista de jogadores deu a André Richer a informação de que deixaria a direção da equipe: "Não há mais condições de prosseguir como técnico, por problemas de família e saúde. Problemas particulares"- teria dito o treinador, que alegou ainda estafa, em virtude de ter sido operado recentemente de uma úlcera estomacal.
Por pedido do técnico, Richer nada comentou junto aos repórteres. A demissão de Osvaldo Brandão, "em caráter irrevogável", teria que ser analisada primeiramente por Heleno Nunes, presidente da CBD. Assim, o diretor de futebol da CBD seguiu para Teresópolis, onde comunicou a Heleno Nunes, em sua residência, a decisão do técnico.
Sem maior relutância diante da solicitação, o presidente da CBD aceitou o pedido, embora há duas semanas apontasse Brandão como o melhor técnico do país, e deu plenos poderes a Richer para que este escolhesse o novo treinador. Não escondida, porém, sua preferência pelo bicampeão brasileiro Rubens Minelli, atualmente no São Paulo.

Escolha política

À tarde, ao nome de Minelli, foram acrescentados os de mais dois treinadores, rotulados como mais cotados para ocupar o cargo deixado por Brandão: Mário Travaglini, do Fluminense, e Cláudio Coutinho, do Flamengo. Por fim, às 18 horas surgia a definição: Cláudio Coutinho, treinador da seleção brasileira de amadores na Olimpíada de Montreal, era escolhido. Ele estava em Alfenas, Minas Gerais, onde o Flamengo joga esta tarde amistosamente contra a Associação Atlética Caldense.
A confirmação de Cláudio Coutinho foi dificultada porque o telefone do Hotel Tóquio, em Alfenas, estava com defeito e André Richer teve que recorrer a um outro número para entrar em contato com o técnico do Flamengo. Depois que orientou a seleção olímpica brasileira, no Canadá, Coutinho tinha realmente aspirações de um dia comandar a equipe principal do país. E trabalhou para isso, nos bastidores.
Cláudio Coutinho é formado pela Escola de Educação Física do Exército, na Urca, onde lecionou voleibol e futebol. Ele é o introdutor do discutido teste de Cooper - por sua amizade com o professor norte-americano Kenneth Cooper - no Brasil, onde foi adotado pela primeira vez nos preparativos para a Copa do Mundo de 70.
A escolha foi justificada por André Richer, que considera o novo treinador um profundo estudioso de futebol, "que leva a vantagem de possuir grande experiência internacional por sua participação como supervisor da seleção brasileira na Copa do Mundo, em 70 e 74, além de ter trabalhado praticamente um ano no Olimpique de Marselha e no futebol peruano" - ficava evidenciado o jogo político que reconduziu um técnico carioca à seleção. Afinal, como técnico Coutinho é no mínimo inexperiente.
"Cláudio tem outra vantagem: adotou um futebol de competição já na Olimpíada de Montreal, quando assumiu o comando da equipe amadora do Brasil, em substituição a Zizinho.
"Também despontou com bom trabalho à frente da equipe do Flamengo no Campeonato Nacional de 1976, em substituição a Carlos Froner (Cricher)."
O entusiasmado diretor de futebol da CBD disse que o novo treinador somente será apresentado na segunda-feira aos jogadores na concentração de São Januário. Os jogadores se apresentarão ao próprio diretor de futebol, que estará acompanhado pelo supervisor Almir de Almeida e Carlos Alberto Cavalheiro, chefe da delegação brasileira.

