SENNA CARREGA O CARRO ATÉ A VITÓRIA
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Publicado
na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 25 de março de
1991
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Ayrton Senna realizou ontem seu sonho de vencer um GP Brasil de F-1.
Largou na pole-position e liderou a prova até o fim. Sofreu
a pressão dos Williams do inglês Nigel Mansell, até
a 59a volta, e do italiano Riccardo Patrese, no final. Seu McLaren
teve o câmbio quebrado e nas últimas sete voltas o piloto
usou apenas a sexta marcha. O esforço para controlar o carro
na pista úmida sob uma garoa minou a resistência de Senna.
Ao cruzar a linha de chegada, entre berros ele gritou: "Ai, meu
Deus, eu não acredito". O piloto não conseguiu
completar a volta de comemoração. O carro "morreu"
na Reta Oposta e ele precisou de ajuda para deixá-lo. "Não
consigo mexer os braços", dizia. No pódio, chorou
e jogou champanhe sobre sua cabeça. Disse que Deus lhe deu
a vitória. Patrese foi o 2º e o austríaco Gerhard
Berger, o 3º. É a 28a vitória de Senna na F-1.
Só o francês Alain Prost (4º ontem) venceu mais:
44.
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Senna
vence com uma marcha só |
Mario Andrada e Silva
Em São Paulo
A primeira vitória brasileira de Ayrton Senna materializou-se
como um parto divino. Uniu fé, dor, realização
e competência. O piloto da McLaren ganhou o GP Brasil com um
carro de uma marcha só. Completou as 71 voltas da prova em
1h38min28s128, recebendo a bandeirada com 2s991 de vantagem sobre
o italiano Riccardo Patrese, da Williams. Gerhard Berger acompanhou
os dois ao pódio, terminando o GP dos sonhos da torcida em
3º lugar. Senna está invicto na atual temporada de F-1.
Lidera o campeonato com 20 pontos, 11 de vantagem sobre Alain Prost,
da Ferrari.
Agora só existem dois objetivos inatingidos na carreira de
Ayrton: vencer mais corridas do que Prost e igualar o argentino Juan
Manuel Fangio no número de títulos mundiais conquistados.
Com mais três títulos e 17 vitórias - ele tem
28 -, Senna será comprovadamente o melhor piloto de todos os
tempos. Poderá então descansar em paz. Ficará
livre da sua consciência, a mais exigente da Fórmula
1.
Senna não precisou da chuva para vencer. A vontade era tanta
que mesmo com um carro em frangalhos ele acabou chegando na frente.
O ufanismo dos torcedores, profissionais e amadores, também
se revelou dispensável. Senna disse que não teve um
minuto de sossego no fim-de-semana. Alegou ter sofrido uma pressão
infernal. Acusou o golpe e terminou a corrida esgotado em todos os
níveis. Depois de cruzar a linha de chegada, só teve
forças para gritar, pelo rádio e para ele mesmo: "Ai,
meu Deus, eu não acredito!"
O primeiro triunfo de Senna em Interlagos foi colocado pelo piloto
no pódio de suas maiores conquistas. Ele disse que se lembrará
da prova de ontem como se recorda da primeira vitória na F-1,
em Portugal/85, e do primeiro lugar em Suzuka, que lhe deu o título
de 88.
Unidos no desejo da vitória, torcedores e piloto viveram ontem
suspenses diferentes. Enquanto o público roía as unhas
pensando em pneus e na chuva, Senna via o câmbio do seu McLaren
enlouquecer. Primeiro ficou sem a quarta marcha, depois sem a quinta
e, a sete voltas do final, só sobrou a sexta. Tinha que segurar
o carro no freio com o mortozão da Honda empurrando-o para
frente. Ayrton fez tanta força para manter a máquina
dentro dos limites da pista que acabou a prova com espasmos musculares
e uma dor "absurda" nos braços.
Apesar de vencer o GP de ponta a ponta, Senna não teve um minuto
de descanso na prova. Até a 59a das 71 voltas, ele duelou com
Nigel Mansell. Durante as primeiras 16 passagens, os dois foram os
únicos que conseguiram completar o circuito em menos de 1min22s.
Assim que se livrou de Mansell, Ayrton teve que fugir do companheiro
de equipe do inglês. No meio de tudo isso, ele gastou energias
pensando em paradas nos boxes e na degradação mecânica
do McLaren número 1.
Senna ganhou mais não deteve o monopólio do choro entre
os pilotos brasileiros. Maurício Gulgelmin também deixou
a pista em lágrimas. O piloto da Leyton House correu no sacrifício
e não aguentou mais do que oito voltas por causa de uma queimadura
no warm up. Dos brasileiros unidos da Benetton, o único que
pontuou foi Nélson Piquet, 5º colocado. Roberto Moreno
passou um final de semana difícil, marcado por conflitinhos
com a imprensa e problemões mecânicos. Completou a prova
em um modesto 7º lugar, carimbando o decreto de aposentadoria
do modelo B190 da Benetton.
Piquet lutou muito para ganhar pouco. Ele poderia ter superado Alain
Prost, 4º na classificação final, se tivesse parado
antes para trocar pneus. Mesmo assim o resultado seria um prêmio
generoso demais para uma máquina que já deveria ter
seguido o caminho do museu. Entre os Benetton, com a mesma atuação
apagada, chegaram as Ferrari. Prost e Jean Alesi nunca apareceram
bem na prova. Os carros estavam inguiáveis, segundo eles. Para
a torcida ferrarista, as máquinas de Maranello apresentaram-se
aqui coloridas num vermelho vergonha, e não no "rosso"
indomável que escreveu a história dos seus carros de
corrida.
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