Disfarce

As representações de Almir de Almeida e André Richer foram perfeitas.
Não havia indício de que teria havido qualquer modificação na comissão técnica da seleção brasileira. Ambos aguardavam Osvaldo Brandão desde às 4 horas, e foram obrigados a esperar mais duas horas e meia, porque o vôo atrasou.
Enquanto esperava o técnico, o supervisor Almir de Almeida revelava algumas das providências que tomaria junto com o treinador e amigo: "Estive afastado desde o ano passado e agora estou me inteirando dos fatos. A delegação que irá ao Paraguai será formada apenas por pessoas indispensáveis" - dizia como querendo justificar que delegações tão numerosas e dispendiosas como a que seguiu para Bogotá não mais serão formadas. "O cozinheiro Mário Rocha que me desculpe, mas a seleção não precisará de seus serviços em Assunção. Ficaremos num hotel de luxo (Itahamada) que tem cozinha internacional e que não criará qualquer problema para a alimentação dos jogadores" - disse, como se não soubesse que o excesso de pessoas na delegação não estava no pessoal que trabalha.
Depois, o supervisor passou a explicar que, com exceção de Paulo Isidoro e Lula, não haveria mudanças: "Nas demais posições permanecerão os mesmos jogadores que foram relacionados para o primeiro jogo contra os colombianos. O Palhinha e o Nelinho, do Cruzeiro, estão sob tratamento médico e não precisarão se apresentar amanhã (hoje) em São Januário. O mesmo acontece com Lula, que ainda não se recuperou da contusão do joelho direito".

Reunião rápida

Quando o aparelho da Varig aterrissou no Galeão, Almir de Almeida e André Richer já se encontravam na pista.
Eles esperaram alguns minutos por Osvaldo Brandão, até que um jornalista, que viajara no mesmo avião, avisou que o treinador permaneceria a bordo, a fim de seguir viagem direto para São Paulo. O supervisor estava impaciente e acabou tomando a iniciativa: "Vamos para o avião. Temos que definir logo os 22 jogadores, conforme os entendimentos feitos ontem (anteontem) através do telefone. A relação tem que ser enviada para a FIFA".
Almir de Almeida não pareceu convencido com a desculpa apresentada pelo treinador de que os passageiros em trânsito teriam que permanecer a bordo.
Brandão já fizera o mesmo no ano passado, quando voltou dos Jogos Pan-americanos: ficou a bordo alegando passar mal, enquanto o presidente Heleno Nunes, da CBD, o aguardava na pista. Depois da reunião no jumbo, Almir de Almeida anunciou a grande "novidade": as saídas de Lula e Isidoro.
Soube se manter discreto, sem se trair. Aguardavam Almir de Almeida e André Richer os médicos Mauro Pompeu e Lídio Toledo, este último um dos maiores inimigos de Brandão dentro da comissão técnica.
Para ele, provavelmente, a decisão do técnico não surpreendeu. Talvez agora, Lídio Toledo possa influir de maneira mais direta na escalação da equipe, como é de seu costume desde que chegou à seleção. Os desentendimentos de Brandão e Lídio tiveram início quando foi escolhido o Rancho Silvestre, no Embu, como concentração para a equipe, no começo do ano. O médico preferia que o local escolhido fosse no Rio de Janeiro, onde ele poderia conciliar seus dois trabalhos: na seleção brasileira e em sua clínica particular em Copacabana.

Obrigatoriedade

A escalação de dois pontas ofensivos e abertos pelas laterais - como deseja o presidente Heleno Nunes - será obrigatória contra a Colômbia no dia 9, segundo outras declarações de Almir de Almeida. O supervisor também anunciou que a relação dos 40 jogadores será modificada para o jogo do dia 13, contra o Paraguai, em Assunção:
"A partir de segunda-feira, a comissão técnica traçará seu plano de trabalho e também reformulará a lista dos 40 jogadores. Pode haver novas modificações na relação para a primeira partida contra o Paraguai."
Para a segunda partida contra a Colômbia foram inscritos pela CBD os goleiros Leão, Valdir Peres e Jairo; os zagueiros Zé Maria, Luís Pereira, Amaral, Beto Fuscão, Edinho, Vladimir, Marinho e Marco Antonio; os armadores Caçapava, Falcão, Toninho Cerezzo, Givanildo e Rivelino, e os atacantes Gil, Zico, Roberto, Joãozinho, Valdomiro e Nílson Dias.

© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.